Hoje vamos finalmente concluir a primeira história da Dama da Segunda-feira. O conto de hoje é uma continuação direta do Contos de Segunda #80. Pra saber todos os detalhes dessa história é só dar uma passada em Contos de Segunda #38, Contos de Segunda #43, Contos de Segunda #50 – Parte 01 e Contos de Segunda #50 – Parte 02, Contos de Segunda #62 e Contos de Segunda #77.
Segunda-feira estava no chão. Aparentemente ela tinha passado um tempo desacordada.
“Eu apaguei?”, pensou Segunda. “Por que será que eu apaguei? Não sei bem… Eu lembro que eu estava junto com as meninas… A gente tava fazendo alguma coisa juntas… Acho que eu tava grávida… É, eu lembro de estar grávida, mas depois não tava mais… E tinha dois meninos jogando damas… Acho que eles me chamaram pra jogar com eles e me chamaram de…”
— AIMEUDEUSOQUEESSEMENINOFALOU? — Berrou Segunda-feira quando se recuperou do desmaio. A Dama rapidamente se colocou de pé e grudou as costas na parede. Olhou ao redor e percebeu que Quarta-feira também estava desmaiada, as outras irmãs só estavam em choque.
— Ele falou “Oi, mãe. Quer jogar com a gente?” — respondeu o mais velho.
— Se a senhora não gosta de damas a gente pode fazer outra coisa — disse o mais novo.
— A senhora tá meio pálida — observou o mais velho. — A senhora tá passando mal?
— Aquela moça desmaiou também, Domingo. Acho que ela também tá passando mal.
— Domingo? — Interrompeu Terça-feira.
— É. Meu nome é Domingo — disse o garoto fungando ao fim da frase e arrumando os óculos. — Não lembro de ter nascido de óculos.
— Deve ter aparecido porque a gente acabou de descobrir que nossa mãe usa óculos.
— Mas não apareceu nada na sua cara, Sábado.
— Verdade. Vai ver que você puxou mais a ela.
— Sábado? — Indagou Quinta-feira tentando sem sucesso reanimar Quarta..
— Isso. E vocês quem são? A gente só conhece minha mãe — respondeu sábado.
— Por motivos óbvios — completou Domingo.
— Somos as outras Damas da Semana — respondeu Sexta. — A desmaiada é Quarta, essa com a maquiagem pesada é Quinta, a vestida de hippie é Terça e eu sou Sexta, a melhor de todas.
— Muito prazer… Vocês são tias da gente então? — Perguntou Sábado.
— Sim — respondeu Terça abrindo um sorriso. — Venham aqui me dar um abraço.
Os garotos sorriram e obedeceram. Depois de alguns segundos nos braços da tia, Domingo questionou.
— Por que minha mãe não pediu pra abraçar a gente?
— Parir é uma experiência meio traumática – amenizou Quinta. — E vocês vão ver que a mãe de vocês não tem exatamente todos os parafusos no lugar, mas ainda é uma pessoa fantástica.
Quinta estava certa, aquilo tudo estava sendo muito traumático. Quando ela pensou em ter filhos, na verdade em ter um filho, esperava terminar todo o processo mágicoritualistico com um bebê nos braços e não com dois meninos já meio crescidos que mal nasceram e já sabiam jogar damas. Dois seres plenamente conscientes de quem eram e de quem ela era. Ela respirou fundo, contou até três e finalmente falou.
— Meninas podem nos dar um instante a sós?
As outras Damas saíram carregando o corpo ainda inerte de Quarta-feira para a outra sala. Segunda se abaixou para ficar na altura dos filhos. Os olhos mal podiam acreditar no que estavam vendo. Depois de alguns segundos eles mal podiam enxergar alguma coisa, estavam cheios de lágrimas. Antes que os olhos transbordassem Segunda abraçou seus dois meninos.
— Eu queria tanto vocês aqui — disse ela no começo de um longo abraço.
— Mãe… Acho que já dá pra soltar a gente — disse Sábado.
— A gente tem que ir pra casa… Eu acho — completou Domingo. — A gente vai morar aqui? O que a gente vai fazer agora?
Segunda soltou os dois. Ela realmente não tinha pensado ainda nessa parte do plano.
— Bem — começou ela. — Acho que primeiro precisamos falar com a avó de vocês e torcer pra ela não transformar a gente em poeira cósmica.
A campainha tocou. A porta abriu e fechou imediatamente, logo depois alguém começou a bater na porta e Sexta apareceu correndo.
— A Mãe-de-Todas tá aqui — disse ela.
— Ah, não — suspirou Segunda.
— Quem é essa, mãe? — Perguntou Sábado.
— Deve ser a Vó-da-Gente — respondeu Domingo.
— Ah, tá.
— O que a gente vai fazer? — Perguntou Sexta.
— Não tem muito o que fazer. Manda a coroa entrar antes que ela derrube a porta.
A Dama da Lua entrou despejando uma quantidade cavalar de revolta sobre suas filhas. A que mais sofreu foi Terça que tinha fechado a porta na cara da mãe, Quarta acabou desmaiando de novo e Quinta tentou ganhar tempo com uma saudação exagerada.
— … Meu assunto não é com vocês — rosnou ela entrando na sala. — Eu quero falar com Segunda, aconteceu alguma coisa aqui e tenho certeza que foi culpa… — A Dama ancestral congelou ao ver as duas crianças. O olhar ia dos meninos para Segunda e de volta para os meninos.
— Oi, vó — disse Sábado impaciente com o silêncio.
— A gente pode chamar ela de vó? — Duvidou Domingo.
— Acho que sim — disse Segunda. — Saudações, Dama da Lua, fonte de tudo que é bom e mãe para todas nós.
— Saudações, Dama da Segunda-feira. Poderia me explicar quem são essas crianças e o que diabos está acontecendo aqui?
— Esses dois são meus filhos, Sábado e Domingo, acabaram de nascer.
— Filhos? São seus… Filhos?
— Exatamente — respondeu Segunda um pouco mais confiante.
— Eu ordeno que encontre um cavaleiro, coloco todas as tuas irmãs à disposição pra te ajudar e apareces com filhos? Como se um não fosse afronta suficiente, tu apareces com dois? DOIS!
— Meninos, por que não vão pedir pra tia Terça mostrar como ela vê o futuro nas jujubas vermelhas? Eu preciso conversar com a avó de vocês. É coisa rápida.
Os dois obedeceram.
— Quer sentar, Mãe?
— Estou nervosa demais para tomar um assento.
— Se não se incomoda eu vou me jogar nessa poltrona aqui, acabei de parir duas entidades cósmicas.
— Perdeu o juízo, Dama? Ficou louca de vez?
— Não vejo como gerar novas vidas pode ser sinal de insanidade.
— Estavas prestes a perder o controle de teus poderes, Segunda-feira. Precisavas de uma forma de esgotar tuas energias, de enfraquecer. Não só correste o risco de causar danos cósmicos irreversíveis, mas também de gerar duas entidades defeituosas, insanas e descontroladas. Uma Dama louca é algo reversível, mas uma coisa que já nasceu insana só tem a destruição como destino.
— Não me fale de Damas loucas, Mãe. Sabemos bem que nem todas podem ser controladas ou curadas. Não podem ou a senhora não quer que elas sejam.
— Não me provoque, Segunda-feira. Estou farta da tua insubordinação. Quem te ajudou?
— Não sou caboeta, Dama da Lua. Descubra a senhora.
— Não me provoque. Teu projeto de maternidade está por um fio. Com um gesto eu posso evaporar essas duas crianças.
— Não me provoque a senhora. Até onde me consta, meu santuário ainda estará ativo por mais algumas horas e eu posso estar enfraquecida pelo parto, mas eu ainda sou a dona da segunda-feira. Experimenta tocar em um táquion daqueles meninos pra ver o que acontece.
— Então é isso? Minha filha ameaça por causa dos crimes que ela mesma cometeu?
— Se encontrar um meio de me livrar da insanidade sem o uso de um mortal é um crime, Mãe, então pode me considerar culpada, mas agora eu posso te dar dois bons motivos pra me deixar seguir com a minha vida.
— Gerar filhos é um convite para o sofrimento, Segunda-feira.
— Não acontece com todas, Mãe. Não acontece sempre.
— Aconteceu comigo, Dama. A dor pode enlouquecer muito mais do que qualquer outra coisa.
— Não pense que eu não sei.
— E mesmo assim quer levar isso adiante?
— Não tenho escolha. Não lembro de casais querendo adotar entidades do tempo.
— Sabes que não vai ser fácil.
— Não estou sozinha, Mãe. Tenho minhas irmãs pra me ajudar.
A Dama da Lua deu um sorriso. Abriu os braços e abraçou a filha.
— Obrigado, Mãe.
— Me apresenta teus filhos?
— Eles vão ter que se apresentar sozinhos, faz menos de meia hora que eu conheço os dois.