Não é um blog sobre cachorros e bikinis

Mês: novembro 2015

Aqui Jaz

Outro dia uma moça que trabalha na mesma empresa que eu me relatou sobre a sua momentânea falta de animo. Segundo ela o desanimo estava tão grande que ela estava morta. Sugeri então que fosse colocada uma plaquinha com um “Aqui jaz…” em cima da mesa. A ideia agradou tanto que eu continuei o comentário sugerindo um epitáfio completo, que ficou mais ou menos assim:

“Aqui jaz (nome da moça)

Fillha Amada e Esposa Dedicada”

Empolgada com a ideia e não muito satisfeita com um resumo tão sucinto ela disse “E Amiga…”, dando a deixa pra que a frase fosse completada por mim. Incapaz de imaginar algo no momento resolvi pedir um tempo pra pensar e, enquanto voltava para meu local de trabalho comecei a refletir.

Desde criança eu gosto de epitáfios. Claro que eu gostava dos que apareciam nos filmes e desenhos animados, mas a ideia de resumir o que uma pessoa significava para seus  entes queridos ou de passar uma mensagem que ilustra a personalidade do falecido usando apenas algumas palavras é um conceito que me maravilha até hoje. Porém toda essa conversa de epitáfio, lápide e defunto me fez atentar para a injustiça cometida. Depois de morrer só temos direito a uma frase. Uma só, umazinha. Não mais que algumas palavras serão nossa herança para os transeuntes do cemitério.

Imagine só viver uma vida inteira, casar e ter filhos, ser um profissional de qualquer área, ter um hobbie, ser um cidadão ativo, ajudar as pessoas, envelhecer, ou não fazer nada disso, mas ainda assim fazer alguma coisa da vida. Depois de tudo isso ter direito a apenas uma frase. Um punhado de palavras para mostrar àqueles que nunca te conheceram o que você era. Prosseguindo com meu raciocínio cheguei à conclusão de que eu estava prestes a cometer essa mesma injustiça ao completar a frase e finalizar o épitáfio da minha colega de trabalho. Uma frase é muito pouco, não só pra ela, pra qualquer um.

No final acabei completando a frase: “…de todas as horas, até nas horas finais”. A frase foi bem recebida, mas ainda senti aquele gosto que fica na boca quando se comete uma injustiça.

Dia de (Re)Finados

Todo ano é assim, novembro mal começa e já rola feriado. Ao contrário dos demais dias de folga do ano, o primeiro feriado de novembro carrega uma vibe um pouco diferente. Convenhamos que esse feriado em específico tem um ar meio mórbido, afinal ele acaba sendo mais uma data para lembrar do que para celebrar. Talvez seja desnecessário dizer, mas eu estou falando do Dia de Finados.

Não é exclusividade do nosso país ter uma data para lembrar daqueles que já foram. A forma como esse dia é celebrado vária um pouco de país pra país, mas com certeza o feriado fúnebre mais famoso do mundo é o Dia de Los Muertos, uma das maiores festas do México. Quando eu lembro dessa festa duas coisas vêm imediatamente na minha cabeça: a primeira é a Calavera Catrina, sempre retratada como uma morta bastante elegante, e a segunda é como a morte pode ser encarada sob uma perspectiva tão diferente da nossa.

Celebrar os mortos é algo que faz parte do povo mexicano desde antes da chegada dos conquistadores espanhóis. Os antigos Astecas e Maias tinham um ponto de vista em relação à morte bem diferente da nossa. Eles acreditavam que encontrar com seus deuses era uma honra e privilégio, inclusive cabe lembrar dos sacrifícios humanos que eles faziam e que ser escolhido para ser sacrificado era motivo de orgulho. Infelizmente a morte não é encarada de forma tão simples por nós. A perda de uma pessoa querida normalmente é algo pouco agradável e isso é perfeitamente reconhecível, mas sempre fico pensando em como seriam as coisas caso pensássemos diferentes.

Imagino como seria se os enterros fossem sempre grandes festas, com os falecidos em trajes de gala em um evento tão grande quanto um casamento, transformando a celebração fúnebre em algo mais refinado. Como seria legal se os funerais vikings virassem moda e todos os pertences fossem queimados junto com seu dono. Não que eu acredite que alguma dessas coisas possam ser usadas pelo defunto na vida eterna, mas o fogo em grandes proporções normalmente tem um efeito estético bastante interessante. Mesmo que não tivesse nada disso seria bom se, quando víssemos alguém partir, nos lembrássemos menos da falta que essa pessoa vai fazer e mais da diferença que ela fez.

Contos de Segunda #20

  Aderbal morreu. Aconteceu numa segunda-feira, Dia de Finados. Toda a família estava viajando, mas Aderbal acabou ficando em casa, queria aproveitar os dias de folga para fazer alguns pequenos consertos na casa e adiantar um trabalho extra que ele tinha conseguido. O plano parecia bom, o tempo parecia suficiente, tudo deu certo… Pelo menos até no domingo.

    Aderbal caiu da escada. Por sorte ele só quebrou a perna, mas acabou passando a noite no hospital. Junto com ele estava internado um segundo Aderbal, uns 15 anos mais velho e com uma dúzia de doenças diferentes. Durante a madrugada de segunda uma dessas doenças acabou matando o segundo Aderbal. Quando isso aconteceu o Aderbal da perna quebrada estava na sala de espera da emergência assistindo um dos seus filmes preferidos no Corujão. Todos esses fatores acabaram criando o cenário perfeito para fazer todos pensarem que os dois Aderbais faleceram naquela madrugada.

    Os analgésicos da meia-noite acabaram fazendo bem depois do esperado, isso deixou Aderbal nocauteado na sala de espera até a metade da manhã. Esse tempo foi suficiente para que as famílias dos dois Aderbais fossem comunicadas pelo hospital. Como só havia um corpo a ser reconhecido e todos estavam bastante perturbados pela perda recente, não é de se estranhar que tudo terminasse em confusão. Gritaria, agressões de todos os tipos, a especulação de que Aderbal tinha duas famílias e a quantidade crescente de parentes acabaram fazendo a confusão tomar conta de toda a emergência do hospital. A confusão foi tamanha que ninguém notou quando Aderbal acordou na sala de espera, agilizou sua alta com um dos médicos que ainda estava fora da confusão. Ele também não percebeu nada, a dor na perna era suficiente para ocupar todos os seus pensamentos. Ao colocar a mão no bolso percebeu que o celular havia ficado em casa. Aderbal parou o primeiro táxi que passou, estava com pressa, precisava chegar em casa antes do resto da família. Só Deus sabe o que eles pensariam quando chegassem lá e não encontrassem ninguém.

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