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Contos de Segunda #27 – Parte 01

O conto a seguir é uma continuação da história de Cristina e Jorge, eles apareceram anteriormente nos Contos de Segunda #11 e #17

Pronta pra confra das meninas?”

    Era isso que dizia a mensagem que acabara de chegar no celular de Cristina. Ainda eram seis da manhã e aparentemente sua amiga Luciana não estava com nem um pouco de sono. E com um humor tão bom que quase dava nos nervos.

    “Pronta pra encarar a confra com o pessoal do escritório?”.

    “Mais pronta impossível, amiga, meu boy não trabalha comigo”.

    Cristina trincou os dentes de raiva. Desde o “acidente” ocorrido durante o show de um cover do Pearl Jam, a vida de Cristina tinha ficado um pouco complicada. Noventa por cento dessa complicação era culpa de Luciana. Desde aquele dia a moça se dedicava apenas a criar situações onde Cistina deveria encontrar com Jorge, ou como Luciana gostava de chamar “o boy”.

    “Tá bom de parar de testar nossa amizade, Luciana

    “Tá bom de parar de enrolar e agarrar logo teu boy, até parece q tu não quer

    O celular foi arremessado dentro do guarda-roupa, por sorte ele ficou preso em um casaco qualquer e não sofreu nenhuma avaria quando caiu no chão. A vontade de ficar em casa naquele dia estava batendo recorde, mas hoje era dia da “confra das meninas” e as meninas em questão estariam todas na confraternização da empresa. Então Cristina tentou colocar um pouco de ânimo junto com a maquiagem e partiu.

    O salão onde aconteceria a festa era no mesmo prédio em que funcionavam os escritórios. Cristina chegou cedo, pontualmente às nove da manhã. Queria reunir a assessoria de imprensa antes do evento começar. O presidente da empresa sempre fazia algum anúncio nesse tipo de evento que acabava tendo alguma repercussão. Ela contava os fotógrafos quando uma voz debochada a fez perder a conta.

    — Procurando teu boy, Cristina?

    — Trabalhando, Luciana. Não são todos que já estão de folga.

    — Pois é, deve ser por isso que teu boy não vai aparecer hoje.

    — Ele não vem? — A surpresa na voz não podia ser disfarçada.

    — Sabia que ficaria chocada — Luciana parecia se divertir cada vez mais — Nem ele, nem ninguém da galera do jurídico. Rolou algum tipo de incidente diplomático e o mundo vai desabar. Pelo menos era isso que parecia quando eu falei com Roberta mais cedo. Ela não vai pra confra das meninas.

    — Espero que seja só com eles. Da última vez que rolou um “ incidente diplomático” o pessoal da comunicação passou uma semana trabalhando junto do jurídico.

    — Pelo que eu lembro. Você passou uma semana trabalhando junto do teu boy.

    — VAI PRO INFERNO, LUCIANA.

    — Relaxa, amiga. Jorge tá de castigo e ninguém vai ficar cochichando nas costas de vocês. Pelo menos hoje

    Por que era isso que acontecia há meses. A história de Cristina e Jorge acabou “vazando” e sempre tinha alguém cochichando quando os dois se encontravam eventualmente. Não acontecer nada disso em um dia em que a maioria dos colegas estaria sob efeito de álcool era um alívio. Foi quando o telefone tocou, era Roberta.

    — Cristina, temos um problema — disse Roberta com uma voz meio triste.

    — Só me faltava essa. Que problema, Roberta?

    — Daqui a umas duas horas você precisa subir pro escritório. Dessa vez rolou um lance meio pesado, vai ter que sair uma nota oficial da empresa.

    — Ok. Subo já já e você me explica tudo.

    — Não vai dar, amiga, a galera daqui vai passar o dia resolvendo coisas fora do escritório — Ela fez uma pausa — Só vai ficar uma pessoa… E você já deve saber quem é. Tenho que ir, a gente se fala.

    Cristina desligou o telefone com vontade de matar alguém, mas no lugar disso ela falou:

    — Luciana — Respirou fundo, contou até três e continuou — Acho que eu não vou poder ir pra confra das meninas.

 

Amigo Secreto

    Poucas coisas no folclore do fim do ano conseguem ser mais notórias do que a boa e velha brincadeira de amigo secreto. Ponto alto de várias confraternizações  ou até mesmo algo que merece uma celebração particular, o amigo secreto é uma das poucas coisas que não muda em função da região, faixa etária ou da classe social dos participantes. Uma atividade lúdica e recreativa que movimenta o fim de ano de muita gente, principalmente quando se é adulto, gera uma comoção enorme entre os participantes e rende histórias pro ano inteiro. Mas o que o amigo secreto tem pra causar esse efeito nas pessoas?

    O primeiro fator determinante para a graça do amigo secreto é o fator aleatório. Não existe um ser humano na face do planeta que não veja nem um pouco de graça em sorteios e é isso que o amigo secreto é na prática, um jogo de sorte. O simples ato de tirar um papelzinho com o nome de uma pessoa já gera adrenalina equivalente à de um salto de paraquedas. A tensão, a expectativa e o risco de se dar mal transformam o ato do sorteio em algo único, ou nem tão único caso você tire seu próprio nome e tenha que refazer o sorteio. Logo depois da determinação dos resultados aleatórios temos mais uma etapa atribulada do processo: comprar o presente.

    Escolher presente pros outros nem sempre é uma tarefa simples. Caso a dama da sorte tenha lhe sorrido, seu amigo é uma pessoa que você conhece bem e, com um pouco mais de sorte, até mesmo um ser humano pelo qual você nutre alguma simpatia. Caso não você já começou a brincadeira se lascando na desvantagem, se a dama da sorte resolveu tirar uma bela onda com a sua face o risco de tirar uma pessoa que você detesta é bem grande, principalmente se o amigo secreto for realizado em ambiente de trabalho. Para fins pedagógicos vamos considerar que sempre ocorre a segunda opção. Lá está você quebrando a cabeça para dar um presente pra um ser humano que é quase um desconhecido, caso a pessoa tenha divulgado um presente que gostaria de ganhar a tarefa fica um pouco mais fácil, mas como estamos trabalhando com cenários adversos é melhor excluir essa possibilidade. Se você foi esperto o suficiente pra comprar algo genérico, não muito caro e que agrade todo tipo de pessoa, além de não ter caído na tentação de comprar um vale presente, você pode concorrer prêmio Nobel de amizade secreta, se não foi… Não tem muito o que fazer além de aceitar o fato de que o presente comprado só difere de um pedaço de cocô por causa do cheiro. Infelizmente é o que tem pra hoje, pelo menos o embrulho tá bonito e não vai fazer vergonha na hora da festa/confraternização/almoço/jantar/happy hour/desculpa que arrumaram pra justificar o amigo secreto.

    E eis que chega o grande dia. Cada um dos participantes aparece com pacotes e sacolas das mais variadas cores e tamanhos. A tensão e a expectativa crescem. Sempre tem algum desgraçado participante que falta, deixando uma pessoa sem presente e outra sem amigo secreto. Depois que finalmente todos chegam começa a brincadeira, alguém se habilita e começa o velho jogo de adivinhação, que acaba sendo meio furado por que ou o cara entrega de bandeja o nome do amigo ou faz uma descrição tão doida que ninguém acerta. O tempo vai passando e vai chegando a sua vez, a tensão começa a crescer, não só por causa do presente qualquer coisa que você comprou, mas também pelo medo de receber um presente tão qualquer coisa quanto. Sua vez chega antes, o cara que ia receber o presente acabou faltando rompendo a ordem da brincadeira, você começa a descrever seu amigo com o máximo de acurácia possível, vendo que ninguém vai acertar você diz logo quem é o fulano, entrega o presente e pela cara do sujeito se abrem duas possibilidades: ou você não errou o presente ou o cara merece o Oscar de melhor ator. Você volta pro seu lugar, aliviado, torcendo pra que o seu presente seja pelo menos o vale presente de uma loja legal.

Dezembro

Eis que chegamos à ultima página do calendário. Finalmente caiu a ficha de que 2015 está nos deixando, levando consigo uma quantidade incontável de mazelas. Porém ainda não é dessa vez que comentarei sobre esse ano tão cabuloso, o texto de hoje tem como protagonista o décimo segundo mês do ano, mais conhecido como Dezembro.

Dezembro é um dos meus meses preferidos, muito disso vem dos tempos de escola, onde Dezembro sinalizava o final de mais um ano e o início de mais um período de férias. Os filmes de natal começavam a passar na televisão, a decoração das lojas mudava e o clima de fim de ano era tão presente que era quase palpável. Hoje em dia esse mês tão cabalístico não tem o mesmo gosto de antigamente, a vida adulta acabou me roubando um pouco daquilo que me contagiava nessa época. Isso acabou me permitindo observar os curiosos ritos presentes nessa época.

Quando você fica adulto os sinais do final de ano ficam um pouco diferentes. No lugar das provas finais nós temos trabalho pra terminar antes do recesso, no lugar do presente de natal nós temos o bom e velho amigo secreto, mas não tem arauto maior do final do ano do que a confraternização. Quando a gente é criança essa palavra passa um pouco longe do nosso radar, mas quando envelhecemos é praticamente uma lei do final do ano. Seja da turma do trabalho, da faculdade, amigos do tempo do colégio, pessoal da academia, aula de inglês, pessoal da trilha, do grupo de corrida, do grupo de ciclismo ou qualquer derivado, nessa época “confraternização” é uma palavra de ordem, tudo é desculpa pra se confraternizar. Afinal é disso que as festas de ano se tratam, todo mundo junto de mão dada celebrando o amor e a união entre os povos. O lance é que em boa parte das vezes você não vê muito motivo pra se confraternizar. Em boa parte das vezes você não quer quebrar a cabeça pra achar um presente de amigo secreto que não seja uma bosta. Por isso entramos na parte mais interessante do final do ano: você não quer parecer chato.

Essa época induz um comportamento muito curioso nas pessoas, não estou falando do desejo frenético de confraternizar como se não houvesse amanhã, me refiro à aversão que você desperta nessas pessoas quando não quer participar. Isso é tratado como um crime social,  talvez o único que não tem perdão e que realmente é visto com péssimos olhos pelos demais. Afinal que tipo de pessoa se negaria a dividir momentos preciosos com essas pessoas que fizeram o seu ano uma parada tão especial?

Hoje em dia eu não vejo mais filmes de natal na tv, não sinto muito o clima de fim de ano e não me empolgo muito com a decoração natalina. Hoje em dia o fim do ano é uma linha de chegada, não só por que minhas férias começam depois do natal, mas também por que dificilmente algo fica pro ano que vem. No final do ano realmente acaba e a sensação desse término é o barato do meu dezembro.

Contos de Segunda #17

Os fatos da vida de Jorge narrados a seguir têm relação direta com fatos ocorridos na vida de Cristina, protagonista do Contos de Segunda #11

Jorge estava quase tendo um ataque de nervos. Eram 9:30 da manhã de uma segunda-feira e o departamento jurídico teria uma reunião de rotina com os coordenadores do departamento de comunicação às 10h. Jorge era do departamento jurídico e Cristina era do departamento de comunicação. Cristina detestava Jorge, disso ele sabia, assim como todo o departamento jurídico e todo o departamento de comunicação e algumas pessoas de outros setores da empresa. Porém um fato recente acabou embaralhando toda essa história.

 Tudo começou na noite de sábado. Jorge estava em casa estudando Direito Constitucional quando o celular vibrou com uma mensagem

    “Jorginho, meu querido. Preciso que tu quebre um galho”

    “Tô estudando, Fábio”

    “Amanhã tu estuda, meu velho. Preciso de um favor meio grande”

    “Diz aí, só quero saber pra tu depois não dizer que eu neguei sem saber oq era”

Jorge não negou. O favor realmente era grande, mas era bem simples. Fábio tocava numa banda que se apresentava todas as noites de sábado em uma das casas mais famosas da cidade e por causa disso muitos dos seus amigos eram músicos, um deles tocava em uma banda que se apresentaria na mesma hora do outro lado da cidade… Se o guitarrista não tivesse sofrido um acidente e quebrado a guitarra e um dedo do pé. Fábio tinha duas guitarras em casa, casa essa que ficava na rua de Jorge, Jorge esse que morava do mesmo lado da cidade onde o amigo de Fábio tocaria com a sua banda. Tudo que Jorge precisava fazer era pegar a guitarra, levar para o cara do dedo quebrado, esperar o show terminar e trazer a guitarra de volta. O show começaria às 23h, a guitarra precisava chegar uma hora antes, o show não duraria mais do que uma hora. Daria para estudar por mais algumas horas… E era um cover do Pearl Jam, pelo menos o show não seria ruim.

Ele pegou a guitarra certa, chegou na hora certa e já conseguia se imaginar voltando para casa com a missão cumprida, mas lá estava Cristina. Jorge tentava evitar o contato com Cristina sempre que podia. Apesar de não compartilhar do ódio que a moça sentia por ele, encontrar com ela normalmente era uma situação pouco agradável… Mas a desgraçada estava tão linda e tinha acabado de virar uma dose de alguma bebida bem forte… Então ele foi lá e aconteceu… Ele estava sóbrio, não podia ter deixado aquilo acontecer, mas aconteceu e agora o relógio marcava 9:55. Cinco minutos e a reunião começaria. Enquanto caminhava até a sala de reunião Jorge só conseguia pensar em como teria sido melhor continuar estudando Direito Constitucional.

Contos de Segunda #16

    Moacir deu um pulo da cama quando ouviu o despertador. Ao contrário de boa parte dos dias, hoje ele estava estranhamente bem humorado. O zumbido do ar condicionado passara despercebido, assim como o raio de sol que sempre entrava pelo buraco na cortina. Ele sentia como se nada pudesse estragar seu dia, e ele se esforçaria para tal.

    Quando foi para o chuveiro decidiu que não ouviria rádio. A única estação sintonizável do banheiro sempre tocava músicas bem irritantes e propagandas com os jingles mais chicletes que se tem noticia. Saiu do banho se perguntando por que ele se torturava todas as manhãs ouvindo àquela rádio? Depois de se vestir decidiu que não usaria relógio naquele dia, o relógio era antigo e Moacir sempre esquecia de dar corda. Tal fato era notado bastante tempo depois e gerava uma irritação tremenda no pobre homem. Saiu do quarto se perguntado por que ainda insistia em usar um relógio que sempre o deixava na mão.

    Saindo do apartamento errou o caminho do elevador e foi direto para a escada, quatro andares de escada o separavam do térreo. Com isso deixou de ouvir o barulho produzido pela porta do elevador, que sempre o fazia trincar os dentes de agonia. Enquanto descia as escadas não parou de se perguntar por que não fizera isso antes. Chegou ao térreo e foi direto para a rua, resolveu que não usaria o carro hoje. Em vez de passar mais de uma hora no transito pesado, caminharia por cinco minutos até a rua de trás, pegaria um táxi até o bairro onde trabalhava. Da rua de trás o taxista podia ir pelo sentido que não engarrafava. Ele não se incomodou de caminhar dez minutos até o escritório para que o taxista não precisasse pegar uma rua engarrafada. Tal solução nunca antes tinha passado pela sua cabeça, mas o fato dela ter passado naquele momento acabou deixando o dia um pouco melhor.

    Moacir não precisou se esforçar muito para que o trabalho não estragasse seu dia. Bastaram fones de ouvido e algumas músicas do tempo de adolescente para que nada de ruim entrasse e nada de bom saísse. As queixas dos colegas passaram despercebidas, os gritos do chefe com os fornecedores no telefone foram ignorados. Na volta para casa o plano de usar o táxi funcionou novamente, assim como ir pela escada para não ouvir o elevador. Ao chegar em casa percebeu que o jornal não fora recolhido pela manhã, ao observar a data percebeu que aquele dia maravilhoso tinha sido uma segunda-feira. Diante disso acabou decidindo que não deixaria os dias seguintes serem estragados por nada. Principalmente por ele mesmo.

Contos de Segunda #13

Robson queria fugir. Não, ele não é parte da população carcerária Brasileira. Robson trabalha num escritório de direito, de terno e gravata, todos os dias das 8 às 17. Não havia ninguém tão correto no trabalho quanto ele, que sempre chegava no horário e nunca faltava, mas secretamente ele nutria um desejo: fugir do trabalho

A raiz disso está nos tempos do colégio. Um belo dia o jovem Robson escapuliu do colégio cerca de uma hora e meia mais cedo do que o normal. Não parece muito, mas aquela sensação de estar em um lugar onde não deveria embriagou aquele adolescente que hoje estava dentro de um escritório. A sensação de fugir com certeza seria mais forte, pelo menos era isso que ele imaginava, e só era possível fazer tentando.

Ao longo da semana anterior Robson plantou uma série de informações falsas e, até certo ponto, contraditórias. A secretária do departamento sabia que ele estaria no fórum, seus amigos de baia o ouviram comentar sobre como estava chegando o último dia para recorrer de uma multa de estacionamento que ele levou por engano, a recepcionista lembrava de ouvir algo sobre ele precisar ir ao médico, seu chefe estava em reunião com clientes importantes durante todo o dia. Ninguém estranharia a ausência dele.

A ideia não era simplesmente escapar e ir para casa. Ele fugiria para algum lugar onde as pessoas estariam plenamente convencidas de que ele não devia estar ali. Por isso ele iria para a praia, de gravata, em uma segunda-feira. Quando a hora do almoço chegou ele esperou que todos saíssem, pegou suas coisas e partiu. Passou o corredor com passos acelerados, evitou o elevador e desceu os quatro andares de escada até o estacionamento, no dia em questão ele tinha vindo com o carro da irmã que, apesar de ter uma cor meio feminina, tinha uma película escura nos vidros. Chegou na rua e foi para a praia.

Liberdade. O gosto doce daquela dama preenchia sua boca e transbordava em forma de um largo sorriso. Nem o transito, nem a falta de vagas desanimaram Robson, muito menos o tempo meio nublado. Quando os pulmões dele se encheram daquela brisa salgada e ele viu um homem bastante familiar sentado em uma cadeira na areia. Embaixo de um guarda-sol estava o seu chefe, de gravata e com as mangas arregaçadas, tomando água de coco com um ar de felicidade extrema. Robson decidiu que iria para casa, pelo menos seus dois filhos estariam plenamente convencidos de que ele não deveria estar ali.

Só Não Pode Deixar Morrer

Quem mora no Recife sabe que algumas das melhores e mais antigas bancas de jornal da cidade estão na Av. Guararapes, Centro do Recife, por isso toda vez que eu vou fazer alguma coisa pelo Centro acabo passando por lá pra dar uma olhada nos quadrinhos. Por um mero acaso acabei entrando numa rápida conversa trivial com o senhor dono (pelo menos eu imagino que seja o dono) da banca sobre uma certa coleção de encadernados que anda saindo e está fazendo bastante sucesso. Tal conversa acabou me fazendo levantar um ponto relevante em relação ao meu relacionamento com as histórias em quadrinhos. Apontei três razões principais que não me deixavam comprar tudo que eu gostaria de ler: a falta de tempo para ler, falta de espaço pra guardar e a falta de grana. A resposta que eu recebi me pareceu tão interessante na hora que me motivou a escrever o texto dessa quarta-feira.

“Tempo a gente arruma”. Faz tempo que o tempo anda apertado. Se você tem a mesma sensação te dou os parabéns por já ter virado um adulto. Infelizmente o tempo é um recurso cada vez mais escasso e nós, pobres seres humanos, temos o costume de diminuir o tempo disponível para nossos hobbies e atividades recreativas de uma maneira geral. Com um pouco de esforço é possível arrumar uma brechinha na nossa vida corrida pra encaixar as coisas que fazemos por pura e simples satisfação. Cara da Banca 1×0 Filipe.

“Espaço a gente ajeita”. Quem é adepto da mídia física sabe o problema que é guardar a coleção, seja de livros, revistas ou seja lá o que for. Muitas vezes a decisão de comprar ou não comprar leva em conta o espaço disponível na estante ou prateleira. Esse tipo de raciocínio acaba sendo levado um pouco pra nossa própria vida. Quantas pessoas se privam de conhecer alguém por não ter “espaço” em suas vidas para um relacionamento? E os que deixam de fazer aquela aula daquele idioma esquisito ou desistem de voltar a estudar por acharem que já tem muitos afazeres na vida e não querem mais uma coisas pra se preocupar? Mais um ponto pro Cara da Banca. Cara da Banca 2×0 Filipe.

Obviamente ele teve que concordar comigo sobre o fator grana. Pelo menos dessa vez nós dois marcamos ponto. Cara da Banca 3×1 Filipe. Mas o que ele me disse depois foi o que realmente me impactou:

“Só não pode deixar o quadrinho morrer”.

Claro que o mercado brasileiro de quadrinhos está muito longe de ser o paraíso para as editoras, grandes e pequenas, que se atrevem a publicar obras de arte sequencial, mas será mesmo que ele estava falando sobre isso? Acredito que essa frase poderia ser lida como “Só não pode deixar o quadrinho morrer pra você”. Fim de jogo, vitória do Cara da Banca.

Contos de Segunda #12

Sono. Era o que Jorge sentia quando buscou a irmã no aeroporto às duas horas da manhã do sábado. Depois de uma série de problemas com a bagagem ele ainda sentia sono às oito da manhã, hora em que sua tia deveria estar chegando na rodoviária. Porém um acidente envolvendo duas motos, um caminhão cheio de melancias e uma viatura do Corpo de Bombeiros só deixou a pobre senhora chegar ao seu destino às dez. Jorge continuava com sono.

Sono este que persistiu ao longo de todo o sábado, enquanto Jorge ajudava o pai a comprar toda a comida e bebida que seria consumida no domingo. Os pais de Jorge completariam trinta e cinco anos de casados, a festa seria boa, parentes de todos os lados fizeram questão de aparecer. Parentes como os quatro primos de Jorge que chegaram às onze da noite, duas horas depois de dois tios e uma tia. Todos eles foram buscados por Jorge, que caiu na cama à meia-noite e acordou as cinco para começar a encher quatrocentos e noventa e oito balões de hélio.

Depois de encarar uma maratona de domingo com todos aqueles parentes, que comiam, bebiam e faziam muito barulho, Jorge só conseguia pensar no quanto estava com sono, em como estaria com sono no trabalho na segunda-feira e de como aquilo já parecia tão ruim dentro da sua pobre cabeça. E seria bem ruim, caso o despertador tivesse sido ouvido. Se Jorge tivesse conseguido chegar no escritório antes da hora do almoço, se a reunião dos chefes não tivesse durado a manhã toda ou se a simulação de incêndio não tivesse acontecido vinte minutos atrás. Apesar de tudo isso, ainda havia um problema que continuava sem solução. Jorge ainda estava com sono.

Contos de Segunda #11

Cristina estava em pânico. Era segunda-feira, ela esperava pelo elevador. O maldito pedaço de lata estava parado no sexto andar fazia uma eternidade. “Descedescedescedesce”, pensava a pobre moça, a cada segundo que passava o terror aumentava. Se ela pudesse chegar rápido à sua baia lá em cima poderia se esconder durante todo o dia sem correr o risco de encontrar com Jorge. “AI, QUE ÓDIO!”, pensava Cristina quando se lembrava do rapaz do jurídico.

O telefone vibra. Chegou uma mensagem. Era de Luciana, sua amiga e colega de trabalho.

Encontrasse com teu boy?”

“VAI PRO INFERNO, LUCIANA”

“Kkkkk relaxa, amiga, Jorge nem deve lembrar do que rolou”

“Duvido”

“Ui! O rolo de vcs foi forte assim? E eu pensando que era impressão minha”

“AI Q ÓDIO”

O elevador ainda estava no sexto andar. Cristina começava a relembrar toda a série de acontecimentos que conduziram sua vida até aquele abismo de arrependimento e aflição. Era sábado, 19h. Cris estava preparada para passar o resto da noite assistindo Grey’s Anatomy, acordar às três da manhã largada no sofá em uma posição esquisita, partir pra cama e acordar cedo no domingo para andar de bicicleta. Plano à prova de falhas… Pelo menos até Luciana mandar as três palavras mágicas: Clone de Tequila. A mensagem foi visualizada e ignorada. Afinal Cristina precisava acordar cedo, apenas a magia da tequila não seria suficiente, mas vieram mais três palavras que fizeram a magia acontecer: Pearl Jam Cover.

“Qual Cover?”, dizia a mensagem que Cristina mandou desejando que a resposta não fosse o que ela achava que seria.

“O único que vale a pena”

O coração acelerou. Existia um único cover de Pearl Jam para Cristina, e eles normalmente não tocavam em locais e horários em que ela pudesse ir. Grey’s Anatomy ficaria pra depois.

Na terceira música a tequila já tinha feito bastante efeito. Na quinta música Jorge apareceu, sem muita intenção, só aproveitou a oportunidade de despertar um pouco de simpatia numa colega de trabalho que o detestava declaradamente. Quando tocou Alive Cristina pediu para subir nos ombros de Jorge. Mais três doses de tequila e eles passaram o resto das músicas como se fossem namorados no auge da paixão. Essa parte da história é um grande vazio na memória da moça, mas Luciana estava lá. Ao contrário da amiga, Luciana não gosta de tequila, ela gosta de testemunhar. Na manhã do domingo Cristina acordou com uma ressaca inacreditável e com um relato completo da noite anterior chegando em seu celular, com direito a registro fotográfico e dois vídeos de aproximadamente trinta segundos cada. A ressaca da tequila passou a incomodar muito menos.

O elevador finalmente tinha chegado. Cristina estava sozinha dentro dele, apertando freneticamente o botão para que as portas se fechassem. Por longos segundos a porta permaneceu aberta. Segundos em que o peito da pobre moça quase explodiu. A porta fechou… E abriu novamente… Para o estagiário do financeiro. A porta fechou, o elevador começou a subir. Mais uma vez o celular vibra, um lembrete que diz: “Reunião com o pessoal do jurídico 10h”.

Contos de Segunda #8

— Preciso disso pronto pra segunda, Ferreira. Já autorizei as horas extras no sistema. Segunda de manhã, sem adiamento.

Foi isso que Ferreira ouviu antes de uma pilha de papéis aterrissar em sua mesa. Na sexta-feira. Às 17 horas. No exato instante em que o cursor do mouse estava a meio centímetro do botão de desligar. Na última vez em que os olhos dele passaram pelo relógio, o mesmo marcava 23 horas e 58 minutos do domingo. Dois minutos para a segunda-feira e o relatório que o chefe pediu estava bem longe do fim.

Ferreira passou os últimos 5 minutos encarando a tela do computador. Durante esse tempo ele tentou pensar em algum jeito de terminar o trabalho. Como não conseguiu pensar em nenhum, começou a pensar em formas de não terminar o trabalho e ainda assim continuar empregado. O último minuto foi dedicado a dar um jeito de dar uma arrumada no relatório de modo que ele parecesse terminado mesmo sem estar terminado. O que daria tempo para que de fato o relatório fosse terminado, mas essa última solução pareceu tão complicada quanto as outras duas. O relógio marcou 23:59.

Ele não tinha muito tempo, mais duas horas e o cansaço não o deixaria continuar, precisava pensar rápido. Mas só conseguia pensar no desemprego, na crise, na prestação da fritadeira sem óleo e na viagem que faria no fim do ano, que ainda estava sendo paga. Imaginou que talvez pudesse trabalhar com o pai no bar da família, afinal ele nunca gostou do trabalho no escritório. O relógio marcou 00:00 da segunda-feira.

00:00. Ferreira encarou o relógio até ele marcar 00:01. Um sorriso torto nasceu em seus lábios. Ele pendurou a bolsa no ombro, desligou o computador de qualquer jeito e saiu correndo. Chamou um táxi e foi pra casa. Chegando lá pegou alguma coisa pra beber na geladeira e fez um brinde imaginário. Olhou para o relógio na tela do celular e constatou que ele não cometido nenhum engano. Aquela segunda era mesmo feriado.

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