Espaço, a fronteira final. Milhares de anos atrás a humanidade se lançou ao espaço, hoje o Sistema Solar está completamente colonizado. Ao longo dos milênios, os humanos terraformaram Marte e Vênus, colonizaram os satélites de Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, criaram rotas de navegação para não se perderem na imensidão do espaço. Surgiram os governos setoriais, as grandes corporações mineradoras, de transporte e de logística. A humanidade alcançou um novo patamar de prosperidade e desenvolvimento… Não demorou muito para que surgisse também um novo tipo de criminoso.
— Navegação, quanto tempo até o destino? — Questionou o capitão do cargueiro.
— Três horas e doze minutos, senhor — respondeu o oficial de navegação.
Aquela era uma viagem de rotina. O cargueiro estava transportando peças, ferramentas e outros suprimentos da Lua para a estação Marte I, localizada em Fobos, um dos satélites naturais de Marte. Normalmente os suprimentos eram enviados a partir da superfície de Marte, mas aquela carga em especial possuía algo de diferente.
— Algum sinal da nossa escolta? — Perguntou o capitão.
— Negativo, senhor — respondeu o oficial de comunicações. — Estão dezoito minutos atrasados… Senhor, perdemos contato com Marte I. Estão interferindo no nosso sinal.
O capitão demorou apenas alguns segundos para começar a despejar ordens sobre a tripulação.
— Disparem os sinalizadores. Time de artilharia, aos seus postos. Subam a blindagem da ponte e todos coloquem seus trajes de emergência, não quero ninguém morrendo por causa de uma eventual descompressão. Alguma coisa no radar?
— Não, senhor… Espere! Estou captando o sinal de um reator… É uma nave senhor… Está vindo rápido.
— Consegue identificar?
— Sim… A assinatura do transponder corresponde ao Combatente 69, senhor. É a nave de Jeannie Nitro.
— O quê? Preparem os mísseis, precisamos ganhar tempo até o reforço ou a escolta chegarem. Atirem quando essa cachorra estiver no alcance.
— Que palavras rudes, capitão — disse uma voz feminina em tom de deboche.
O rosto de Jeannie apareceu no monitor. Ao contrário de outros colegas de profissão, Jeannie Nitro gostava de conversar com os capitães das naves que estava prestes a abordar. Em algumas vezes ela conseguia um acordo razoável para as duas partes, na maioria delas tudo que conseguia era aumentar a fama.
— Vou direto ao ponto — começou ela. — Preciso que me entregue o contêiner blindado que está carregando. Um pequeno, que tem uma trava com senha. É só jogar ele, digamos, fora e eu gentilmente vou lá e pego. Cada um segue seu caminho e todos ficamos felizes.
— Não negociamos com criminosos — respondeu o capitão raivoso. — Logo nossa escolta estará aqui e você, sua maldita tripulação e essa aberração mecânica que você chama de nave vão virar poeira.
— Você sabe mesmo como agradar uma dama, capitão. Se eu fosse um pouco mais inocente estaria completamente apaixonada… Infelizmente não sou. Estou chegando, capitão. Câmbio e desligo.
A gargalhada que Jeannie deu logo depois teria matado o capitão, e qualquer um na situação dele, de raiva. Isso se ele não morresse de medo antes. Jeannie Nitro era uma das piratas espaciais mais conhecidas entre a Lua e Júpiter. Sua nave, a Combatente 69, de fato era uma aberração mecânica e justamente por isso era uma das mais temidas pelas naves civis. Rápida, ágil, equipada com armamentos proibidos e dispositivos de ocultação. Mas nada disso valeria se não fosse sua tripulação.
— Charles, assuma o sistema de armas. Eu vou pilotar — disse Jeannie em um tom mais sério.
— Sim, capitã — respondeu Charles Chacal.
— Lupita, já estamos no alcance?
— Quinze segundos, capitã — respondeu Lupe Brown.
— Walter, minhas adagas estão prontas? — disse Nitro pelo rádio.
— Esperando a ordem, capitã — respondeu a voz envelhecida pelo alto falante da ponte de comando.
— Entrando no alcance em três… Dois… Um… Eles dispararam, seis segundos para o impacto.
— Vou dar a volta e pegar ele por trás. Desativa esses mísseis, Charles. — disse a capitã.
Charles disparou os geradores de pulso elétrico. O pulso fritou o sistema de orientação dos mísseis e de propulsão, deixando os projéteis à deriva. A Combatente fez uma curva e se posicionou por trás do cargueiro enquanto o fogo chovia sobre ela.
— Localizei a porta do compartimento de carga — avisou Charles. — Vou disparar.
Dois projéteis de alta densidade acertaram o alvo em cheio, amassando a blindagem da porta de carga.
— Walter, lançamento ao meu sinal — disse a capitã. — Três… Dois… Um… Lançar.
A nave fez uma curva perigosamente perto da traseira do cargueiro. No mesmo instante Walter lançou dois blocos de metal que se prenderam à fuselagem com travas magnéticas. Os blocos se abriram revelando dois robôs soldadores e as Irmãs Adaga, Sheila e Dolly. Com seus maçaricos e alicates hidráulicos, levou menos de um minuto para que os dois robôs criarem duas entradas para as irmãs. Elas imediatamente sacaram seus rifles. A tripulação estava preparada. Eram pelo menos oito, a maior parte deles equipada com armas automáticas. Enquanto Dolly trocava tiros com a tripulação, Sheila programava o dispositivo gerador de campo magnético. Com a intensidade correta, o gerador atrairia apenas o contêiner desejado pela capitã. Assim que a programação terminou, Sheila arremessou uma granada contra a porta do cargueiro. A estrutura enfraquecida pelos soldadores foi arremessada para a imensidão do espaço. As duas irmãs recuaram para perto da porta, agora elas só precisavam se manter vivas até a carona chegar.
Lá fora as coisas estavam prestes a se complicar.
— Vários sinais de reator apareceram no radar, parece que a escolta deles chegou — alertou Lupe. — Capitã, transmissão chegando.
Um homem de trajes militares apareceu no monitor.
— Saudações, senhorita Nitro.
— Igualmente, Capitão Crash.
— Agora é Major Crash.
BAM. Algo atingiu a nave.
— Dois cruzadores e mais oito caças, capitã — disse Lupe. — Chegando em dez segundos.
— Entregue-se agora e prometo que não receberá pena de morte — negociou Crash.
— Consideração pelos velhos tempos? Fico emocionada, mas vai ficar pra outra hora — respondeu Jeannie encerrando a transmissão. — Tenho que pegar um prêmio.
Ela acelerou os motores ao máximo. Deu uma pirueta e desviou de um disparo, outro e outro. Os caças estavam se aproximando.
— Dentro do alcance em três… — Disse Lupe.
— Arma magnética pronta — completou Charles.
–… Dois… Um
A arma magnética foi acionada. Um campo elétrico com ajustes de frequência tão precisos que apenas os robôs, que carregavam as irmãs Adaga, e o gerador que estava dentro da nave foram puxados. O gerador serviu de condutor entre a arma e o contêiner, que saiu voando pelo compartimento de carga e aderiu à fuselagem da Combatente. A desaceleração fez com que os inimigos chegassem ainda mais perto, testando a blindagem da nave pirata com disparos cuidadosos, ninguém queria acertar o cargueiro.
Jeannie abriu a transmissão para a nave do Major Crash.
— Foi bom te ver de novo, capitão, mas eu não posso ficar — debochou ela.
— Acha mesmo que pode escapar de mim, Nitro? — Rosnou Crash.
— Como se você pudesse me pegar — respondeu ela antes de cortar a transmissão.
Charles liberou a cortina de fumaça que camuflava os sinais do reator da nave. A blindagem laminada mudou de cor para imitar o breu espacial. Os caças ainda conseguiram manter perseguição até que uma segunda cortina de fumaça interferiu nos sistemas de navegação, forçando os pilotos a desistirem. Deixando a Combatente 69 inteira para lutar em outro dia.