Não é um blog sobre cachorros e bikinis

Tag: Junho

Preciso Falar Sobre Nezuko

Demon Slayer é um queridinho dos naruteiros desde 2019. Caso você não seja naruteiro/naruteira ou já tenha sido e não exerça mais a profissão, eu vou dar um contexto.

Demon Slayer é a história desse boy aqui:

Que teve sua família brutalmente assassinada por um monstro comedor de carne e bebedor de sangue. Dá pra traduzir como demônio, mas os onis (monstros comedores de carne e bebedores de sangue) não são bem o que a gente conhece e entende como demônio, na prática eles funcionam mais como vampiros dentro da série. Inclusive eles também não podem sair no Sol. Mas não foi todo mundo da família dele que morreu, teve a irmã dele que, em vez de ser assassinada e parcialmente devorada, foi transformada num monstro comedor de carne e bebedor de sangue.

A menina não é igual a todo mundo e consegue se controlar pra não comer pessoas, mas ela tem que usar essa mordaça de bambu só pra garantir. Só que é desenho de lutinha e tem que ter as lutinhas, por isso que Tanjiro (o boy lá) e Nezuko (a irmã carnívora do boy) se tornam parte do esquadrão de exterminadores que tem como trabalho matar os monstros comedores de CPF. Além da missão principal, que é matar todo mundo que faz gente de petisco, os dois irmãos entram numa jornada pra tentar transformar Nezuko de volta em uma humana normal.

Tudo que eles fazem é de olho nesse objetivo. A  menina quer ser humana e o menino quer salvar a única pessoa que sobrou da família dele. É a motivação dos dois, é o combustível dos dois, não tem nada que eles não façam ou sacrifiquem por causa desse sonho. É por isso que eles enfrentam os onis, é  por isso que eles se arriscam, por isso que eles treinam e ficam mais fortes. Obviamente eles absorvem todo o senso de dever e sacrifício do esquadrão, mas no final é isso que eles querem.

 

ATENÇÃO! A PARTIR DAQUI TEM UNS SPOILERS.

 

Corta pra temporada que saiu esse ano.

 

Último episódio. Os dois irmãos estão numa perseguição ao inimigo principal da temporada. Enfraquecido, o inimigo procura algum humano indefeso de quem ele possa se alimentar e recuperar suas forças. E os encontra, três ferreiros que fugiram do ataque que a vila sofreu. Ele tá fraco, lento, mas forte o suficiente pra dar cabo de três fulanos sem treinamento de combate.

O cenário é uma planície, não tem lugar pra se  esconder.
Tanjiro alcança o inimigo usando suas últimas forças, desfere o golpe fatal e corta a cabeça do vilão. Única forma de matar um oni.

O  vilão foi derrotado. O Sol começa a nascer.

Em todo o resto da série o Sol foi um aliado. Sobreviver até o nascer do Sol era uma garantia de segurança para qualquer exterminador. Até o oni mais forte não pode resistir aos raios do Sol.

O Sol está nascendo. O cenário é uma planície, sem lugar pra se esconder.

Nezuko está lá.

Tanjiro corre até a irmã, precisa protegê-la. Salvá-la da morte certa. Ele vai até ela na esperança de alertá-la sobre o perigo que corre.

Ela ignora o desespero do irmão. Tem algo mais importante acontecendo.

O inimigo não tinha sido derrotado. O corpo sem cabeça se levanta e volta a perseguir os pobres ferreiros. Nezuko tenta desesperada avisar ao irmão (amordaçar a menina não parece uma ideia tão boa agora). Depois de um tempo, Tanjiro finalmente nota o inimigo que não morreu e se prepara para mais um golpe.

O Sol toca a pele de Nezuko.

Ela começa a berrar enquanto a carne é queimada pelos raios da aurora.

Tanjiro a protege da luz. Os outros aliados estão muito longe e muito fracos para ajudar. Ela encolhe o corpo para tentar se proteger melhor na sombra do irmão. Ela geme e se contorce de dor. Enquanto isso, os ferreiros gritam de pavor e clamam por ajuda.

Tanjiro mal consegue respirar. Os exterminadores tiram suas forças das técnicas de respiração  e adquirem um controle absoluto sobre ela. A respiração descontrolada de uma espécie de crise de ansiedade é o maior sinal de desespero.

Ele jurou proteger os indefesos. Ele jurou dar tudo para derrotar os inimigos… Ele prometeu trazer a irmã de volta. Ele era a única coisa que separava a irmã de virar um punhado de cinzas… A única coisa que protegia os pobres camponeses de uma morte violenta.

Não consegue decidir. Ele mal consegue suportar o peso da dúvida.

Os pés saem do chão.

Tanjiro é arremessado no ar. Nezuko lança seu irmão no ar.

A cena é na câmera mais lenta possível. Os dois irmãos se encaram. Nos olhos do menino uma total incredulidade. Nos olhos da menina não há um traço de dúvida. Com um sinal ela diz o que quer que seu irmão faça: derrote os inimigos e salve aquelas pessoas. Naquela fração de segundo toda a jornada dos dois passa em um instante pela mente de Tanjiro. As lágrimas brotam nos olhos quando ele encara a irmã, agora já bastante queimada pelos raios do Sol.

Ela olha de volta. Ela sorri. Ela se despede.

Nezuko sempre foi um personagem a ser protegido. Sua vulnerabilidade ao Sol e algumas restrições provocadas pela falta de consumo de carne e sangue sempre a impediram de ser independente do irmão. Não é tão fácil lembrar o tempo todo dela como uma exterminadora. Como parte do esquadrão, como uma pessoa que está ali no cumprimento do dever. Naquele momento Nezuko foi muito mais exterminadora do que o irmão. Muito mais forte do que o irmão. E essa cena ficou comigo.

Reassistindo a esse trecho do episódio eu me reencontro com a força de Nezuko. Me reconecto com os olhos monstruosos da menina com a carne meio queimada e como ela não hesita em dar a própria vida para proteger os indefesos. Claro que eu sei que ela é um personagem de desenho japonês de lutinha. Claro que o sacrifício de um personagem fictício nem se compara com o sacrifício de uma pessoa de carne e osso. Eu também sei que foi decisão da autora que ela fizesse isso e todas essas coisas… Mas naquele momento, dentro do microcosmo em que só existia eu e a história que eu assistia na tela do meu computador, Nezuko foi mais forte que tudo. Enquanto eu me desesperava junto com Tanjiro e me sentava na ponta da cadeira sem saber o que ia acontecer, Nezuko me jogou no ar, me olhou nos olhos, me mandou lutar e se despediu de mim com um sorriso. Se não são momentos como esse que fazem a ficção valer a pena, não sei mais o que faz.

Meio Cagado Esse Final Aí

Essa semana comemoraram os 20 anos do lançamento do primeiro livro da série Harry Potter. Eu estava sinceramente inclinado a escrever algo sobre, mas aí percebi que ia ser mais um post explicando o por quê do meu gosto por Harry Potter ter diminuído ao longo dos anos do que uma homenagem. Achei que não ia casar bem com a data, foi então que eu comecei a matutar mais sobre o assunto e lembrei que foi justamente por causa do bruxo inglês mais famoso do mundo que eu comecei a escrever. Eu tinha acabado de ler um dos livros, provavelmente o quarto da série, e estava indignado com o final. Não demorou muito pra chegar à conclusão de que se eu mesmo escrevesse a história, eu teria o final que eu quisesse. Relembrando esse sentimento acabei percebendo que, de uns tempos pra cá, eu tenho experimentado dele com muita frequência. Mais uma vez Harry Potter me dando motivos para escrever

Estamos bem no meio do verão americano, isso quer dizer que estamos também na temporada dos principais lançamentos do cinema em 2017. Alguns deles já saíram, outros ainda vão sair e boa parte deles você acaba assistindo. Dos grandes lançamentos programados para o meio deste ano eu assisti três: Alien Covenant, A Múmia e Mulher Maravilha. Dá pra dizer sem medo de errar que esses três filmes não são muito parecidos, mas o curioso é que eu tenho exatamente a mesma coisa pra falar dos três: o final foi meio cagado.

Um tem o clímax bem fraco, outro tem um final que caga a cronologia da franquia e outro só tem um final merda, mas todos pecam ao entregar a conclusão daquela jornada. Aí eu paro pra pensar mais um pouco e percebo que temos esse problema em outros filmes recentes e chegamos à conclusão de que tá rolando uma praga em Hollywood que tá contaminando um monte de block buster: a praga dos vilões bosta e dos finais cagados.

Alguns dos maiores sucessos de bilheteria dos últimos anos possuem vilões bem qualquer coisa. Guerra Civil (até nos quadrinhos o final é fraco e nem é o mesmo final), Batman vs Superman, Doutor Estranho, Esquadrão Suicida (esse daí não é só o final que é ruim), Mulher Maravilha e vários outros caem na graça do público por vários motivos, dificilmente algum desses motivos é o vilão da história. Do vilão bosta pro final cagado basta um pulo, afinal o vilão é o desafio final, o mal a ser vencido, o obstáculo que vai testar ao máximo os valores e capacidades dos heróis e se esse desafio final não é lá essas coisas… Bem… Digamos que a parada dá aquela desandada e vai todo mundo pra casa quase 100% satisfeito, afinal o resto do filme foi legal.

Acabo de perceber que eu tô meio com medo dos filmes que eu mais espero pra esse ano. O receio de parecer um disco arranhado repetindo a mesma coisa pra todo mundo sobre tudo que é filme é bem grande. Ingresso de cinema tá bem caro e eu queria que os finais fossem mais satisfatórios. Espero que pelo menos Star Wars escape dessa, se bem que rolou uma cagada ligeira ali no final do Episódio VII, mas isso já é outra história.

Hiato de Bikini #2

Pois é, queridos leitores, chegamos a mais um anuncio de hiato. Só que dessa vez o hiato vai ser só para o esquema atual de publicações. Nas próximas seis ou sete semanas os Contos de Segunda e os nossos posts sobre assuntos diversos vão tirar uma folga… Na verdade os personagens de segunda estão de greve, mas isso é outra história.
Esse hiato vai ser uma boa oportunidade pra fazer outras coisas e colocar outras ideias no papel. Por isso não se preocupe, ainda vai ter coisa saindo aqui, só que vão ser outras coisas. As coisas de sempre voltam em junho.
Vejo você por aí.

 

Fogos!

Mais uma vez chegamos ao 24 de Junho, dia de São João, uma das maiores festividades deste lado do universo e de longe uma das minhas épocas preferidas do ano. E talvez os maiores protagonistas desse festejo todo  sejam os fogos de artifício.

Quando pensamos em fogos de artifício nos vem à mente aquela coisa bonita inventada pelos chineses, que nos deixa encantados com tamanha beleza ao iluminar o céu com suas cores diversas e efeitos variados. Tirando uma ou outra exceção, na prática os fogos fazem barulho e só. Os fogos mais elaborados são muito caros ou apresentam um potencial destrutivo muito baixo, por isso são sumariamente ignorados ou comprados em pequena quantidade. Afinal a principal função dos fogos é ajudar a simular um conflito armado.

Quando Junho chega um instinto coletivo desperta nas pessoas. Não acontece com todo mundo, mas uma boa quantidade de gente começa a sentir uma necessidade extrema de comprar artefatos pirotecnicoexplosivos com formas e potências variadas para criar as mais ruidosas explosões no dia do principal santo do mês seis, de modo que o barulho da noite do dia 23 poderia ser usada como efeito sonoro de algum filme de guerra. Bombas grandes, pequenas, palitinhos, traques de massa, espirros de bode, peidos de véia são alguns dos nomes dados aos pipocos de São João. Obviamente existem os foguetes e rojões que figuram o céu nublado do dia 23, normalmente com algumas poucas cores e bastante barulho.

    Tais artefatos normalmente são trazidos pelos mais peculiares comerciantes e estabelecimentos. Não preciso nem dizer que algumas muitas normas de segurança são ignoradas e que boa parte dos comerciantes não está capacitado para vender artefatos inflamáveis e explosivos, vide as instruções capengas que eles costumam dar ao questionados sobre o manuseio de fogos mais elaborados e a propaganda que eles fazem dos produtos com frases do tipo “esse aqui um menino usou pra explodir o banheiro de uma escola lá em Jaboatão”.

Pra mim os fogos são parte do tempero que dão o gosto de infância pro São João. Dependendo do ano é possível andar na rua e sentir o cheiro de pólvora desde o final de maio, cheiro que me avisa que essa época boa do ano tá chegando.

Contos de Segunda #46

Todo o plano de Luciana e Roberta para juntar Jorge e Cristina não começou hoje. Esse conto, além do retorno de Jorge e Cristina à nossa série semanal,  é uma continuação dos Contos de Segunda#34, Contos de Segunda #42 e Contos de Segunda #44.

— Você e seu rolo atual vão jantar no dia dos namorados, mas em vez de aproveitar o romantismo de um momento a dois comendo sushi, vocês vão articular um blind date comigo e um amigo dele.

    Era sexta-feira. O dia dos namorados daquele ano caía no domingo e Luciana estava tentando convencer Cristina a não passar o dia 12 sozinha em casa. As duas estavam almoçando, Luciana resolveu comer um sanduíche, ela sabia que Cristina comeria alguma salada complicada que deixaria metade do cérebro dela ocupado durante a refeição. Quando o sanduíche terminou o prato de salada ainda estava na metade.

    — Falando desse jeito até parece um absurdo, Cristina. Minhas intenções são puras e minhas ações movidas exclusivamente pelo sentimento sincero que eu nutro por você – uma dose cavalar de teatralidade estava depositada em cada palavra.

    — Sei lá, Luciana. Não tô no clima de romance ultimamente, principalmente quando aparece uma oferta pra segurar vela em dupla — apesar da complicação da salada o cérebro de Cristina estava funcionando melhor que o esperado.

    — Vai ser legal, amiga. Preciso que você vá lá pra aprovar meu guitarrista. Lembra dos meus outros namorados? Graças a você eu me livrei de dois malucos, um eco terrorista e um fanático por futebol. Nunca namorei um músico, sua avaliação se faz necessária… E vai ser de graça.

    Cristina revirou os olhos como se procurasse uma solução dentro da própria cabeça. Olhou para o prato de salada, mas o alface não parecia ter uma solução escrita nas folhas. Ela respirou fundo, olhou Luciana nos olhos e disse:

    — Tá bom, tá bom — ao ouvir essas palavras Luciana bateu palmas eufóricas de satisfação. — Mas você tem que me garantir que esse amigo não é um daqueles malucos de academia, nem um que vai votar em Bolsonaro, nem daquela galera do “ain, não tinha isso no livro” e nem aqueles malucos por quadrinhos — cada um dos tipos proibidos era contado nos dedos.

    — Relaxa, gata. Pode ter certeza que o cara é perfeito pra você.

    — Já te disse pra não me chamar assim

    — Assim como?

    — “Gata”. Vi em algum lugar que não se deve confiar em uma mulher que chama a outra de “gata”, acabei ficando com isso na cabeça. Não sei se isso tem fundamento, mas por via das dúvidas não me chame desse jeito.

    O dia 12 não demorou para chegar. Era fim de tarde quando Luciana colocou a chave do carro na mão do manobrista. O restaurante japonês não era tão grande, mas era bem refinado. Em condições normais seria impossível conseguir uma reserva para o dia dos namorados tão em cima da hora, mas o guitarrista de Luciana faria uma apresentação no restaurante às oito da noite, de alguma forma aquilo ajudou com a reserva. Pouco depois de cruzar a porta um rapaz se aproximou para atendê-las.

    — Boa tarde, senhoritas. Qual o nome que está na reserva?

    — Boa tarde — respondeu Luciana. — A reserva está em nome de Fábio. Imagino que ele já esteja por aí.

    — Está sim, me acompanhem por favor.

    O rapaz conduziu as duas até chegar a um salão. Próximo do bar estava um pequeno palco onde uma moça tocava piano e cantava. Cinco mesas antes do palco estavam Fábio e seu amigo. Os dois conversavam empolgados e não notaram as moças até que as duas estivessem bem perto.

    — … Eu tô dizendo, meu velho, essas coisas só funcionam na televisão e… Olha elas aí — disse Fábio.

    Instintivamente o outro homem da mesa se virou ainda achando graça da conversa interrompida. Em uma fração de segundos o ar de riso foi convertido em uma cara de velório. A reação de Cristina não foi muito melhor.

    — Ah, não… — Disse ela baixinho. — Oi… Jorge.

    — Cristina, que… Surpresa — o olhar de Jorge foi desviado imediatamente para Luciana. — Não sabia que a menina de quem Fábio estava falando era você, Luciana.

    — É sempre bom te ver também, Jorge. A gente chegou muito cedo, Guitarrista?

    — Na hora certa, Lulu — Fábio se levantou, deu um beijo no rosto de Luciana e ofereceu a cadeira ao lado de Jorge. — E você é Cristina. Sou curioso pra te conhecer faz tempo.

    — Digo o mesmo, Fábio. Não sabia que você e Jorge eram amigos — respondeu Cristina sentando de frente para Jorge, o olhar dos dois se encontrou por um instante. Ele estava tão raivoso quanto ela.

    — Então, Luciana, foi Roberta que apresentou vocês dois? — Perguntou Jorge desbloqueando a tela do celular.

    — Ela me levou pra um ensaio do casamento do irmão dela e a gente se conheceu lá.

    — Ah, é mesmo? — Os dedos de Jorge digitavam rapidamente uma mensagem para Roberta. “Você não devia ter se metido nisso, Roberta”.

    — Eu não tinha sido convidada pro casamento e estava curiosa sobre a banda. Cristina não topou me levar de penetra e Roberta acredita piamente que o irmão dela me detesta.

    — Tenho a forte impressão que o irmão dela também acredita nisso — interrompeu Cristina enquanto enviava uma mensagem para Roberta. “Vou te enforcar com as tuas tripas, Roberta”.

    — Se vocês me dão licença, eu vou no banheiro e volto logo — disse Jorge olhando diretamente para Cristina.

    A moça entendeu a deixa. Jorge podia estar no topo da lista negra, mas eles precisariam trabalhar juntos pra sair dessa situação.

    — Eu vou dar uma passada no bar, estou com planos de ficar meio bêbada, melhor começar cedo.

    Os dois seguiram caminhos distintos. Jorge partiu em direção ao banheiro, mas antes disso entregou um cartão a um garçom qualquer pedindo para entregá-lo à moça que estava chegando no bar. Assim que o cartão chegou Cristina discou o número.

    — Se você tiver alguma coisa a ver com essa história… Alguma coisa com saquê e morango, por favor. Se você estiver no meio disso, Jorge, pode ter certeza que eu te mato antes de matar Roberta.

    — Me mata depois, aí eu te ajudo a esfolar Roberta viva. Eu convenci Fábio a tocar no casamento do irmão dela e é assim que ela me paga.

    — A culpa só podia ser tua, Jorge. Deus queira que esse teu amigo da guitarra não tenha muita coisa pra contar a Luciana.

    — Relaxa que Fábio sabe menos coisa do que Luciana, pelo menos sabia. A gente precisa de um plano.

    — Depois dessa mão-de-obra toda não tem plano? E Luciana ainda quer me juntar contigo, sinceramente.

    — E ainda me perguntam por que eu não gosto de você… Fábio toca às oito, são dez pras seis. Imagino que ele vai sair da mesa pelo menos meia hora antes…

    — Eu não vou ficar mais de duas horas olhando pra tua cara, Jorge. Antes disso eu pulo no pescoço de Luciana e a gente vai daqui pra delegacia ou pro hospital… Tais de carro?

    — Sim. E pelo jeito da pergunta Luciana é a tua carona.

    — Foco na solução, Jorge. É só a gente dar um jeito de disfarçar e depois dá uma escapulida. Eu fico no bar e você finge que tá com dor de barriga.

    — Por que eu tenho que fingir que estou com cag… Dor de barriga? É só eu ir pro bar também, digo que quero ver a pianista de perto.

    — Nós dois no mesmo lugar e eles não vão tirar os olhos da gente. Vou voltar pra mesa, lá a gente pensa em alguma coisa.

    Meia hora se passou. Luciana e Fábio pediram sushi, Jorge não pediu nada e Cristina resolveu não tomar mais nada alcoólico. A tensão da mesa era crescente. Luciana e Fábio pareciam estar se divertindo muito com toda a situação, enquanto Jorge e Cristina estavam se sentindo feras enjauladas.

    — Jorge, já comeu desses sushis com camarão? — Perguntou Fábio. — Eu acho meio estranho.

    — Esqueceu que eu sou alérgico? Se eu colocar um camarão na boca já começo a ter reação.

    — Sério? — Perguntou Luciana genuinamente surpresa.

    Cristina olhou para Jorge. Quando ele olhou de volta ela indicou o camarão com os olhos. Ele fez “não” com a cabeça, ela fez “sim.

    — Sério, Luciana. Vê só — antes que alguém pudesse ver Jorge jogou um pedaço de camarão dentro da boca, mastigou duas vezes e cuspiu.

    Imediatamente a língua dele dobrou de tamanho, o rosto ficou vermelho e estava começando a inchar.

    — Meu Deus, Jorge! — Gritou Cristina da forma mais exagerada que ela pode. — Tá doido? A gente tem que te levar pro hospital.

    — Assho que ffffim — respondeu o pobre Jorge.

    — Me dá a chave do carro, eu te levo — disse Cristina. — Fábio precisa tocar e Luciana leva ele depois.

    Os dois se levantaram e saíram correndo. Antes que Luciana e Fábio pudessem entender tudo, Cristina já estava dando partida no carro. Jorge abriu o porta-luvas, sacou um tubo de plástico, tirou uma ponta e cravou na perna. O antialérgico tinha sido rápido o suficiente para salvar Jorge de um possível choque anafilático. Cristina se colocou no caminho de casa, pouco antes de chegar lá Jorge conseguiu falar.

    — Você só pode ser doida, Cristina.

    — Não te obriguei a fazer nada, Jorge, mas não vou ser injusta com você. Parabéns pela coragem.

    — Não pensei muito, dois segundos a mais de raciocínio e a gente ainda estaria lá — o nervosismo na voz dele era perceptível.

    — A gente precisa dar um jeito nisso, Jorge, a situação tá fora de controle.

    — Segunda-feira a gente pensa nisso, Cristina. Esse remédio já tá me deixando com um sono inacreditável. Me deixa em casa que eu te coloco num táxi ou pego meu carro na tua casa amanhã cedo.

    — Eu que não vou pagar táxi, acabei de salvar tua vida. Mereço no mínimo uma carona, com ou sem você no carro.

    — Então considere isso como o seu presente… Feliz dia dos namorados, Cristina.

    Antes que ela pudesse responder Jorge já estava dormindo. Um sorriso surgiu no rosto da moça. Ela dobrou uma esquina e parou em um posto de gasolina, pegou o telefone de Jorge e ligou para a mãe dele. Ele dormiu antes de dizer onde morava.

Aniversário de Bikini #1

3 de Junho de 2015. Naquela quarta-feira eu coloquei um sonho no ar. Foi naquele dia que a primeira postagem do Cachorros de Bikini foi publicada. O tempo foi passando, mais coisa foi sendo publicada e eu já estava achando uma pena não publicar um texto exatamente no dia do aniversário do blog. Aí eu olho no calendário e, graças à magia cabalística do ano bissexto, o 3 de Junho de 2016 caiu na sexta-feira…

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É engraçado pensar em como ter um blog mudou a minha vida. A responsabilidade de publicar alguma coisa três vezes na semana e a decisão de levar um projeto tão descompromissado com o máximo de seriedade acabaram transformando a minha rotina. A exemplo daqueles que vivem pra chegar na sexta-feira, os meus sete dias semanais se transformaram em três. Não é raro passar o fim de semana pensando no conto de segunda ou a terça-feira inteira pensando no texto de quarta. Preocupação com postagem que tá quase atrasando, tensão por um tema promissor estar virando um texto ruim e todos os malabarismos que eu fiz pra salvar esses textos. Tudo isso feito com a maior satisfação do mundo. Mas esse texto tá ficando muito sério. Hoje é dia de festa. Dia dos nossos queridos cachorros apagarem as velinhas e caírem com tudo pra cima do bolo.

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Um ano atrás eu escrevi “Bem Vindo ao Cachorros de Bikini”. 366 dias, 134 posts e dois hiatos depois eu me sinto exatamente do mesmo jeito. Eu ainda espero que ao entrar você deixe as coisas sérias da vida na porta e desfrute de um momento repleto das banalidades cotidianas e das coisas mais irrelevantes da vida. Ainda estamos longe de ser o melhor blog do universo, mas já somos o melhor blog com nome de caninos em roupas de banho que publica toda segunda, quarta e sexta e não tem o menor compromisso de falar sério ou de mudar a vida de ninguém. Parabéns, Cachorros de Bikini. Muitas felicidades, muitos anos de vida e todas aquelas coisas clichê que todo mundo deseja nos aniversários. Apague a vela e faça um desejo, mas não conte a ninguém ou não vai se realizar.

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Poucos

Existem algumas vantagens em ser um escritor com poucos leitores. A principal delas é que não tem muitas pessoas pra decepcionar com aquilo que você escreve.

    Não tenho certeza de quantas pessoas já leram meus textos, os poucos publicados antes e os vários publicados depois da criação do Cachorros devem ter atingido algumas poucas centenas de pessoas numa projeção muito otimista. Porém o feedback que eu recebo sobre aquilo que eu coloco no papel, ou publico por aqui, vem de um grupo bem restrito. Meus leitores regulares são todos conhecidos. Uns são amigos de longa data, outros de uma data nem tão longa assim, mas todos dedicam um pouco do seu precioso tempo pra me ajudar a escrever alguma coisa decente. Eles são poucos, são meus amigos, mas nem por isso cobram menos de mim.

    Quantas vezes eu já fui intimado a produzir mais coisas novas. Outras tantas me cobraram a publicação de um ou de outro texto ainda em fase de revisão. Fora as vezes em que eu recebo um “Esse tá legal, mas não tá melhor que aquele outro” por um texto que consumiu horas pra ser escrito e revisado ou ainda um “Essa é a melhor coisa que você escreveu” por um texto ainda inacabado. Isso sem contar os comentários do tipo “Queria que tivesse mais coisa, acabou rápido” ou o tão temido “Isso daria um livro, escreve mais”.

    Fico pensando nos escritores que vendem milhares de livros e na forma feroz como são cobrados pelos seus leitores. Muita gente pra atender e muita gente pra decepcionar. Espero o dia em que serei cobrado por desconhecidos e decepcionarei pessoas que eu nunca vi mais gordas. Enquanto não chega esse dia continuo aqui, escrevendo pros que colocam os olhos nos meus rascunhos e apontam os defeitos que eu não consigo ver. Pessoas que aguardam as versões finais como se esperassem pelo ultimo capítulo da novela. Que comentam o bom e o ruim sem reservas e reclamam dos finais que os enche de curiosidade.

    Para esses poucos eu digo: “Um dia sai”, “Falta sentar e escrever”, “Não sei o que fazer com ele no final”, “Ainda não sei como colocar no papel”, “Falta revisar”, “Escrever um livro dá muito trabalho” e por último, mas não menos importante, eu digo “Obrigado”.

São João

Essa semana foi comemorado o dia de São João. Eu não sou devoto de santo nenhum, também não sou uma pessoa que gosta de festa, mas ainda assim o São João é uma das minhas datas preferidas do calendário.

Não sei se eu já comentei por aqui, mas eu moro em Pernambuco, e por aqui tem duas festas que são levadas muito a sério: o Carnaval e o São João. Como não tá na época o papo sobre o Carnaval vai ficar pra uma próxima vez, voltemos ao tema de hoje. Por aqui 24 de Junho é feriado, tem festa praticamente o mês todo no interior e toca forró ininterruptamente durante 30 dias. Mas não é nada disso que me faz gostar do São João. O que realmente mexe com meu coração acontece no dia anterior. O dia 23 é o dia que vale.

Não sei se todo mundo sabe, mas é na véspera dos dias dos 3 santos juninos que são acesas as fogueiras, e é São João que ganha no quesito numero de fogueiras acesas.  Durante mais de 20 anos da minha vida eu vi meu avô fazer fogueira na véspera de São João e na véspera de São Pedro, como todos os Pedros das antigas faziam. Durante esse mesmo tempo eu vi minha mãe e minha avó produzirem maravilhas da culinária junina, inclusive a pamonha que minha mãe faz é bem apreciada pelos demais familiares, apesar da minha preferência ser do pé-de-moleque. Mas isso ainda não é o que eu gosto mesmo do São João. Pra mim São João tem gosto de infância.

Dia 23 tem gosto de soltar bomba debaixo de lata de leite, de ficar surdo com o som dos foguetes subindo, de olhar pro céu pra ver rojão estourar e ter um susto violento com o pipoco de um espirro de bode. Tem gosto de acender fogueira pontualmente às 6 da tarde, de assar milho e salsichão na brasa. De responder satisfeito com um “Sim” quando meu avô perguntava “Pegou a fogueira?”.

Esse ano o São João foi meio mirrado. Como meu avô arengou com o cara que vendia lenha, esse ano não teve fogueira. Pouca gente da família apareceu e choveu tanto que foi impossível soltar os fogos de artifício. Mesmo assim a chuva não tirou do ar o cheiro da pólvora e da fumaça. O bolo de milho ainda tinha um gosto espetacular e ainda tive uns 2 sustos por causa das bombas. Dia 23 ainda teve gosto de São João, e enquanto tiver sempre vai ser uma data boa pra mim.

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