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Tag: Espaço

Contos de Segunda #81

Espaço, a fronteira final. Milhares de anos atrás a humanidade se lançou ao espaço, hoje o Sistema Solar está completamente colonizado. Ao longo dos milênios, os humanos terraformaram Marte e Vênus, colonizaram os satélites de Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, criaram rotas de navegação para não se perderem na imensidão do espaço. Surgiram os governos setoriais, as grandes corporações mineradoras, de transporte e de logística. A humanidade alcançou um novo patamar de prosperidade e desenvolvimento… Não demorou muito para que surgisse também um novo tipo de criminoso.  

— Navegação, quanto tempo até o destino? — Questionou o capitão do cargueiro.

— Três horas e doze minutos, senhor — respondeu o oficial de navegação.

Aquela era uma viagem de rotina. O cargueiro estava transportando peças, ferramentas e outros suprimentos da Lua para a estação Marte I, localizada em Fobos, um dos satélites naturais de Marte. Normalmente os suprimentos eram enviados a partir da superfície de Marte, mas aquela carga em especial possuía algo de diferente.

— Algum sinal da nossa escolta? — Perguntou o capitão.

— Negativo, senhor — respondeu o oficial de comunicações. — Estão dezoito minutos atrasados… Senhor, perdemos contato com Marte I. Estão interferindo no nosso sinal.

O capitão demorou apenas alguns segundos para começar a despejar ordens sobre a tripulação.

— Disparem os sinalizadores. Time de artilharia, aos seus postos. Subam a blindagem da ponte e todos coloquem seus trajes de emergência, não quero ninguém morrendo por causa de uma eventual descompressão. Alguma coisa no radar?

— Não, senhor… Espere! Estou captando o sinal de um reator… É uma nave senhor… Está vindo rápido.

— Consegue identificar?

— Sim… A assinatura do transponder corresponde ao Combatente 69, senhor. É a nave de Jeannie Nitro.

— O quê? Preparem os mísseis, precisamos ganhar tempo até o reforço ou a escolta chegarem. Atirem quando essa cachorra estiver no alcance.

— Que palavras rudes, capitão — disse uma voz feminina em tom de deboche.

O rosto de Jeannie apareceu no monitor. Ao contrário de outros colegas de profissão, Jeannie Nitro gostava de conversar com os capitães das naves que estava prestes a abordar. Em algumas vezes ela conseguia um acordo razoável para as duas partes, na maioria delas tudo que conseguia era aumentar a fama.

— Vou direto ao ponto — começou ela. — Preciso que me entregue o contêiner blindado que está carregando. Um pequeno, que tem uma trava com senha. É só jogar ele, digamos, fora e eu gentilmente vou lá e pego. Cada um segue seu caminho e todos ficamos felizes.

— Não negociamos com criminosos — respondeu o capitão raivoso. — Logo nossa escolta estará aqui e você, sua maldita tripulação e essa aberração mecânica que você chama de nave vão virar poeira.

— Você sabe mesmo como agradar uma dama, capitão. Se eu fosse um pouco mais inocente estaria completamente apaixonada… Infelizmente não sou. Estou chegando, capitão. Câmbio e desligo.

A gargalhada que Jeannie deu logo depois teria matado o capitão, e qualquer um na situação dele, de raiva. Isso se ele não morresse de medo antes. Jeannie Nitro era uma das piratas espaciais mais conhecidas entre a Lua e Júpiter. Sua nave, a Combatente 69, de fato era uma aberração mecânica e justamente por isso era uma das mais temidas pelas naves civis. Rápida, ágil, equipada com armamentos proibidos e dispositivos de ocultação. Mas nada disso valeria se não fosse sua tripulação.

— Charles, assuma o sistema de armas. Eu vou pilotar — disse Jeannie em um tom mais sério.

— Sim, capitã — respondeu Charles Chacal.

— Lupita, já estamos no alcance?

— Quinze segundos, capitã — respondeu Lupe Brown.

— Walter, minhas adagas estão prontas? — disse Nitro pelo rádio.

— Esperando a ordem, capitã — respondeu a voz envelhecida pelo alto falante da ponte  de comando.  

— Entrando no alcance em três… Dois… Um… Eles dispararam, seis segundos para o impacto.

— Vou dar a volta e pegar ele por trás. Desativa esses mísseis, Charles. — disse a capitã.

Charles disparou os geradores de pulso elétrico. O pulso fritou o sistema de orientação dos mísseis e de propulsão, deixando os projéteis à deriva. A Combatente fez uma curva e se posicionou por trás do cargueiro enquanto o fogo chovia sobre ela.

— Localizei a porta do compartimento de carga — avisou Charles. — Vou disparar.

Dois projéteis de alta densidade acertaram o alvo em cheio, amassando a blindagem da porta de carga.

— Walter, lançamento ao meu sinal — disse a capitã. — Três… Dois… Um… Lançar.

A nave fez uma curva perigosamente perto da traseira do cargueiro. No mesmo instante Walter lançou dois blocos de metal que se prenderam à fuselagem com travas magnéticas. Os blocos se abriram revelando dois robôs soldadores e as Irmãs Adaga, Sheila e Dolly. Com seus maçaricos e alicates hidráulicos, levou menos de um minuto para que os dois robôs criarem duas entradas para as irmãs. Elas imediatamente sacaram seus rifles. A tripulação estava preparada. Eram pelo menos oito, a maior parte deles equipada com armas automáticas. Enquanto Dolly trocava tiros com a tripulação, Sheila programava o dispositivo gerador de campo magnético. Com a intensidade correta, o gerador atrairia apenas o contêiner desejado pela capitã. Assim que a programação terminou, Sheila arremessou uma granada contra a porta do cargueiro. A estrutura enfraquecida pelos soldadores foi arremessada para a imensidão do espaço. As duas irmãs recuaram para perto da porta, agora elas só precisavam se manter vivas até a carona chegar.

Lá fora as coisas estavam prestes a se complicar.

— Vários sinais de reator apareceram no radar, parece que a escolta deles chegou — alertou Lupe. — Capitã, transmissão chegando.

Um homem de trajes militares apareceu no monitor.

— Saudações, senhorita Nitro.

— Igualmente, Capitão Crash.

— Agora é Major Crash.

BAM. Algo atingiu a nave.

— Dois cruzadores e mais oito caças, capitã — disse Lupe. — Chegando em dez segundos.

— Entregue-se agora e prometo que não receberá pena de morte — negociou Crash.

— Consideração pelos velhos tempos? Fico emocionada, mas vai ficar pra outra hora — respondeu Jeannie encerrando a transmissão. — Tenho que pegar um prêmio.

Ela acelerou os motores ao máximo. Deu uma pirueta e desviou de um disparo, outro e outro. Os caças estavam se aproximando.

— Dentro do alcance em três… — Disse Lupe.

— Arma magnética pronta — completou Charles.

–… Dois… Um

A arma magnética foi acionada. Um campo elétrico com ajustes de frequência tão precisos que apenas os robôs, que carregavam as irmãs Adaga, e o gerador que estava dentro da nave foram puxados. O gerador serviu de condutor entre a arma e o contêiner, que saiu voando pelo compartimento de carga e aderiu à fuselagem da Combatente. A desaceleração fez com que os inimigos chegassem ainda mais perto, testando a blindagem da nave pirata com disparos cuidadosos, ninguém queria acertar o cargueiro.

Jeannie abriu a transmissão para a nave do Major Crash.

— Foi bom te ver de novo, capitão, mas eu não posso ficar — debochou ela.

— Acha mesmo que pode escapar de mim, Nitro? — Rosnou Crash.

— Como se você pudesse me pegar — respondeu ela antes de cortar a transmissão.

Charles liberou a cortina de fumaça que camuflava os sinais do reator da nave. A blindagem laminada mudou de cor para imitar o breu espacial. Os caças ainda conseguiram manter perseguição até que uma segunda cortina de fumaça interferiu nos sistemas de navegação, forçando os pilotos a desistirem. Deixando a Combatente 69 inteira para lutar em outro dia.

A Odisseia Espacial de David Bowie

No começo dessa semana recebemos a notícia da morte de David Bowie. A primeira coisa que preciso dizer é que eu não sou fã desse nobre falecido, meu conhecimento acerca da obra dele só é maior do que o conhecimento da minha avó sobre The Walking Dead. A segunda é que, apesar de saber praticamente nada sobre a obra do nosso compadre David, tem uma música dele que eu gosto muito. Uma música que eu conheci por um acaso e que conta uma história muito curta, mas tão profunda e impactante que eu não podia deixar de falar sobre ela, principalmente na semana em que o seu compositor partiu dessa pra melhor. Hoje prestarei uma pequena homenagem. Hoje vou falar sobre Space Oddity.

    Eu conheci Space Oddity quase sem querer, em um video de um canal gringo muito simpático chamado Glove and Boots. Nesse video eles fazem uma brincadeira com o astronauta Chris Hadfield, que fez um clipe tocando uma versão de  Space Oddity no espaço antes de retornar para a Terra. Foi a primeira vez que eu ouvi a história de Major Tom, pelo menos um trecho dela já que nas duas versões citadas acima o final da história do Major não é contada. Depois eu escutei a música e soube do fim da história. Foi quando eu me apaixonei por essa música.

    A música narra a viagem de Major Tom ao espaço. No começo só o que ouvimos é a voz do Controle da Missão. As orientações são passadas, a contagem regressiva é iniciada, “vá com Deus” diz o Controle da Missão, a nave decola. Ele consegue, chega ao espaço, a decolagem foi um sucesso. Os jornais vão querer saber até qual camisa Tom usava quando chegou ao espaço. Ele é autorizado a sair da cápsula, se tiver coragem. Pela primeira vez ouvimos a voz do Major Tom, ele sai pela porta, a música chega ao auge, ele começa a flutuar de uma forma muito peculiar, as estrelas que ele observam não se parecem muito com as que ele via na Terra. A música desce, o tom do Major não é mais eufórico, mas sim reflexivo. Sentado em seu pedaço de lata ele se sente impotente, diante do mundo azul. Ele sente como se ainda estivesse no mesmo lugar, apesar de ter viajado tanto. Aparentemente ele não sabe o que fazer, mas aparentemente sua nave sabe onde ir. Ele deixa que ela o leve. Ele manda uma mensagem de despedida para sua esposa. O Controle da Missão perde o contato com o astronauta. Tom continua sua reflexão, dessa vez na órbita da Lua. É o fim da música, mas não exatamente o fim da história.

    Posteriormente Tom aparece em outra música de Bowie. Nela ele é citado como uma espécie de drogado. A própria viagem de Tom narrada em Space Oddity é considerada uma alegoria para o consumo de heroína, mas isso já é outra história. Seja Tom drogado ou não, seja o seu foguete uma seringa cheia de heroína ou não, ainda temos uma história profunda de um homem que viajou para o lugar mais longe que ele conhecia, experimentou coisas que não seriam possíveis para a maioria dos seres humanos e percebeu que no final ele não tinha ido tão longe assim. Talvez ele não tenha voltado justamente por não ter ido para lugar algum.

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