Não é um blog sobre cachorros e bikinis

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Contos de Segunda #91

    Horácio era um assassino da máfia. Sem a menor sombra de dúvida o pior de todos os assassinos que qualquer organização criminosa já viu. Extorquir, ameaçar, torturar, espancar eram coisas que ele fazia com maestria, ele também era ótimo com uma pistola na mão… A menos que ele precisasse fazer uma execução. Acertar uma bala em um cara com quem você está trocando tiros é uma coisa bem diferente de enfiar uma bala na nuca ou na testa de alguém que está pedindo por clemência, falando que tem família e todas essas coisas. Horácio preferia ser mais diplomático, gostava de dizer que a violência poderia ser utilizada de forma pedagógica em adultos com muito mais eficiência do que com crianças. Justamente por isso que ele recebeu uma ligação naquela segunda-feira.

    — Horácio, preciso que cuide de uma coisa pra mim — disse a voz do outro lado.

    — Pode dizer, chefe — respondeu Horácio.

    — Tem um cara novo, Giovani o nome dele, começou com a gente tem um tempo e leva jeito pras coisas. Queria que ele fizesse um serviço junto contigo. Sabe como é, ele ainda não tem manha.

    — Não sou muito bom trabalhando em equipe, chefe. Normalmente quem faz esse tipo de serviço são os caras da fila de aposentadoria, não tem ninguém disponível?

    — Esses dias foram meio complicados, Horácio…

    — Deixe que eu adivinho… Fim de semana movimentado e o pessoal pediu uma folga.

    — Vivemos em dias difíceis, meu velho.

    — Qual é o serviço?

    — O Joalheiro está com os trabalhos atrasados e me parece que ele não vai poder tirar o atraso nos próximos dias. Infelizmente não vamos poder mais esperar pra cobrar a dívida dele.

    — Considere o trabalho feito.

    Horácio pegou o carro e foi para o armazém que servia como base de operações, Giovani já estava parado na entrada esperando por ele. O jovem tinha cara de tudo, menos de criminoso, Horácio suspeitava que não era só a cara que ele não tinha.

    — Entra aí, rapaz — disse ele abrindo a porta do carro.

    — Pra onde vamos, senhor? — Questionou Giovani entrando no veículo.

    — Corta essa de “senhor”, garoto, eu não sou seu superior… E respondendo à sua pergunta hoje nós vamos falar com o Joalheiro.

— Qual é o lance com ele?

— Ele nos ajuda a limpar uma parte do nosso lucro. Normalmente ele faz tudo direitinho, mas tem um tempo que ele não tá cumprindo a parte dele, a nossa remessa de pedras e jóias tá atrasada, por isso vamos lá cobrar os juros de uma dívida que fica congelada enquanto ele estiver fazendo a parte dele.

— Então eu vou só te observar cobrando?

— Não. Eu vou observar, a cobrança é contigo.

— Comigo?

— O Joalheiro é tranquilo, costuma colaborar e quase não precisa ser ameaçado. É só chegar com jeito e tudo vai dar certo.

Alguns minutos depois os dois estavam parados na entrada da loja. Giovani respirou fundo e entrou. Um homem idoso estava do outro lado do balcão, ele atendia uma cliente que estava procurando por um anel.

— Com licença — interrompeu Giovani. — Preciso falar com o senhor, não vai demorar.

— Só um instante, rapaz, estou terminando uma venda.

— Acho que o senhor não entendeu — rebateu o rapaz aumentando a seriedade do tom. — Preciso falar com o senhor agora.

— Não costumo alterar as prioridades de atendimento, meu jovem. Se precisa falar comigo, também precisa esperar.

Giovani sacou a pistola, a moça gritou. Horácio se aproximou dela rapidamente e conduziu os passos trêmulos dela até a saída.

— Ele teve um fim de semana difícil — enganou Horácio. — Ele comprou uma aliança aqui e a namorada não quis virar noiva. Melhor voltar amanhã.

A moça concordou enquanto engolia as lágrimas pela porta.

— Ficou doido Giovani? Eu avisei que o Joalheiro é tranquilo.

— Ele não deve ter sacado o que eu vim fazer aqui. Resolvi encurtar a conversa.

— Eu ainda não sei o que você veio fazer aqui — respondeu o Joalheiro com as mãos levantadas. — Neste momento eu creio que veio me assaltar, coisa que eu não recomendo porque eu pago muito pra ter proteção.

— Baixa essa arma, garoto

— Horácio, que surpresa. Quase não o reconheci. Imagino que foi você quem trouxe esse aprendiz de cobrador.

    — Aprendiz? Me respeite, seu velho. Você não está em posição de falar desse jeito.

    — Cuidado com essa arma, Giovani — alertou Horácio. — Viemos buscar o pagamento dos juros, Joalheiro. Só isso.

    — Mas a minha dívida foi congelada, pensei que teria mais tempo.

    — O tempo acabou, coroa. Cadê a grana do chefe?

    — Ficou doido? Tá pensando que ele é um marginal qualquer? Estamos cobrando de um associado e não apontamos armas pros associados.

    — Me parece uma regra razoável — ponderou o Joalheiro.

    — Quieto! — Cortou Giovani. — Só queria terminar o serviço logo.

    — Hoje vocês não vão terminar serviço algum — disse o Joalheiro. — Ativei o alarme no minuto em que essa arma foi puxada.

    — Você o QUÊ? — gritou o rapaz.

    — Se você tivesse pelo menos se apresentado, imediatamente pensei que era um assalto.

    — Seu filho da… BAM.

    Um tiro acertou a perna do velho.

    — Agora eu sei que você é doido. Como você atira no joelho do associado?

    — Sei lá, fiquei nervoso.

    Horácio levou as mãos à cabeça, respirou fundo três vezes.

    — Pra fora! Vamos sair daqui agora — ordenou Horácio. — Pelo menos a história do assalto vai bater com o tiro.

    — Você vai me deixar aqui?

    — A polícia te leva pro hospital, Joalheiro. Lugar pra onde a gente não vai se ficar por aqui. Volto outro dia.

    Os dois capangas saíram apressados pela porta, entraram no carro e deixaram a rua poucos instantes antes da viatura da polícia chegar. Naquela hora Horácio tinha certeza que podia matar Giovani. Coisa que ele teria feito se não tivesse certeza que, de alguma forma, ele não ia conseguir assassinar aquele rapaz.

Contos de Segunda #89

    Espaço, a fronteira final. Depois de milênios se lançando ao espaço a humanidade finalmente ocupou todo o Sistema Solar, mas não foram só os membros valorosos de nossa espécie que alcançaram as estrelas. Uma grande variedade de trapaceiros, ladrões, contrabandistas e piratas proliferaram por todas as órbitas. Dentre os criminosos mais procurados poucos eram tão famosos quanto Jeannie Nitro, capitã da Combatente 69.

    Depois do assalto ao cargueiro perto de Marte, Jeannie e sua tripulação foram para a Lua. No passado apenas um satélite natural, no presente a maior metrópole do Sistema Solar e a maior concentração de escória e vilania que a humanidade já viu. Foi nesse local tão agradável que Jeannie aguardou semanas pelo contato do seu cliente, o homem que pagou uma fortuna para que ela roubasse um contêiner. Um pequeno, que tinha uma trava com senha. Normalmente esse tipo de trabalho era fácil, mas a aparição de dois cruzadores da Frota Marciana deixaram a Capitã Nitro com a pulga atrás da orelha.

    O encontro foi marcado em um dos bares mais conhecidos da área portuária da Lua. Jeannie estava acompanhada por Sheila e Dolly. Normalmente a capitã preferia ir acompanhada de Charles Chacal, seu copiloto, e Lupe Brown, sua especialista em navegação e comunicação, mas os dois tinham ficado na nave junto com Walter Grace, o engenheiro da Combatente 69. Algo não estava cheirando bem e poucas pessoas no Sistema Solar eram tão boas com uma arma na mão quanto Sheila e Dolly Adaga. As três mal foram notadas quando chegaram no bar e ocuparam uma das mesas mais afastadas.

— O contato vai chegar em dez minutos — começou a capitã. — Ele quer falar comigo em particular, então vocês vão trabalhar no nosso plano de fuga.

— Acha mesmo que as coisas vão esquentar, capitã? — Perguntou Dolly.

— Algo me diz que sim, mas vamos esperar pra ver. Já passaram nossa posição pro pessoal que ficou?

— Coordenadas transmitidas, capitã — respondeu Sheila.

— Coordenadas recebidas, capitã — disse Lupe no comunicador.

— Então saiam daqui, fiquem de olho em qualquer coisa suspeita e não arrumem confusão.

Jeannie ficou de olho no ambiente. Sentada de costas para a parede ela observava todos ao redor em busca de alguém que parecesse estar de olho nela. Foi quando um androide se aproximou e puxou uma cadeira. No lugar do rosto ele tinha uma tela e a constituição frágil indicava que ele não tinha outra função além daquela.

— Saudações, Jeannie Nitro.

— Você é o meu contato?

— Negativo. Assim que a segurança da conversa for garantida iniciarei a transmissão. Por favor, coloque estes fones de ouvido — o androide estendeu a mão oferecendo duas peças gêmeas para a capitã.

— O microfone foi adaptado para embaralhar a sua voz, nenhum dos presentes entenderá uma palavra do que será dito por você.

A capitã obedeceu. Posicionou os fones sobre as orelhas e observou quando a tela que servia de rosto para o androide começou a mostrar um homem parcialmente encoberto pelas sombras.

— Fico feliz de saber que o assalto deu certo, capitã.

— Eu poderia estar feliz assim, mas depois de esperar quase um mês por um mísero contato o meu humor não está dos melhores.

— Precisava ter certeza de que sua nave não tinha sido rastreada até aí.

— Demorou um mês pra ter certeza?

— Não. Demorou um mês para que os agentes da Frota Terrestre baixassem a guarda. Sua nave não foi rastreada, mas a Lua tem olhos e ouvidos demais. Não demorou nem duas semanas para que soubessem que estava aí, mas eles precisavam saber o que aconteceu com o item roubado, por isso esperaram.

— Só me faltava essa…

— A operação de cerco está sendo desmobilizada hoje, é justamente por isso que os agentes estão indo aí te encontrar. É a última chance deles antes de serem realocados para outra operação.

— Porque não me avisou?

— Se você soubesse já teria tentado fugir daqui. Eu precisava dar um jeito de chamar a atenção deles e nada melhor do que Jeannie Nitro em um bar. Sozinha, sem o menor sinal da sua tripulação ou da sua famigerada nave. As naves de patrulha partiram assim que foi decidido que apenas os agentes de campo seriam suficientes.

— Então você preparou a fuga da minha nave, mas pra isso me usou de isca?

— Não se coloque nessa posição indigna, Nitro. Tenho certeza que a última coisa que os agentes de campo vão conseguir fazer é te prender.

— Quanto tempo eu tenho?

O homem olhou para o relógio.

— Dois minutos.

— Pra onde eu devo ir depois que eu sair daqui?

— Marte. O androide vai fornecer as coordenadas.

O autômato entregou um cartão de dados.

— Seu tempo está acabando, Jeannie. Boa sorte, nos vemos em Marte.

A capitã sacou a pistola. Um disparo atingiu o torso e outro atingiu a cabeça do androide. Várias armas foram sacadas e destravadas. Todos os olhos estavam em Jeannie Nitro e na carcaça fumegante do pobre mensageiro mecânico, mas por poucos segundos. Cargas explosivas cuidadosamente posicionadas detonaram uma das paredes do bar. Linhas vermelhas de luz cruzaram a poeira da explosão poucos instantes antes de uma dúzia de operativos com rifles de assalto. Um dentre eles levantou a voz e ordenou:

— Todos no chão! Jeannie Nitro, jogue suas armas no chão e saia com as mãos para cima.

Jeannie paralisou por um segundo, a situação estava se complicando mais rápido do que esperava. Como se não bastasse precisar fugir da Lua ainda precisaria chegar à superfície de Marte. O som de um disparo cortou os pensamentos da pirata. Um dos clientes do bar foi alvejado, um segundo depois os demais abriram fogo. Jeannie virou a mesa e se jogou por trás dela. Tiros zuniam por todos os lados, mas nenhum atingiu a mesa, aparentemente ela ainda não tinha sido avistada pelos agentes.

— Capitã? — Chamou Dolly pelo comunicador.

— Na escuta.

— Capitã, não consigo entender — respondeu Sheila. — Eles devem estar interferindo… Estamos atrás do balcão, identificamos uma rota segura, mas a senhora precisa vir pra cá.

O balcão ficava do outro lado do salão. Ela só precisava correr. A pirata se levantou olhou para o objetivo e saiu correndo. Disparou algumas vezes contra os agentes na esperança de atingir alguns deles. As irmãs Adaga demoraram um pouco para perceber o que sua capitã estavam fazendo, mas assim que perceberam o que estava acontecendo descarregaram suas armas nos soldados do governo.

— Capitã, precisamos ir para o banheiro — disse Dolly disparando uma rajada contra os inimigos

— Banheiro?

— Tua voz tá embaralhada, Capitã — respondeu Sheila quando tirou o pino da granada de fumaça e atirou contra os agentes.

Jeannie finalmente lembrou dos fones e os arrancou das orelhas.

— O que tem o banheiro?

— Vamos abrir a saída lá — respondeu Dolly. — Vão na frente, eu dou cobertura.

Sheila e Jeannie saíram correndo na direção do banheiro, Dolly chegou logo depois.

— E agora? — Perguntou a Capitã.

— Cubram os ouvidos  — respondeu Sheila antes de acionar o detonador.

Uma das paredes do banheiro explodiu, revelando o beco que ficava por trás do bar. As três saíram correndo pela passagem recém aberta

— Charles? — Perguntou Dolly.

— Na escuta.

— Vem logo pegar a gente — ela fez uma pausa por causa de alguma outra explosão dentro do bar. — Saímos do bar, você vai precisar corrigir nossa localização.

— Assim que estiverem paradas transmitam as coordenadas novas — interrompeu Lupe. — Faremos a correção da localização pelo sinal de emergência da Capitã.

— Entendido — respondeu Jeannie acionando o sinal de emergência do comunicador.

Elas saíram do beco na direção da rua principal, mas os soldados estavam por todo lugar. Veículos leves sobrevoavam os prédios anunciando o nome da capitã nos alto falantes. As três correram pelo beco, entraram pela porta de trás de uma loja  e saíram pela vitrine. Correram pela rua, subiram em uma passarela e se jogaram sobre um telhado próximo.

— Charles, cadê você? — Disse Nitro.

— Trinta segundos, Capitã. Somos grandes demais pra manobrar rápido no meio desses prédios.

— Inimigo chegando, Capitã — alertou Sheila.

Atiradores estavam nos telhados próximos. Os veículos leves disparavam sem precisão suas armas automáticas. Dolly deu um tiro certeiro na cabeça de um dos pilotos, o veículo descontrolado caiu bem perto delas, erguendo uma cortina de fumaça escura. Sheila foi atingida no ombro e outro tiro pegou de raspão na testa, Dolly estava mancando e aparentemente a munição estava no fim. Jeannie descarregou o último pente em um agente que estava descendo por um cabo pela fachada do prédio ao lado.

— Capitã? — Perguntou Walter. — Estamos em posição, vou acionar a arma magnética.

— Rápido, Walt!

As três mulheres foram puxadas do telhado no instante em que a Combatente 69 fazia um rasante sobre o edifício. O fogo choveu sobre a nave, mas por poucos instantes. Segundos depois ela já estava fora do setor orbital da Lua.

O comunicador interno da nave tocou, era Lupe.

— Qual a nossa próxima parada, Capitã?

— Marte — respondeu a capitã. — Próxima parada, Marte

Contos de Segunda #81

Espaço, a fronteira final. Milhares de anos atrás a humanidade se lançou ao espaço, hoje o Sistema Solar está completamente colonizado. Ao longo dos milênios, os humanos terraformaram Marte e Vênus, colonizaram os satélites de Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, criaram rotas de navegação para não se perderem na imensidão do espaço. Surgiram os governos setoriais, as grandes corporações mineradoras, de transporte e de logística. A humanidade alcançou um novo patamar de prosperidade e desenvolvimento… Não demorou muito para que surgisse também um novo tipo de criminoso.  

— Navegação, quanto tempo até o destino? — Questionou o capitão do cargueiro.

— Três horas e doze minutos, senhor — respondeu o oficial de navegação.

Aquela era uma viagem de rotina. O cargueiro estava transportando peças, ferramentas e outros suprimentos da Lua para a estação Marte I, localizada em Fobos, um dos satélites naturais de Marte. Normalmente os suprimentos eram enviados a partir da superfície de Marte, mas aquela carga em especial possuía algo de diferente.

— Algum sinal da nossa escolta? — Perguntou o capitão.

— Negativo, senhor — respondeu o oficial de comunicações. — Estão dezoito minutos atrasados… Senhor, perdemos contato com Marte I. Estão interferindo no nosso sinal.

O capitão demorou apenas alguns segundos para começar a despejar ordens sobre a tripulação.

— Disparem os sinalizadores. Time de artilharia, aos seus postos. Subam a blindagem da ponte e todos coloquem seus trajes de emergência, não quero ninguém morrendo por causa de uma eventual descompressão. Alguma coisa no radar?

— Não, senhor… Espere! Estou captando o sinal de um reator… É uma nave senhor… Está vindo rápido.

— Consegue identificar?

— Sim… A assinatura do transponder corresponde ao Combatente 69, senhor. É a nave de Jeannie Nitro.

— O quê? Preparem os mísseis, precisamos ganhar tempo até o reforço ou a escolta chegarem. Atirem quando essa cachorra estiver no alcance.

— Que palavras rudes, capitão — disse uma voz feminina em tom de deboche.

O rosto de Jeannie apareceu no monitor. Ao contrário de outros colegas de profissão, Jeannie Nitro gostava de conversar com os capitães das naves que estava prestes a abordar. Em algumas vezes ela conseguia um acordo razoável para as duas partes, na maioria delas tudo que conseguia era aumentar a fama.

— Vou direto ao ponto — começou ela. — Preciso que me entregue o contêiner blindado que está carregando. Um pequeno, que tem uma trava com senha. É só jogar ele, digamos, fora e eu gentilmente vou lá e pego. Cada um segue seu caminho e todos ficamos felizes.

— Não negociamos com criminosos — respondeu o capitão raivoso. — Logo nossa escolta estará aqui e você, sua maldita tripulação e essa aberração mecânica que você chama de nave vão virar poeira.

— Você sabe mesmo como agradar uma dama, capitão. Se eu fosse um pouco mais inocente estaria completamente apaixonada… Infelizmente não sou. Estou chegando, capitão. Câmbio e desligo.

A gargalhada que Jeannie deu logo depois teria matado o capitão, e qualquer um na situação dele, de raiva. Isso se ele não morresse de medo antes. Jeannie Nitro era uma das piratas espaciais mais conhecidas entre a Lua e Júpiter. Sua nave, a Combatente 69, de fato era uma aberração mecânica e justamente por isso era uma das mais temidas pelas naves civis. Rápida, ágil, equipada com armamentos proibidos e dispositivos de ocultação. Mas nada disso valeria se não fosse sua tripulação.

— Charles, assuma o sistema de armas. Eu vou pilotar — disse Jeannie em um tom mais sério.

— Sim, capitã — respondeu Charles Chacal.

— Lupita, já estamos no alcance?

— Quinze segundos, capitã — respondeu Lupe Brown.

— Walter, minhas adagas estão prontas? — disse Nitro pelo rádio.

— Esperando a ordem, capitã — respondeu a voz envelhecida pelo alto falante da ponte  de comando.  

— Entrando no alcance em três… Dois… Um… Eles dispararam, seis segundos para o impacto.

— Vou dar a volta e pegar ele por trás. Desativa esses mísseis, Charles. — disse a capitã.

Charles disparou os geradores de pulso elétrico. O pulso fritou o sistema de orientação dos mísseis e de propulsão, deixando os projéteis à deriva. A Combatente fez uma curva e se posicionou por trás do cargueiro enquanto o fogo chovia sobre ela.

— Localizei a porta do compartimento de carga — avisou Charles. — Vou disparar.

Dois projéteis de alta densidade acertaram o alvo em cheio, amassando a blindagem da porta de carga.

— Walter, lançamento ao meu sinal — disse a capitã. — Três… Dois… Um… Lançar.

A nave fez uma curva perigosamente perto da traseira do cargueiro. No mesmo instante Walter lançou dois blocos de metal que se prenderam à fuselagem com travas magnéticas. Os blocos se abriram revelando dois robôs soldadores e as Irmãs Adaga, Sheila e Dolly. Com seus maçaricos e alicates hidráulicos, levou menos de um minuto para que os dois robôs criarem duas entradas para as irmãs. Elas imediatamente sacaram seus rifles. A tripulação estava preparada. Eram pelo menos oito, a maior parte deles equipada com armas automáticas. Enquanto Dolly trocava tiros com a tripulação, Sheila programava o dispositivo gerador de campo magnético. Com a intensidade correta, o gerador atrairia apenas o contêiner desejado pela capitã. Assim que a programação terminou, Sheila arremessou uma granada contra a porta do cargueiro. A estrutura enfraquecida pelos soldadores foi arremessada para a imensidão do espaço. As duas irmãs recuaram para perto da porta, agora elas só precisavam se manter vivas até a carona chegar.

Lá fora as coisas estavam prestes a se complicar.

— Vários sinais de reator apareceram no radar, parece que a escolta deles chegou — alertou Lupe. — Capitã, transmissão chegando.

Um homem de trajes militares apareceu no monitor.

— Saudações, senhorita Nitro.

— Igualmente, Capitão Crash.

— Agora é Major Crash.

BAM. Algo atingiu a nave.

— Dois cruzadores e mais oito caças, capitã — disse Lupe. — Chegando em dez segundos.

— Entregue-se agora e prometo que não receberá pena de morte — negociou Crash.

— Consideração pelos velhos tempos? Fico emocionada, mas vai ficar pra outra hora — respondeu Jeannie encerrando a transmissão. — Tenho que pegar um prêmio.

Ela acelerou os motores ao máximo. Deu uma pirueta e desviou de um disparo, outro e outro. Os caças estavam se aproximando.

— Dentro do alcance em três… — Disse Lupe.

— Arma magnética pronta — completou Charles.

–… Dois… Um

A arma magnética foi acionada. Um campo elétrico com ajustes de frequência tão precisos que apenas os robôs, que carregavam as irmãs Adaga, e o gerador que estava dentro da nave foram puxados. O gerador serviu de condutor entre a arma e o contêiner, que saiu voando pelo compartimento de carga e aderiu à fuselagem da Combatente. A desaceleração fez com que os inimigos chegassem ainda mais perto, testando a blindagem da nave pirata com disparos cuidadosos, ninguém queria acertar o cargueiro.

Jeannie abriu a transmissão para a nave do Major Crash.

— Foi bom te ver de novo, capitão, mas eu não posso ficar — debochou ela.

— Acha mesmo que pode escapar de mim, Nitro? — Rosnou Crash.

— Como se você pudesse me pegar — respondeu ela antes de cortar a transmissão.

Charles liberou a cortina de fumaça que camuflava os sinais do reator da nave. A blindagem laminada mudou de cor para imitar o breu espacial. Os caças ainda conseguiram manter perseguição até que uma segunda cortina de fumaça interferiu nos sistemas de navegação, forçando os pilotos a desistirem. Deixando a Combatente 69 inteira para lutar em outro dia.

Contos de Segunda #79

Mais uma noite de segunda em Vila Urbana. Enquanto os cidadãos retornam para seus lares depois de um dia de trabalho, os criminosos continuam incansáveis na sua investida contra a lei e a ordem na cidade. Justamente por causa dos elevados índices de criminalidade, e da presença esporádica de resíduos tóxicos ou radioativos, muitos vigilantes mascarados surgiram para impedir que a cidade fosse tomada pelo mal.

Um desses vigilantes é o Homem Camaleão. Nesse momento ele espera pelo melhor momento de nocautear os bandidos que invadiram uma transportadora para roubar um carregamento de eletrônicos. O alarme não soaria, alguém estava facilitando para os bandidos. Apenas um defensor da justiça atendo poderia impedir que esse crime fosse cometido, mas seguir os bandidos poderia revelar um esquema muito maior de roubo de eletrônicos. Ele teria esperado, saltado no caminhão, seguido os bandidos e nocauteado todos os envolvidos no esquema. Teria, mas algo inesperado aconteceu.

Os bandidos foram nocauteados, um a um. Como se algo invisível estivesse desferindo os golpes. Como se o próprio Homem Camaleão estivesse batendo nos bandidos. Revestido pela sua camuflagem camaleônica, nosso herói se aproxima da cena do crime e encontra todos os criminosos desacordados. Ele olha ao redor e identifica uma figura disforme, imediatamente ele desativa a sua camuflagem. Ninguém além dos guardas está de pé.

— Sei que você está aí, apareça — esbravejou o Homem Camaleão.

Diante dele uma camuflagem se desfez e lá estava uma garota. Pela aparêcia não devia ter mais do que doze ou treze anos, usava um uniforme que imitava o dele e parecia ligeiramente nervosa.

— Sabia que a gente ia se encontrar — disse a menina.

— Quem é você?

— Sou sua assistente.

— Não, não é.

— Sou sim.

— Eu nem te conheço.

— Prazer, pode me chamar de Camaleoa. Só vou revelar minha identidade depois que você revelar a sua.

— Revelar? Como eu… Você… Que história é essa?

— Um dia acordei com poderes iguais aos seus e achei que combater o crime seria uma boa.

— Combater o crime é perigoso!

— Um monte de gente dessa cidade faz isso.

— Um monte de gente adulta faz isso.

— Eu sou mais forte e mais ágil do que a maior parte desses bandidos, sem contar que eu fico invisível.

— Não é só sair por aí batendo nos bandidos, você pode se machucar.

— Tanto quanto qualquer um… Admita, Camaleão, nenhum desses argumentos vai colar.

–Você precisa de licença pra exercer essa atividade — pontuou o herói convencido que tinha ganhado o debate.

— Você fala da licença que eu posso tirar caso eu exerça a função de ajudante, auxiliar, sidekick, assistente ou seja lá como vocês velhos chamam.

— Eu não sou um velho e não você não vai ser nada minha.

— É isso que vocês heróis fazem? Deixam pré-adolescentes combatendo o crime na ilegalidade? Muito heróico da sua parte — rebateu ela estreitando os olhos.

Homem Camaleão levou as mãos ao rosto, remexeu na máscara e depois de alguns segundos de descontrole ele respondeu.

— Tá bom! Tá bom! Eu deixo você ser minha assistente. Não preciso de uma assistente, mas vou aceitar só pra te provar que você está errada.

— Homem Camaleão, no ranking do ano passado você ficou em primeiro lugar na lista dos heróis mais surpreendidos pelos bandidos.

— De onde você tirou isso?

— O sindicato publica esses dados, tanto o dos heróis como o dos vilões. Tá tudo na internet, são dados públicos. Foi um dos motivos que me fez te escolher pra ser meu mentor, você precisa de alguém pra vigiar suas costas.

— Eu sei que não preciso, mas vou aceitar isso como um aviso para tomar mais cuidado — ele respirou fundo, deixou passar o resto da raiva antes de continuar. — Vamos, eu preciso providenciar um uniforme novo pra você. A lei nova determina que os uniformes não propaguem fogo e tenham selo de aprovação dos órgãos competentes… Do que eu vou te chamar?

— Tá na cara que meu nome é Camaleoa.

— Camaleoa? Só Camaleoa? Pensei que ia ser algo como Garota Camaleão ou algo assim.

— Esses nomes com “Garota” na frente prendem as heroínas no estereótipo da adolescente inexperiente que usa máscara. Sem falar que me coloca numa posição inferior à sua. Pensando no longo prazo, não é nada benéfico pra minha imagem. Quando eu tiver idade pretendo seguir carreira solo. Sem ofensa, Camaleão, mas não quero passar a vida inteira na sua sombra.

Contos de Segunda #72

    Horácio era um assassino da máfia. Até um tempo desses ele era o pior assassino da história da máfia, mas depois de dois alvos eliminados (ou quase) ele começou a ser considerado apenas um assassino muito ruim. Tanto que normalmente Horácio era a última opção dos chefes para apagar alguém, mas isso não era garantia de nada.

    A tarde da segunda-feira estava no final. Horácio tinha acabado de fazer a cobrança de um empréstimo. Infelizmente o pobre devedor não tinha o dinheiro… Pelo menos até Horácio quebrar dois ou três dedos dele. A quantia apareceu miraculosamente e Horácio pôde ir embora. Ele estava chegando perto do local combinado para entregar o dinheiro quando o celular tocou.

    — Horácio, preciso que você resolva um problema pra mim — disse a voz do outro lado da linha.

    — Pode dizer, chefe — respondeu Horácio se apegando à esperança de não precisar matar ninguém.

    — Pegaram um dos nossos hoje de manhã e parece que ele vai ser interrogado hoje de noite.

    — Nossos rapazes estão acostumados com esse tipo de pressão, chefe. A polícia não vai conseguir nada.

    — Não é um dos rapazes, Horácio. Pegaram um dos nossos banqueiros… Você sabe que esse pessoal de escritório não tem a fibra do pessoal de campo. Ele vai cantar que nem um passarinho.

    — Nenhum dos nossos policiais pode ajudar?

    — Ele foi pego pela equipe de uma delegacia que não está na nossa folha de pagamento. Não conte com ajuda da lei… Esse cara não pode ser interrogado, preciso que dê um jeito nele.

    — Pensei que os advogados resolviam esse tipo de problema, chefe.

    — Nossos advogados estão marcados, Horácio. Depois do fiasco do mês passado a polícia ficou esperta com eles.

    — Nenhum dos nossos foi detido recentemente?

    — Sempre tem alguém, mas nosso pessoal é esperto o suficiente pra ser preso pelos policiais certos.

    — Tem alguém pra entrar nessa comigo?

    — Fim de semana movimentado, Horácio, precisei dar uma folga pros meninos. Não te preocupa que vai ser coisa simples: entrar, apagar o cara e sair. Se precisar de ajuda pra sair é só ligar, mas a parte de entrar é contigo.

— Considere o trabalho feito — disse Horácio antes de desligar.

Imediatamente ele procurou por um contato da agenda. Felizmente os dedos que Horácio quebrou não impediram o pobre homem de atender o telefone.

— Vou falar apenas uma vez, por isso escute com atenção — disse Horácio assim que a ligação foi atendida. — Você vai ligar pra polícia dizendo que um assaltante chegou aí, quebrou os teus dedos e levou uma quantia em dinheiro. Quando te perguntarem como era o ladrão você descreve alguém parecido comigo. Depois a gente resolve a questão do teu dinheiro.

    Tudo aconteceu exatamente como Horácio planejou. Em menos de meia hora ele estava sendo conduzido para a cela da delegacia. A mesma cela onde estava o banqueiro.

    — Esses policiais andam trabalhando bem até demais — resmungou Horácio da forma mais amigável que pôde.

    O banqueiro era um homem de meia idade, magro e cheio de cabelos grisalhos. Ele parecia nervoso. Nervoso até demais.

    — Eles só estão tentando fazer o trabalho deles — respondeu ele acanhado.

    — Eu também estava tentando fazer o meu… Não que eu estivesse realmente assaltando, mas o cara que me deu o dinheiro não achou isso. E você, amigo? Tá aqui por que?

    — Mexo com dinheiro… Algumas vezes com o tipo errado de dinheiro.

    — Entendi… Olha — Horácio olhou para fora da cela, quando teve certeza que não tinha nenhum guarda por perto continuou. — Acho que posso te ajudar a sair daqui.

    — Não tem  como… Pelo menos não antes do meu interrogatório.

    — Você só precisa ir pra um lugar onde o pessoal dono do “tipo errado de dinheiro” que você mexeu possa te ajudar. A gente finge uma briga, eu te acerto nos lugares certos e eles vão precisar te levar pro hospital.

    — Não tô gostando muito dessa…

    A frase terminou com o punho fechado de Horácio acertando o rosto do banqueiro. Ele só precisava acertar mais alguns daqueles e quando o alvo estivesse desmaiado seria mais fácil. No terceiro soco um policial invadiu a cela e jogou Horácio no chão. O pobre banqueiro estava meio acordado, com o nariz quebrado e cheio de sangue. A viatura saiu com ele dentro alguns minutos depois. Mais ou menos na hora que Horácio conseguiu convencer o guarda a deixá-lo fazer o telefonema ao qual tinha direito.

    — Aqui é Horácio.

    — Espero que tenha resolvido tudo — disse o chefe do outro lado da linha.

    — Quase… Eu tentei simular uma briga e dar um jeito no cara sem parecer que estava tentando dar um jeito no cara, mas…

    — Mas o quê, Horácio? O banqueiro ficou vivo?

    — Sim, mas levaram ele pro hospital. Tem alguém lá pra terminar o serviço?

    — Deve ter, Horácio, alguém bem mais competente que você — o chefe deu um suspiro. — Quer saber, Horácio? Aproveita a chance e tira umas férias na cadeia. Tem um pessoal nosso na penitenciária, eles vão cuidar de você. Depois que você sair a gente conversa.

    O banqueiro permaneceu no hospital durante alguns dias, o suficiente para receber diversas orientações, e algumas ameaças. O interrogatório não deu em muita coisa e ele pôde aguardar em liberdade pelo julgamento. Já Horácio não teve tanta sorte. Ganhou alguns meses de estadia na penitenciária estadual.

Contos de Segunda #59

    — Finalmente! Depois de tanto lutar, finalmente eu serei capaz não só destruí-lo, mas também de desvendar os segredos dos seus poderes.

    Essas palavras foram repetidas inúmeras vezes nas últimas horas. Quem as repetia? Um homem que abandonou seu antigo nome para atender pela alcunha de Dr. Malícia. Mas para quem ele estava repetindo tais palavras? Para um homem que estava amarrado, pendurado de cabeça para baixo sobre um tanque com uma substância nefasta com cheiro de gelatina de limão. Esse homem era conhecido como Homem Camaleão.

    — Jamais, Dr. Malícia — respondeu o Homem Camaleão.

    — Ainda não entendeu, Camaleão? Dessa vez não há escapatória — Malícia foi até a mesa de controle e ligou um grande monitor que mostrava uma série de diagramas, uma cadeia de DNA e um modelo tridimensional do Homem Camaleão. — Em poucos minutos você será mergulhado nessa solução especial que, além de corroer até os seus ossos, vai isolar os genes responsáveis pelos seus poderes camaleônicos e assim eu poderei reproduzir esses genes para criar o meu exército de homens camaleão.

    — Seu plano maligno nunca dará certo, Malícia, logo logo eu sairei daqui e você estará atrás das grades.

    — Vejo que seu senso de humor continua intacto, Homem Camaleão, mas dessa vez você não tem a menor chance de…

    — Parados! Polícia!

    Do nada uma equipe tática do Departamento de Polícia de Vila Urbana entrou nas instalações abandonadas que serviam como laboratório para Dr Malícia.

    — Mãos pra cima!

    Dr Malícia obedeceu imediatamente, mas não deixou de protestar.

    — Que absurdo é esse? Vocês não podem sair invadindo a casa dos outros assim — disse Dr Malícia ainda com as mãos para cima.

    — Não adianta tentar enrolar a gente — antes do final da frase o rádio na cintura do policial iniciou a transmissão de uma mensagem, ele ligou os fones de ouvido no rádio e começou a falar com quem estava do outro lado. — Sim, já entramos… Não, não, ele tem um herói mascarado pendurado de cabeça pra baixo sobre uns produtos químicos com cheiro de gelatina…. Aparentemente não é nenhuma droga e…

    — Com licença, policial — interrompeu o Homem Camaleão. — O que as drogas tem a ver com isso?

    — Estamos investigando esse local faz dois meses —  começou o policial. — Temos provas de que neste endereço funciona um laboratório de produção de drogas.

    — Acho que vocês estão falando do meu primo — se adiantou Dr. Malícia ainda com as mãos para cima. — Ele me emprestou esse imóvel por que ele costuma dar folga ao pessoal dele nos dias de segunda. Não sou muito fã da polícia, mas vou dizer logo que vocês não vão encontrar drogas por aqui. Só pra vocês não perderem tempo procurando.

    — Isso mesmo, policial, nesse caso meu inimigo mortal está coberto de razão.

    — Então hoje a gente não vai encontrar por aqui ninguém que vende ou fabrica drogas?

    — Exato. Hoje só vai ter por aqui a boa e velha vilania. Meu plano de destruir esse herói aqui não tem nada a ver com drogas.

    — Eita… — disse o policial. — Então não tem ninguém pra prender?

    — Receio que não, meu caro policial — disse o Homem Camaleão. — Pelo menos não até eu me desamarrar daqui e derrotar o Dr Malícia. Sabe como é, a legislação nova protege os vilões que ainda não encerraram a sua luta contra algum super herói.

    — Precisa de alguma ajuda, Homem Camaleão? — Indagou o policial. — Se não precisar a gente vai embora.

    — Está tudo sob controle, pode deixar que a gente se vira por aqui.

    — Então se é assim… Não tem mais nada pra gente aqui, pessoal. Vamos embora.

Em um minuto todos os policiais já tinham ido embora. O vilão e o herói passaram alguns segundos calados quando o Homem Camaleão quebrou o silêncio.

— A gente parou onde mesmo?

— Nem sei… Se importa de começar de novo?

— De maneira alguma, fique à vontade.

    Dr. Malícia limpou a garganta com um pigarro, se empertigou e disse em alto e bom som:

    — Finalmente! Depois de tanto lutar, finalmente eu serei capaz não só destruí-lo, mas também de desvendar os segredos dos seus poderes.

Contos de Segunda #57

    Horácio era um assassino da máfia, provavelmente o pior de todos os assassinos da máfia. Tanto que ele só conseguiu matar um cara… Indiretamente, mas conseguiu. É verdade que Horácio ainda estava no último lugar do ranking de matadores da máfia, mas a diferença entre ele e o penúltimo colocado estava menor… E diminuiria mais um pouco depois daquela noite.

    O telefone tocou na hora do jantar. Horácio tinha acabado de pegar o segundo cachorro quente das mãos do dono da carrocinha quando sacou o aparelho do bolso.

    — Horácio, preciso que você resolva um problema — disse o homem do outro lado da linha.

    — Pode dizer, chefe — respondeu Horácio. Algo dizia que as palavras a seguir tirariam seu apetite.

    — Um dos nossos meninos precisa ser aposentado.

Horácio teria engasgado caso estivesse comendo.

— É só dizer quem vai se aposentar.

— Lorenzo — a voz no outro lado da linha suspirou antes de continuar. — O rapaz perdeu o rumo quando o pai morreu, atualmente mais atrapalha do que ajuda e a polícia já está de olho nele.

— Entendi… Só acho que não sou a pessoa indicada pro serviço, chefe, normalmente eu não cuido dos assuntos internos. Não tem ninguém do RH disponível?

— Final de semana agitado, Horácio, os meninos pediram uma folga e eu não tive como negar.

— Tudo bem, chefe, considere o trabalho feito.

Horácio abriu a lista de contatos e procurou pelo nome de Lorenzo. O telefone chamou três vezes e ele atendeu.

— Oi, Horácio — disse Lorenzo.

— Lorenzo, estou precisando de ajuda pra fazer um trabalho, posso passar na tua casa daqui a quanto tempo?

— Me dá quinze minutos.

— Dez. Chego aí em dez. — sem ouvir a resposta Horácio desligou o telefone.

Dez minutos depois Lorenzo estava parado na frente do prédio onde vivia. Com trinta segundos de atraso o carro de Horácio virou a esquina. Lorenzo entrou no carro sem dizer nada, prendeu o cinto de segurança e só começou a falar depois do carro virar a esquina.

— Qual o serviço, Horácio?

— É só um cara que a gente tem que tirar da jogada.

— Eu não sou muito chegado nessa de tirar gente da jogada, Horácio.

— Só preciso de alguém pra dirigir o carro. Nem sangue você vai ver.

Horácio parou o carro em uma ladeira. A rua descia, cruzava uma avenida movimentada e terminava em outra rua que margeava o rio. Ele puxou a arma do coldre embaixo do braço e verificou se estava carregada antes de guardá-la novamente.

— Vem pro banco do motorista, Lorenzo, eu vou pro banco de trás — disse Horácio saindo do carro e entrando pela porta de trás. Lorenzo obedeceu. — Sabe, Lorenzo, essa nossa profissão é bem arriscada, mas eu nunca senti medo durante o trabalho. Sabe porquê?

— Tem que ser muito doido pra não ter medo, não vejo motivos pra não ter.

— Por que eu ando na linha, faço meu trabalho e não chamo a atenção da polícia. Não dou motivo pro meu chefe se aborrecer comigo… Nada que acontece ou aconteceu comigo durante o trabalho é pior do que nossos empregadores fazem quando estão aborrecidos com alguém.

— Por favor, Horácio — disse Lorenzo tremendo só de imaginar o rumo daquela conversa.

— Não te faltaram avisos, Lorenzo — disse Horácio destravando a arma e colocando na nuca do pobre ocupante do banco da frente.

— Eu tenho família.

— Teus pais falecidos e aquele teu filho que você não assumiu não contam como família.

— O que eu fiz pra merecer isso?

— Além de ter colocado a carga daqueles teus amigos traficantes dentro dos nossos caminhões? Além de ter perdido o nosso último carregamento de armas e ter dado provas pra polícia acabar com a nossa operação na zona portuária? Acredito que fora isso… É, não tem mais nada.

— Por favor, cara — Lorenzo estava chorando. — Quem vai ficar com o meu cachorro? E o orfanato que eu ajudo?

— Por causa deles eu vou te dar uma colher de chá. Eu vou te dar uma coronhada, tirar o freio de mão do carro, você vai cruzar aquela avenida movimentada, vai chegar ao fim da rua e o carro vai cair no rio… Então você vai desaparecer e nunca mais ninguém vai ouvir falar no teu nome.

— Tá falando sério?

— Claro, você só precisa colaborar. Mantenha o volante reto, desça a rua, jogue o carro no rio e ninguém nunca mais vai ouvir falar de você —  a coronhada veio logo depois do final da frase. Lorenzo quase bateu a cabeça no volante, mas o golpe foi fraco o suficiente para fazê-lo suspeitar de algo.

Horácio puxou o freio de mão e pulou pra fora do carro. No dia seguinte os noticiários só falavam do carro que atravessou uma avenida, uma rua e se atirou no rio. Não se sabia a quantidades de ocupantes do veículo, mas não foi achado o corpo de nenhum deles. A suspeita é de que o carro já estava vazio quando caiu no rio.

Contos de Segunda #51

Robson queria roubar uma cadeira. Obviamente ele não precisava de uma cadeira em um nível tão grande de urgência, Robson apenas queria roubar uma cadeira.

    Tudo começou em um sábado. Robson estava no shopping esperando a esposa concluir as compras. Como a loja em questão era cheia de toda a espécie de perfume que atacava a alergia de Robson, ele esperou do lado de fora. Avistou uma cadeira convidativa e se sentou. Foi amor a primeira vista. A partir daquele momento o coração de Robson nunca mais saiu daquela cadeira, ele precisava roubá-la.

    Claro que roubar foi a última opção do pobre coitado. Ele tentou encontrar a cadeira em todas as lojas possíveis e imagináveis. Tentou entrar em contato com a gerência do shopping para tentar comprar a cadeira e não teve nenhuma resposta positiva. Ao longo de meses Robson foi ao shopping apenas para sentar naquela cadeira maravilhosa… E para planejar como levaria ela de lá. Não devia ser muito difícil, afinal era só uma cadeira.

    O plano foi executado em uma segunda-feira na hora do shopping fechar. Robson tinha passado em uma sex shop mais cedo e comprado um par de algemas. Assim que os corredores esvaziaram ele se algemou na cadeira. Alguns minutos depois o segurança do shopping chegou para ver o que estava havendo, Robson usou o máximo dos seus dotes de ator para convencer o segurança de que tinha se algemado à cadeira por acidente. No carro ele tinha as ferramentas necessárias para quebrar as algemas, porém precisaria da ajuda do segurança para carregar a cadeira. O segurança, no auge do seu altruísmo e morrendo de pena de um homem que tinha se algemado acidentalmente com algemas eróticas no meio de um local público, carregou a cadeira com Robson até o estacionamento.

    Estacionado entre duas picapes estava o carro de Robson. Ele abriu o porta malas e pediu gentilmente para que o segurança procurasse pelas ferramentas. Enquanto o solícito funcionário procurava pelas ferramentas, Robson jogou a cadeira na caçamba da picape, abriu as algemas, o carro deu a partida e saiu. O segurança levou uns dois minutos para perceber o que tinha ocorrido. A desculpa de Robson foi que colocou a cadeira na caçamba para ter uma posição melhor para quebrar as algemas, o segurança não sabia se tinha acreditado ou não, ele estava muito ocupado passando um rádio para os outros seguranças.

Robson fechou o porta malas e foi andando disfarçadamente na direção da porta do motorista. A satisfação gerada pelo plano bem sucedido foi gigante. Agora bastava ligar para o cúmplice e combinar o horário de entrega. Não é difícil imaginar a surpresa de Robson ao ouvir o toque do celular do cúmplice vindo da picape que ainda estava parada ao lado do seu carro. Mais surpreso ainda ficou Robson ao ver o seu cúmplice dormindo  do banco do motorista.

Robson entrou no carro, deu a partida e saiu. A derrota amargava em sua boca, a tristeza pesava em seu peito e como se não bastasse tudo isso, ele chegou na cancela de saída, colocou o ticket na máquina, mas não conseguiu sair. Ele tinha esquecido de pagar o estacionamento.

Contos de Segunda #50 – Parte 02

Pra ler a primeira metade desse conto é só acessar esse link para o Contos de Segunda #50 – Parte 01. Pra saber como toda essa história começou é só ler os Contos de Segunda #38 e Contos de Segunda #43.

— Vou perguntar apenas uma vez — disse a Dama do Mar. — O que traz vocês cinco até meu santuário?

    — Viemos pedir sua ajuda, Dama do Mar — respondeu Segunda-feira.

    Uma risada maligna penetrou nos ouvidos das jovens Damas como uma agulha. A temperatura do ambiente caiu e a água invadiu a caverna, aos poucos a lâmina d’água começou a subir.

    — Ela vai matar a gente — sussurrou Quarta-feira. — Eu sabia que a gente devia ter ficado em casa.

    — O futuro está nebuloso, Segunda — falou Terça-feira. — Não consigo ver nada.

    — Deixa eu tentar falar com ela, Segunda — interrompeu Quinta-feira. — Dama do Mar, fui eu quem disse para virmos pedir sua ajuda… Me ajudou antes, imaginei que poderia ajudar agora.

    — Que história é essa, Quinta? — disse Sexta surpresa, e não era o tipo bom de surpresa.

    Os olhares das irmãs estavam todos voltados para Quinta-feira.

    — Não é o que vocês… — gaguejou Quinta.– Certo, sem rodeios. Eu só consegui manifestar minhas habilidades musicais por causa dela… Criar música com o corpo não é tão simples pra uma entidade do tempo.

    — Sim, eu me lembro jovem Quinta-feira — a voz da Dama do Mar sorria. — Sua música precisava de ajuda para sair, mas teu medo não te permitiu aprender tudo que eu tinha para ensinar.

    — O canto de uma Dama é muito poderoso, nobre senhora. — replicou Quinta. — Aprendi o suficiente.

    A água já estava na altura dos joelhos.

    — Aprendeste o suficiente para evitar a tua queda, Quinta-feira — o tom da Dama do Mar agora estava severo. — Não querias correr o risco de cometer os mesmos crimes que eu. Que tipo de ajuda procuras se já sabes do que precisas?

    — Eu preciso de ajuda, Dama do Mar — vociferou Segunda-feira. — Preciso aprender o canto de sereia para atrair um Cavaleiro.

— Então venha olhar nos meus olhos e dizer isso — respondeu a Dama do Mar. — Mas venha só! — A água subiu como um turbilhão e envolveu Terça, Quarta, Quinta e Sexta, as deixando apenas as cabeças para fora. — Estou no fundo da caverna, venha.

Segunda-feira hesitou por um instante. Quarta-feira estava paralisada de medo, Quinta tinha o olhar baixo para não encarar as irmãs, Sexta tentava se mover, mas não conseguia, Terça fechou os olhos e começou a falar.

— O futuro está clareando, mas a Dama do Mar não me deixa enxergá-la — disse ela calmamente. — Vejo muitos futuros para você, Segunda, mas todos eles estão distantes, não posso te dizer o que te aguarda… Toma cuidado.

— Obrigado, Terça. Vou tomar.

Algumas dezenas de metros separavam Segunda do fundo da caverna. Lá ela encontrou um poço muito largo que emitia uma luz tênue, no centro do poço estava uma rocha e na rocha uma figura muito similar a uma sereia.

— Saudações, Dama do Mar — cumprimentou Segunda.

— Saudações, Dama da Segunda-feira — respondeu a Dama do Mar. — Tens ideia do tamanho do teu pedido?

— Tenho.

— Conheces os meus crimes?

— Não há Dama que não conheça.

— Sabes o que me levou a cometê-los?

— Amor e… Dor — a última palavra foi dita quase como um sussurro.

— Isso mesmo — os olhos frios da Dama do Mar por um instante se perderam em um passado distante. — Meu Cavaleiro foi tirado de mim e a dor me levou à…

— Violência — os olhos de Segunda estavam marejados. — Todas nós ficamos sabendo… Quando a Dama do Mar usou seu canto e atraiu dez Cavaleiros para a morte.

— Nove — o semblante dela continuava inexpressivo, mas os olhos não escondiam os sentimentos tão bem. — Naquela época o Cavaleiro da Lua possuía uma esposa. Ele foi o primeiro filho legítimo de uma Dama e o único a se tornar Cavaleiro. A Dama da Lua o presenteou com uma esposa, uma humana que recebeu sua dádiva. Ela também veio… Eu também tirei a vida dela com minhas próprias mãos.

— A Mãe-de-Todas te condenou à morte, mas o teu santuário te salvou.

— A fúria da Mãe passou, demorou, mas passou — ela olhou ao redor. — Agora vocês se arriscam a despertar novamente essa fúria para atrair um Cavaleiro?

— Preciso de um, meus poderes estão a ponto de sair do controle e… — Segunda respirou fundo. — Logo logo será impossível manter a sanidade.

— Não é tão ruim quanto parece. Todos tem medo de uma Dama louca… — os olhos da Dama do Mar se acenderam com um brilho frio. — Por que não sabem o que é ser uma.

A água subiu como um turbilhão e prendeu Segunda. A água do mar girava cada vez mais veloz ao redor da jovem Dama, o atrito com a água começou a rasgar a pele.

— O que está fazendo?

— O mesmo que estou fazendo às suas irmãs — sorriu a Dama do Mar. — Logo seus corpos serão apenas uma mancha de sangue, mas o teu… Eu quero rasgar com minhas próprias mãos

— Eu só vou avisar uma vez — rosnou Segunda. — Não faça nada às minhas irmãs.

— Este é meu santuário, ninguém me ameaça no meu santuário.

— Está enganada, Dama do Mar — sorriu Segunda um sorriso dolorido. — Não consegue sentir?

O sorriso da Dama do Mar se desfez. Alguma coisa estava errada, alguma força estranha estava penetrando no santuário.

— O feriado está acabando, nobre senhora, imagine a quantidade de mortais que está resmungando e se irritando neste momento. Quantos estão experimentando o sublime momento em que se lembram que hoje é segunda-feira e que amanhã precisam voltar para o trabalho — Segunda parecia sentir o gosto doce de cada palavra que dizia. — No coração dos mortais segunda-feira começa na noite de domingo e não existe nada mais forte do que o sentimento da noite de domingo em uma segunda.

— Impossível! Nada pode penetrar meu santuário!

— Quem está no meu santuário é você, Dama do Mar — uma força terrível emanava de Segunda-feira. — Nós Damas da Semana temos um dia para cada uma, um santuário de vinte e quatro horas, mas só eu consigo canalizar a energia do santuário… Por que só eu posso dividir o poder com minhas irmãs.

Quarta sentiu uma força externa tomando conta do seu corpo.

— Segunda está me mandando energia, acho que consigo tirar a gente daqui — disse Quarta-feira.

— Me tira primeiro Quarta — adiantou-se Sexta. — Quinta, me acelera.

— Só preciso de um instante pra me concentrar– ao dizer isso Quinta fechou os olhos, o semblante de dor levou poucos segundos para desaparecer, a conexão com a irmã estava completa. Uma batida eletrônica tomou conta da caverna, forte, alta e cada vez mais acelerada. Em um nível que tornava a música um ruído quase incompreensível

Quarta tirou Sexta de dentro do turbilhão. Quando a jovem Dama ficou livre deixou a música invadir o corpo. A música da irmã sempre causava uma sensação maravilhosa, ela sentia o coração acelerar, a vontade de dançar era quase irresistível.

— Quebra aquela sereia fajuta, Sextinha — disse Quinta com um sorriso raivoso.

Então o mundo parou. Sexta estava tão acelerada que o tempo parecia congelado. Em uma fração mínima de segundo ela chegou ao fundo da caverna, o ar deslocado foi suficiente para desfazer o turbilhão que envolvia Segunda-feira, mas ela estava só passando. Tudo que ela queria era dançar sobre a água, dançar sobre a luz por um instante, um instante que duraria quase uma eternidade. Fazer isso em uma velocidade tão alta criou um grande turbilhão e no meio dele estava a Dama do Mar. Poucos segundos depois ela estava no chão meio alagado, caída diante de Segunda e Sexta.

— Fazia tempo que eu não dançava tanto — disse Sexta ainda na euforia da música. — Tudo bem, Segunda?

— Vai ficar. Vai lá ver como estão as outras eu preciso conversar com nossa irmã sereia aqui.

Sexta ainda estava acelerada o suficiente para chegar onde as irmãs se recuperavam em um piscar de olhos. Segunda esperou a Dama do Mar se recompor.

— Me desculpe — lamentou Segunda. — Não queria apelar pra violência.

— Não precisa se desculpar, jovem Dama — disse a Dama do Mar em um tom brando. — Graças a isso posso gozar de um raro momento de lucidez. Meu santuário é um cárcere voluntário, aqui dentro não posso ferir ninguém… O que me pedes é uma maldição, Segunda-feira. Meu canto nasceu comigo, faz parte da minha natureza, não da sua. Aprendê-lo no seu estado é um convite ao desastre.

— Só preciso que funcione uma vez. Não me incomodo de abrir mão dele depois disso.

A Dama do Mar pegou um pouco de água com as mãos e modelou uma esfera. Uma bolha parcialmente cheia com um líquido esverdeado. Da bolha puxou dois cordões para formar uma gargantilha.

–Coloque isso no pescoço e o canto será seu — disse a Dama do Mar entregando o colar para Segunda. — Escolha bem o momento de usá-lo, terás apenas uma chance.

— Obrigado, Dama do Mar.

Ela sorriu em resposta, se ergueu na cauda de sereia e mergulhou no poço. Segunda correu para encontrar as irmãs.

— Alguém ferido? — perguntou Segunda.

— Só o orgulho — respondeu Terça. — Conseguiu alguma coisa?

— Sim, mas eu conto no caminho. Quarta, tira a gente daqui.

— Nem precisa pedir duas vezes. Aqui tem muita interferência pra abrir uma passagem, segurem em mim.

Um piscar de olhos depois e elas não estavam mais lá.

Contos de Segunda #47

   Horácio era um assassino da máfia. Era assim que ele se enxergava, apenas um assassino da máfia. A máfia enxergava Horácio como o pior assassino de todos os tempos. Não que ele fosse um capanga incompetente, muito pelo contrário. Horácio era excelente em intimidação, cobrava dinheiro como ninguém, era treinado em todas as modalidades de briga de rua, dirigia como um verdadeiro piloto e tinha contatos em todos os lugares… Só não servia para matar os outros. Tanto que ele era sempre a última opção para esse tipo de serviço. Quando todos os matadores estavam impossibilitados de matar ligavam para Horácio.

    — Horácio, preciso que você faça um serviço — disse a voz do outro lado do telefone.

    — Pode dizer, chefe — respondeu Horácio.

    — Sabe o cara da alfandega? Ele pisou feio na bola, preciso que você garanta que essa foi a última vez que ele nos deixou na mão.

    — Não seria melhor só dar um susto no cara?

    — Ele já levou susto demais. Acabou a festa pra ele. Serviço limpo e discreto, Horácio, você é meu único homem na rua hoje.

    — E o resto do pessoal, chefe?

    — O fim de semana foi movimentado, Horácio, precisei dar uma folga pros meninos. Essa demanda apareceu de última hora, se não fosse urgente eu não te pedia. Só resolve isso, ok?

    A ligação foi encerrada antes que o pobre capanga pudesse argumentar. Pelo menos esse alvo seria mais fácil de eliminar do que os outros, o alvo em questão se chamava Carlos, tinha 58 anos e um problema na perna que o impedia de correr. Horácio entrou no carro e partiu para o porto.

    O escritório da alfandega ficava em uma das partes menos movimentadas do porto e como Carlos gostava de fazer hora extra, não seria difícil pegá-lo sozinho. O relógio marcava nove da noite quando o alvo finalmente saiu do escritório em direção ao carro. Horácio estava encostado na porta esperando por ele.

    — Boa noite, Carlos.

    — É… Boa noite… Horácio, não é? Transmita meus cumprimentos ao seu empregador e diga que já estou trabalhando para resolver o imprevisto de hoje.

    — Isso é ótimo, Carlos, mas meu empregador resolveu adotar medidas mais, digamos, permanentes.

    Horácio sacou a pistola. Um serviço limpo e discreto, foi o que o chefe solicitou. Normalmente isso significa um tiro na testa com uma pistola silenciada ou a simulação de um acidente, nenhuma testemunha. O capanga era um péssimo atirador, mas normalmente não errava a uma distancia tão curta. Fez mira e puxou o gatilho… Nada. Carlos olhou incrédulo para seu algoz. Outra tentativa… Nada. Depois da terceira Horácio lembrou de destravar a pistola. A essa altura Carlos já estava correndo o máximo que sua perna defeituosa permitia, bem mais do que Horácio esperava.

    O pobre funcionário da alfandega corria sem saber bem para onde. Os galpões estavam fechados, assim como os escritórios, a única saída era se jogar no mar e esperar que o assassino se contentasse com sua possível morte. Um tiro passou zunindo pela orelha de Carlos, ele começou a correr mais rápido. Outro disparo, o tiro passou raspando no ombro do futuro defunto, ele começou a chorar. A água não estava tão longe, o assassino estava cada vez mais perto.

    Então viu-se uma luz. Ouviu-se um barulho de freio e uma batida. O motorista do caminhão de presunto não esperava um senhor meio manco cruzando seu caminho naquela noite. Não conseguiu evitar, acertou o pobre Carlos em cheio, arremessando o pobre coitado algumas dezenas de metros na frente. Quando a ambulância chegou o coitado já tinha parado de respirar fazia um bom tempo.

    Horácio esperou até a ambulância chegar. Ele ligou para o contato no IML, dez minutos depois o contato ligou informando que um carro já estava a caminho do local. Finalmente Horácio podia comemorar a eliminação de um alvo e o melhor de tudo: ele não precisou matar ninguém.

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