Vocal se mudou para uma casa nova. Na prática não existia a “casa velha” já que ela morava no mesmo apartamento de cinquenta metros quadrados desde sempre e pela primeira vez ela moraria em um lugar onde arrastar os móveis não acordava o bebê do vizinho ou que ouvir música sem fones de ouvido era uma espécie de crime, mas a melhor parte dessa mudança tinha relação com a banda. Finalmente as 4 Ladies teriam um lugar para ensaiar.

O antigo dono da casa era uma espécie de artista plástico e o local do antigo ateliê receberia um revestimento acústico e seria transformado em um estúdio. Custaria um ano de mesada de cada uma das integrantes da banda, seriam cinco anos, mas Baixo tinha uma mesada bem mais gorda do que as amigas. Amigas que não demoraram a chegar. O revestimento acústico só estaria instalado na semana seguinte, mas elas já estavam levando os equipamentos.

— Tu devia trazer tuas coisas sozinha, Bateria — reclamou Guitarra. — Minha guitarra e meu cubo já são muito pesados.

— A culpa não é minha — rosnou Bateria. — E para de reclamar que teu cubo tem rodinhas e tu nem pegasse nada muito pesado.

Guitarra estava com sua guitarra presa nas costas, o amplificador era puxado pela mão esquerda e a direita levava uma das peças menores da bateria.

— Cada uma devia cuidar do seu equipamento — rebateu Guitarra.

— Ela é quinze centimetros mais baixa e pelo menos dez quilos mais leve que a gente, Guitarra, ela ia demorar muito pra levar tudo sozinha — argumentou Baixo, ela levava o baixo nas costas e o bumbo da bateria. — Ainda demos sorte de arrumar uma kombi pra trazer as coisas pra cá.

— Isso mesmo, cala a boca e ajuda — completou Bateria. — Ou pelo menos para de atrapalhar.

— Vocês mal chegaram e já estão brigando? — Perguntou Vocal saindo do portão da frente.

— Gostei da casa, Vocal, parece que o tempo de morar num ovo acabou — elogiou Guitarra.

— Agora o plano de ter um cachorro vai sair do papel? — Perguntou Baixo.

— Só não vai rolar de chamar de Elvis — respondeu Vocal fazendo uma expressão desapontada. — É o nome do cachorro da vizinha.

— Tá, Tá. Casa bonita, muito legal, parabéns pros teus pais, mas vai ali pegar as coisas que o dono da kombi quer ir embora — interrompeu Bateria.

— Já vou, já vou. Tem uma porta lá nos fundos da casa, é só entrar por lá e armar as coisas — instruiu Vocal.

Meia hora depois o equipamento estava ligado. A bateria estava montada e uma gambiarra pouco confiável garantiu a eletricidade para os amplificadores.

— Acho que ninguém vai se incomodar se a gente tocar agora, né? — Perguntou Vocal já sabendo da resposta das amigas.

— A gente carregou tudo isso em uma kombi velha que fedia a ração de cachorro e não tinha os bancos — explicou Guitarra. — Não existe essa dúvida sobre tocar ou não.

— Eu quero dar o meu “oi” pros vizinhos — disse Bateria com uma piscadela. — E muito se engana quem pensa que eu coloquei um short só pra desfilar minhas pernas na rua.

— Vamos tocar a música nova — disse Baixo. — Guitarra, lembra de entrar depois que eu fizer a introdução uma vez, Vocal se liga de entrar depois do solo. Beleza? Bateria, conta quatro.

Uma, duas, três, quatro vezes as baquetas se bateram e a música começou. Rápida e agressiva. Os quatro corações acelerados batiam no ritmo da música, na sintonia perfeita que as quatro só tinham quando estavam juntas. Pelo menos até a poesia do momento ser interrompida. Do nada um cachorro atravessou a janela do antigo ateliê e caiu bem no meio do ensaio.

— O que foi isso? — Gritou Guitarra.

— Foi um cachorro, olha lá — disse bateria apontando para o pobre animal.

— Elvis! — Exclamou Vocal.

O pobre cachorro da vizinha parecia apenas parcialmente consciente. Ele corria em círculos furiosamente, rosnando e latindo. Ele estava quase lembrado do desejo destruidor de rasgar alguém com os dentes quando ele ouviu uma melodia que o fez parar. Baixo estava executando uma linha melódica de uma beleza que deixou até suas companheiras de banda surpresas. Poucos segundos depois Elvis estava paralisado, não demorou muito e ele caiu desacordado. Baixo colocou o seu baixo de lado, pegou o cachorro no colo e disse:

–Vou levar ele em casa e já volto.