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Tag: Reclamar da Vida

Porque Reclamar Faz Bem

Por incrível que pareça existem alguns hábitos do ser humano moderno que são tão antigos quanto a própria humanidade. Um deles é o hábito de se reunir ao redor da fogueira pra jogar conversa fora. Obviamente hoje em dia não fazemos fogueira com tanta frequência, mas nos reunimos ao redor das mesas de jantar, de restaurante, de buteco, de RPG ou até mesmo nos grupos de Whatsapp. Não importa qual é a fogueira, o que interessa é que ainda nos sentamos ao redor dela, da mesma forma que nossos ancestrais mais primitivos faziam, e dividimos com os outros histórias, notícias e em boa parte das vezes reclamamos da vida. Mas, ao contrário dos resmungos nossos de todas as horas, as reclamações feitas diante da fogueira funcionam quase como um terapia.

Lembro de um período da minha vida em que eu me reunia com alguns amigos quase toda sexta-feira depois do expediente.A gente se juntava, comia pizza, falava besteira e depois ia todo mundo pra casa. Mas alguma coisa curiosa acontecia quando os únicos presentes eram eu e mais dois amigos meus. Quando a gente se juntava a conversa tinha uma pauta única: reclamar do trabalho. Por uma mera coincidência, a época em que nós três tínhamos mais motivos pra reclamar do trabalho foi a época em que mais vezes só nós três aparecíamos pra comer pizza. Ficou fácil de imaginar o tanto de tempo que a gente passou reclamando do trabalho, da vida, do universo e de tudo mais. Justamente por isso hoje eu posso dizer que se não fosse por aquelas horas de reclamação eu teria encarado aquele período da minha vida profissional com muito menos ânimo.

Temos por hábito reclamar.Ou pelo menos procurar motivo para reclamar e por isso boa parte dessas queixas são bem irrelevantes pros outros. Justamente por isso que quando você se senta ao redor da “fogueira” com os seus amigos, você só reclama dos problemas de verdade. Afinal você vai ocupar o tempo de todos os participantes da conversa exclusivamente com os seus assuntos, a atenção dos amigos tem que valer a pena. Por isso os problemas que chegam à luz do fogo e ao conhecimento de todos são os problemas de verdade, os que realmente são problemas. Coisas que estão nos deixando aflitos, decisões difíceis que estão tirando o nosso sossego, assim como os planos pro futuro ou os vacilos do passado. Tudo levado diante de pessoas que também já dividiram seus problemas com você.

Reclamar não é agradável, mas pode ter um efeito bastante positivo. Por isso a mensagem de hoje é: RECLAME. Não digo pra reclamar sem parar ou achar defeito em tudo. Pense nas coisas que realmente estão piorando a sua vida e, se possível, divida com alguém. Não recomendo fazer isso publicamente, seja em redes sociais ou naquele seu grupo do Whatsapp que tem 46583628 pessoas. Tão bem selecionados quanto os problemas que serão exposto precisam ser os ouvidos que vão ouvir esse problema. E é com esse último conselho que eu encerro a série de posts sobre as reclamações nossas de cada dia. Espero demorar muito pra fazer outra série temática porque esse negócio de planejar muito e não escrever sobre outro assunto é meio chato e só é legal de verdade no final do ano.

Contos de Segunda #75

    Clovis estava um pouco insatisfeito com o seu trabalho. A lista de motivos era relativamente curta, mas o primeiro motivo tinha um peso bem maior que os outros. Clóvis não gostava de trabalhar atendendo pessoas e o trabalho dele exigia que ele atendesse pessoas na maior parte do tempo. Clóvis trabalhava em um sindicato de personagens fictícios. Mais especificamente em um departamento que cuidava de uma minoria que não tinha muita força política dentro da organização sindical. Clóvis trabalhava no DAPCS, Departamento de Apoio aos Personagens dos Contos de Segunda.

    O trabalho de Clóvis era bem simples, os personagens iam até o departamento, reclamavam sobre alguma coisa ruim que o autor dos contos fez com eles, Clóvis analisava a procedência da queixa, abria um processo e acompanhava o andamento desse processo dentro do sindicato. Infelizmente os personagens de segunda eram odiados por metade da diretoria do sindicato e normalmente os processos abertos pelos coitados não davam em nada. O que deixava os personagens ainda mais raivosos, raiva essa que era descarregada em Clóvis. Mas tudo aquilo estava para mudar. Hoje ele teria uma reunião com a mesa diretora do sindicato e a esperança dele era de ter uma resposta positiva em relação ao pedido de transferência.

    Na hora marcada ele estava lá, sentado na mesa da sala de reunião de frente para cinco representantes da diretoria do sindicato, dois secretários e mais três representantes de classe.

    — Clóvis, temos alguns assuntos para tratar — disse a vice-presidente do sindicato. —  Assuntos importantes. É por isso que este conselho se reuniu para debater sobre a sua situação.

    — Tem a ver com o meu pedido de transferência? — Perguntou Clóvis.

    — Não — respondeu um dos diretores.

    — Algo relacionado com o processo daquele mutante que exigiu a continuação da própria história ou daquela moça que teve um ataque de fúria e nocauteou um dos seguranças?

    — Não, Clóvis — adiantou-se um dos secretários.

    — Então é por causa do problema que tivemos com aquele dragão? O incêndio foi controlado tão rápido que eu pensei…Já sei! É por causa daquela moça que pediu pra nunca mais dividir um conto com o ex-colega de trabalho? Soube que ela está sofrendo com a pressão do público.

    — Não e não, Clóvis. A questão é um pouco mais séria e até certo ponto inédita — respondeu a vice-presidente.

    — Clóvis, precisamos mudar você de departamento — disse outro diretor. — Mas o ideal seria demiti-lo.

    — Me demitir? Mas por quê? — Questionou Clóvis assustado.

    — Clóvis, você agora é um personagem de Conto de Segunda. Não vai poder mais trabalhar no DAPCS.

    — Personagem de segunda? Eu? Como assim? Como aconteceu?

    — Creio que tem relação com alguma série especial sobre… — a vice-diretora colocou os óculos para ler melhor a folha de papel em sua mão. — “Reclamar da vida”. O autor achou que seria uma boa ideia falar sobre um personagem que cuidava das reclamações dos personagens dele. Apesar do péssimo histórico desse autor na administração dos seus personagens, o sindicato não pode agir diretamente contra ele nesse caso em específico.

    — Diante do histórico problemático dos personagens de segunda, temos receio de que você se torne tão problemático e inconveniente quanto todos eles. Por isso temos duas opções: te demitir ou te mandar para o departamento dos personagens de… — o diretor verificou os papéis antes de concluir a frase. — Guerra dos Tronos.

    Alguns dos participantes da reunião foram pegos de surpresa. O DAPGdT era um dos piores e mais problemáticos departamentos do sindicato. Eles recebiam queixas de cada uma das várias versões de cada personagem. Livro, série, histórias em quadrinhos, video games, jogos de tabuleiro ou qualquer outra mídia. Não era raro encontrar com três ou quatro Jon Snow entrando com uma ação conjunta contra os autores das suas respectivas histórias. Além claro das reclamações do público. Era provavelmente o mais perto que Clóvis poderia ter de um pesadelo.

    — E o meu pedido de transferência para o departamento de personagens de filme de ação? — Perguntou Clóvis esperançoso.

    — Ainda está em análise, Clóvis — respondeu um dos representantes. — Não temos muitas vagas lá e são muitos pedidos de transferência para analisar.

    — Alguma forma de agilizar esse processo?

    — Agora você está nas mãos do autor, Clóvis. A partir de agora é você e ele… Se você entrar com uma ação contra ele prometemos dar uma atenção especial para o seu caso, mas de toda forma você vai mudar de departamento para evitar conflitos de interesse ou qualquer tipo de influência que sua nova condição possa ter no seu trabalho.

    Na manhã seguinte Clóvis foi até sua sala e limpou sua mesa. Ainda segurando a caixa cheia das coisas da antiga mesa, ele pegou a senha de atendimento. Ele podia ter se tornado um personagem de segunda, mas não aceitaria de bom grado os desmandos do autor.

Reclame da Sua Vida Aqui

                Estava eu pensando sobre o conto que sairia nessa última segunda. O tema obviamente precisava combinar com a atual série de posts sobre reclamar da vida. Cheguei à conclusão de que seria uma boa criar um novo personagem e que a história teria alguma coisa a ver com um balcão de reclamações. Aí veio uma gripe muito louca, e graças a Deus bem rápida, uns problemas com o trânsito e acabou que não escrevi nada, pelo menos não ainda. Mas assim como na natureza, dentro da cabeça da gente nada se perde, tudo se transforma. Por isso resolvi aproveitar essa ideia do balcão de reclamações e fazer um exercício de imaginação junto com você, pessoa leitora.

Imagine que nós, enquanto seres viventes, temos alguns direitos na vida, algo parecido com os direitos do consumidor. Não falo de nada abstrato como felicidade, amor ou coisas do gênero, falo de ter as coisas da vida funcionando direito. Sorte suficiente para nunca esquecer o guarda-chuva em dias chuvosos, um sistema seletor de relacionamentos minimamente confiável, uma cabeça que esteja mais ou menos no lugar, uma ou duas aptidões e alguma ideia de quais caminhos estão disponíveis para seguir poderiam estar entre as coisas inclusas no pacote da vida e garantidos por lei. Agora imagine que, assim como a maioria dos produtos e serviços, existisse uma espécie de Serviço de Atendimento ao Consumidor que trabalhasse recebendo e resolvendo nossas queixas em relação aos problemas da vida que estivessem ligados a “defeitos de fabricação”, “desgaste prematuro das peças” ou “falha no sistema operacional”. Se isso existisse do que você reclamaria?

                Seria algo mais ou menos assim: você entra no posto de atendimento, pega uma senha, aguarda a sua vez e depois de ser chamado você chega lá no guichê de atendimento pra reclamar de alguma coisa. Eles anotam a sua reclamação, fazem uma avaliação pra saber se aquilo procede, se os termos da garantia (da sua vida) cobrem aquilo e se comprometem em resolver o problema ou substituir o “produto defeituoso”. Partindo do pressuposto que você saberia exatamente qual defeito você ou sua vida estavam apresentando. Não sei pra você, mas pra mim isso parece bastante interessante.

                Só pra começar eu provavelmente reclamaria dos meus problemas de sono. Ao contrário do que pode parecer, meus problemas com sono envolvem a dificuldade de permanecer acordado depois de uma certa hora da noite e a incapacidade de dormir por períodos prolongados mesmo quando horas extras de sono se fazem necessárias. Outro problema seria a minha falta de organização, que na verdade é uma espécie de organização seletiva. Já que eu facilmente consigo ser organizado com as coisas mais inúteis e ser totalmente desorganizado com as coisas que realmente importam. Tudo isso só pra começar.

                Eu poderia passar mais uns dois anos aqui só escrevendo as coisas que estão erradas em mim, mas aí eu perderia totalmente o foco. A ideia aqui é justamente jogar essa peteca pro leitor e é por isso que vou repetir a pergunta: do que você reclamaria? Pare, pense e se possível me diga. Tenho certeza que com um pouco de imaginação todos nós chegaremos a conclusões interessantes.

Tá Tudo Uma Bosta 2.0

                Lá nos primórdios do Cachorros de Bikini eu publiquei “Tá Tudo Uma Bosta”, um texto que fala sobre não ter vergonha de admitir que as coisas estão um cocô. Como estamos em uma série de textos sobre reclamar da vida, achei pertinente revisitar o tema sob outra perspectiva.

                Pare pra pensar um pouco junto comigo. Basicamente existem duas formas de estar tudo uma bosta. A primeira é quando de fato as coisas estão uma bosta, seja por causa de um evento específico ou por um conjunto de eventos ruins. Quando isso acontece a gente costuma reagir de forma corajosa, pega o boi pelos chifres e enfrenta o desafio de frente, muitas vezes sem nem dizer aos outros que pelo que estamos passando. Isso acontece principalmente pelo fato de estarmos enfrentando situações e problemas realmente ruins. Comprovando que é diante das dificuldades que o ser humano mostra o que tem de melhor. Mas aí chegamos à segunda e principal forma de tudo estar uma bosta: quando elas parecem estar uma bosta. E é diante dessa segunda forma que o ser humano costuma reagir de forma menos, digamos, nobre.

                Junte uns boletos que ainda não foram pagos, uma hora ou duas preso no trânsito, uma bronca do chefe e um banho indesejado de chuva. Pronto, essa é a receita pra fazer alguém chegar à conclusão de que está tudo uma grandessíssima bosta. Obviamente tudo isso está longe de ser algo bom, mas são eventos pontuais que dificilmente acontecem juntos com muita frequência. Eventos que normalmente não estão sob nosso controle e seus malefícios têm um efeito de curta duração. São mais incômodos do que problemas e é justamente por isso que não temos muito o que fazer e é justamente nessa falta de opções para gastar as energias geradas pelas pequenas desgraças que nasce a vontade de reclamar.

                Tão certo como um dia após o outro é a reclamação nossa de cada dia. As pequenas coisas ruins da vida se aglomeram para formar um monstro que nos envenena a mente e nos transforma no tipo mais azedo de ser humano. Resmungamos sem parar e até as coisas boas são enxergadas através das lentes fecais do mau humor. E não basta só resmungar pro amiguinho do lado, desenvolvemos a necessidade de espalhar aos quatro ventos as desgraças que estão acontecendo nas nossas vidas e nesse ponto a internet exerce um papel fundamental. Se antes nossas queixas eram compartilhadas apenas com as pessoas fisicamente próximas, agora podemos literalmente falar isso pra todo mundo. Nem preciso dizer que por causa disso o que a gente mais vê por aí é gente reclamando de tudo na internet. Inclusive tem a galera que faz APENAS isso da vida, ou pelo menos da vida virtual.

                Por fim gostaria de lembrar que as aparências enganam. Não é porque tem cara de bosta e cheiro de bosta que tá tudo uma bosta. Muitas vezes as coisas não vão tão mal quanto parece, outras vezes elas estão indo até bem. Às vezes só depende de como vemos as coisas.

Até Quando Tá Bom é Ruim

    Hoje estava eu retornando para o meu humilde lar quando me deparei com uma situação (quase) inédita. O trânsito desgraçado que normalmente encaro quando saio do Recife em dia de sexta-feira não apareceu. No lugar dele eu peguei um trânsito bem próximo daquele que eu pego nos outros dias da semana. Qualquer um no meu lugar estaria no mínimo satisfeito por ter errado a previsão e eu de fato estava satisfeito por ter minhas expectativas frustradas… Mais ou menos satisfeito.

Por um acaso hoje eu estava dando carona e a primeira coisa que eu fiz quando ela entrou no carro foi alertar para o trânsito que a gente teoricamente iria pegar. Antes de chegar ao ponto onde o trânsito é mais complicado, comecei a notar que tudo estava fluindo anormalmente bem. Coisas do tipo “já era pra estar engarrafado por aqui” começaram a surgir entre as trivialidades da conversa em um misto de surpresa e decepção. Quando eu cheguei à saída do Hellcife, onde não só a sua paciência, mas também a sua fé costuma ser testada, percebi que não pegaria nem metade do trânsito das sextas anteriores. Obviamente comecei a listar todas as características desgraçadas do trânsito de sexta e de como nada daquilo estava acontecendo. Foi nesse momento que eu e a carona chegamos a uma mesma conclusão: eu estava reclamando do trânsito.

Reclamar é uma das coisas que a gente faz com mais naturalidade. O ser humano passa uma parte considerável da sua existência se incomodando com alguma coisa. Inclusive eu acredito que um dos maiores incômodos que podemos ter é o de errar previsões.

Errar já é uma coisa chata, mas dar um palpite com quase 100% de chance de acerto é e ainda assim errar na previsão é muito pior. Agora imagine o que acontece quando você prevê algo ruim, uma desgraça sem tamanho, uma mazela de proporções bíblicas… Ou o trânsito de sexta na saída do Recife. Está você lá pensando que vai virar a esquina e encontrar com um monstro de filme japonês, mas logo depois você topa com um cara com uma fantasia de carnaval mal feita. Rola um alívio momentâneo, mas logo depois você percebe que toda a sua preparação psicológica foi pro saco e todo aquele aço nos seus nervos não vão servir pra mais nada. Não tem outra, você começa a reclamar.

Esse é o primeiro de uma série de posts sobre reclamar da vida. Tive essa ideia maravilhosa agora e provavelmente me arrependerei amargamente de assumir esse compromisso, mas se eu não fizer isso não terei motivo pra reclamar de nada e é com esse final que pode gerar alguma reclamação sua que eu encerro o post dessa sexta.

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