O conto a seguir é uma continuação da história de Cristina e Jorge, eles apareceram anteriormente nos Contos de Segunda #11 e #17
Leia a primeira parte do Contos de Segunda #27 AQUI
“Deu merda, me liga”. Foi essa a mensagem que apareceu no celular de Jorge no começo da manhã. A mensagem era do chefe do departamento jurídico.
— Sabe aquele deputado que ia fazer umas denuncias ontem? Ele jogou um monte de gente na fogueira, inclusive um dos sócios da nossa empresa. Estou pegando o avião em cinco minutos pra encontrar com ele. Já falei com a equipe, vai todo mundo pro escritório agora de manhã, mas depois todo mundo vai meter a cara na rua pra resolver o que eu não puder. Você vai ficar por lá pra trabalhar com o pessoal de comunicação, precisamos emitir uma nota oficial e precisamos segurar a onda da imprensa. Era só isso, vou correr pro avião.
Jorge desligou. Para ele o resumo daquela ópera era o seguinte: ele teria de trabalhar no dia da confraternização da empresa e ainda teria que fazer isso na companhia ilustre de Cristina, quem normalmente era chamada para apagar esses incêndios.
“Bom dia, pessoal.Quem vai fazer o quê hoje?”, disse Jorge no chat em grupo do pessoal do jurídico.
“Eu vou colar na galera da contabilidade pra saber se alguma grana estranha entrou ou saiu nos últimos tempos… E nos tempos antes desses últimos”, respondeu Paulo César.
“Eu vou entrar nessa com PC”, disse Rômulo.
“Eu também”, reforçou Silveira.
“Eu vou pro banco ver as movimentações das contas do cara ligadas à empresa”, disse Oscar.
“Eu tô com Oscar”, completou Roberta.
“Então não vai ter ninguém pra me ajudar com a amiga de Roberta?”, perguntou Jorge.
“Desculpa, boy. Essa guerra hoje é só tua”, respondeu Roberta.
“A palavra ‘boy’ devia ser proibida nesse grupo“.
A “guerra” em questão chegou um pouco depois das onze. Com uma garrafa de champagne que acabara de ganhar na confraternização e um humor tão bom quanto uma joelhada na quina da mesa.
— Bom dia, Cristina — Disse Jorge calmamente — Imagino que já saiba qual a nossa situação.
— Bom dia, Jorge — Disse ela impaciente — Fui informada por alto, preciso saber do tamanho da confusão. Deixa só eu arrumar uma geladeira pra essa garrafa e a gente pode começar.
A confusão era gigante. O tal deputado estava com lama até o pescoço e saiu atirando pra todos os lados. O telefone não parava de tocar. A imprensa já estava na porta e o chefe do jurídico estava a beira de um ataque de nervos. As notícias que chegavam eram um pouco mais animadoras. As contas da empresa estavam limpas e nenhum dinheiro estranho tinha entrado por lugar nenhum. Pelo menos era o que aparentava. O relógio já marcava 16 horas quando todas as informações chegaram e a nota oficial pôde ser concluída. O trabalho estava terminado.
— Terminamos — Falou Cristina com um suspiro.
— Pelo menos por enquanto — Completou Jorge verificando o celular— Preciso correr. Compromissos de fim de ano.
Uma mensagem piscou no celular de Cristina. Era Luciana.
“Confra das meninas ficou pras 19h. Roberta disse que fica livre em 1h. E vc?”.
“Estou quase saindo. Já fosse pra casa?”, respondeu Cristina.
“Já, vem pra cá e a gente vai daqui. Nem invente de aproveitar pra beber com teu boy, traz o champagne que a gente bebe na volta da confra”.
— Também preciso correr – Disse Cristina tentando não se irritar com a última mensagem da amiga — Preciso pegar meu champagne na geladeira, você chama o elevador?
— Claro.
O elevador chegou um pouco antes de Cristina. Os dois entraram e automaticamente a atmosfera profissional se dissipou, dando lugar ao clima incômodo de sempre. Apenas cinco andares separavam os dois do térreo. Pareciam cinquenta. Cristina estava visivelmente impaciente e a impaciência dela estava começando a contaminar Jorge. Dois andares agora. As luzes do elevador começaram a falhar e ele parou. Ficou tudo escuro por alguns segundos antes das luzes de emergência acenderem.
— Só me faltava essa — Esbravejou Cristina antes de apertar o botão do interfone do elevador — Alô? Alguém ouvindo?
— Alô, boa tarde — Respondeu a voz do outro lado — Vocês ficaram presos no elevador?
Cristina respirou fundo três vezes antes de responder.
— Acho que só usam esse interfone em casos assim.
— A gente vai chamar o pessoal da manutenção, mas acho que vão ter que esperar a energia voltar.
Cristina soltou o botão do interfone e olhou para Jorge. O advogado estava aparentemente tranquilo. De alguma forma aquilo fez o sangue de Cristina esquentar.
— Você deve estar achando tudo isso uma maravilha, não é?
— Hã? Ficou doida, Cristina? Eu estou cheio de coisa pra fazer, atrasado e preso no elevador com uma pessoa que não é o que eu posso chamar de “melhor amiga”.
— Conversa, Jorge — O tom da voz dela começou a se elevar — Tá na cara que você se diverte muito com tudo isso. Faz meses que eu tenho que aguentar todo tipo de brincadeira por sua causa — Ela estava com o indicador no peito dele.
— Como é? Eu tive tanta culpa quanto você — O esforço para manter o controle era enorme nesse momento — E muito menos culpa do que a sua amiga.
Ele estava certo. Luciana era o arauto de todo esse caos. Foi por causa dela que a história vazou, mas ela não podia admitir. Só ela podia fazer esse tipo de acusação.
— Luciana não se aproveitou de ninguém louco de tequila.
Aquilo era golpe baixo. Jorge trincou os dentes. Finalmente ela tinha conseguido tirá-lo do sério.
— Não me venha com essa, Cristina. Você não estava tão louca assim. Ninguém ia fazer nada que você não quisesse.
— Me dê um motivo pra não enfiar a mão na sua cara.
— Você sabe que eu não estou errado.
Ela ficou sem ação. De fato ele não estava totalmente errado. As memórias daquela noite eram fortes o suficiente para que ela soubesse disso. E o relato de Luciana foi tão preciso que amnésia alcoólica não era um problema. A discussão havia terminado. Cristina sentou no canto do elevador, pegou um saca-rolhas de dentro da bolsa e abriu o champagne
— Eu te odeio, Jorge.
— Mas ainda vai precisar de mim pra terminar essa garrafa.
— Eu vou precisar de uma carona. E você, meu querido boy, é o amigo da vez.
Uma hora depois a energia voltou e o elevador funcionou novamente. A garrafa de champagne estava pela metade e Cristina estava bêbada o suficiente para tratar Jorge como um ser humano. Eram seis da tarde quando o carro de Jorge parou na frente da casa de Luciana. Ela saiu do carro e bateu a porta, deu dois passos antes de dar meia volta. Ele baixou o vidro.
— Eu não vou agradecer, você estava me devendo — Ela fez uma pausa como se procurasse as palavras certas, na falta de outras melhores usou as de sempre — Eu ainda te odeio, Jorge.
— Feliz natal, Cristina, e um feliz ano novo.
O vidro subiu e o carro partiu. O telefone de Cristina tocou. Era Luciana que observava tudo da varanda do terceiro andar.