Erick caçava dragões. Desistiu de caçar depois de encontrar com um certo dragão vermelho, embaixo de uma certa árvore no topo de uma certa colina. Um dragão que, segundo diziam, era impossível de ser caçado. Tal afirmação não era uma mentira completa. Cada caçador que tentou por um fim à vida da fera foi convencido a mudar de profissão. Justamente por isso que o Sindicato dos Caçadores de Dragões ordenou que um grupo de caçadores pusesse um fim na vida daquele réptil tão perigoso. De alguma forma o dragão convenceu a todos que merecia, pelo menos, um julgamento justo. O julgamento aconteceria na sede do Sindicato. Era por isso que Erick estava lá.

    Todos da cidade estavam indo para a antiga arena. Muito tempo atrás, quando os primeiros caçadores desenvolveram as técnicas para combater os dragões, as feras eram aprisionadas na arena para serem utilizadas no treinamento. As pessoas entravam pelos portões na direção das arquibancadas, mas Erick fora convocado como uma testemunha, ele entraria por outro lugar.

    — Saudações, Erick — disse o homem que guardava a porta da área restrita da arena.

    — Saudações, Peter — respondeu o ex-caçador. — Semana agitada, hein?

    — Nem me fale, Erick. Desde o dia em que essa fera chegou que não temos sossego.

    — O julgamento começa quando?

    — Creio que já está para começar — respondeu Peter. — Já deram a ordem para retirar a fera do calabouço.

    Erick entrou na arena. As arquibancadas estavam lotadas de gente. Na arena um palanque foi erguido para as testemunhas, ao lado dele estava o dragão vermelho, deitado e aparentemente adormecido. No camarote estava o líder do Sindicato, Henry, sentados sobre o palanque estavam Charles, Robert, Harold e John, caçadores aposentados como ele.

    — Saudações, Erick — disse o dragão quando ele se aproximou.

    — Saudações, dragão. Vejo que se meteu em uma bela confusão desta vez.

    — Certamente, meu caro. Como bem sabes, os problemas não cansam de me procurar. Deve ser mal da espécie.

    — Seria melhor ter fugido, dragão.

    — Me achariam em qualquer lugar, Erick. Meu gosto por viver ao ar livre me impede de ficar escondido como os outros dragões da minha idade. Um tio meu passou o último século adormecido dentro de uma montanha, um total absurdo.

    Um martelo bateu sobre a bancada do camarote. Todos se calaram, Erick assumiu seu lugar. O julgamento estava para começar.

    — Senhoras e senhores. Cidadãos do reino. Eu, Henry, estou aqui para conduzir o solene julgamento desta fera que está diante de todos. Acusado de provocar a deserção de pelo menos cinco caçadores membros de nosso sindicato. Suspeitamos que foram aplicados meios nefastos para controlar a mente desses desertores e decidimos que a execução deste dragão é inevitável. Mesmo diante da morte iminente, ele pediu por um julgamento antes da execução… Dragão, estás pronto para responder às minhas perguntas?

    — Certamente — respondeu ele se levantando.

    — É verdade que todos os dragões possuem conhecimento de feitiçaria?

    — Sim. A capacidade para tal aparece a partir de algumas centenas de anos

    — É verdade que a forma de feitiçaria preferida pelos dragões é a que afeta a mente?

    — Por boa parte de nós sim, mas não é uma regra.

    — É uma forma preferida por ti, dragão?

    — Tenho preferência por transfiguração, piromancia e clarividência de forma geral.

    — Reconheces que um dragão de certa idade é muito mais astuto do que um ser humano?

    — Não se vive muito sem uma boa dose de astúcia.

    — Astúcia suficiente para manipular a mente de um ser humano?

    — Leva um certo tempo, mas é possível.

    — Então admites que, se essa fosse a sua vontade, poderia manipular um ser humano sem muita dificuldade?

    — Desconheço as reais dificuldades. Nunca pratiquei tal coisa.

    Henry parou um pouco. O dragão era astuto o suficiente para não cair em contradição… Talvez os caçadores não fossem tão astutos quanto ele.

    — Sou grato, dragão — disse ele. — Passo agora para as testemunhas… Cada um de vocês trabalhou por anos no extermínio dos dragões. Trouxeram paz e prosperidade para o reino. Em troca de que abandonaram uma vida tão cheia de honras? O que fizeram de suas vidas?

    — Me tornei um sapateiro — respondeu Charles.

    — Construí um moinho — respondeu Robert.

    — Me tornei criador de cavalos — respondeu John.

    — Me tornei um vendedor ambulante — respondeu Erick.

    — Me tornei fazendeiro, crio vacas e cabras — respondeu Harold.

    — Por qual motivo abandonaram o nobre ofício de caçar dragões?

    — É muito perigoso — respondeu Charles.

    — Tive muitos problemas com minha esposa por causa do trabalho – respondeu Robert.

    — Bafo de dragão me dá alergia — respondeu John.

— Não estava conseguindo cumprir as metas estabelecidas pelo sindicato — respondeu Erick.

    — Eu precisava de novos desafios — disse Harold.

    — Mas vocês só perceberam isso depois de conversar com o dragão vermelho, correto?

    Todos balançaram a cabeça concordando. Henry precisava agir rápido, nada estava saindo daquele interrogatório.

    — Se temos aqui um dragão clarividente, fica claro que ele usou seus poderes para não só descobrir se estava correndo o risco de ser atacado, mas também quem o atacaria e de que forma ele poderia quebrar a vontade do caçador. Nega isso também, dragão?

    — Sempre utilizei minhas habilidades para me defender de ataques, mas nunca espionei qualquer caçador. Quando se vive tanto quanto eu, não é necessário o uso de mágica para ver nos olhos de um homem que ele deseja uma vida diferente.

    — Finalmente temos uma confissão — disse Henry escancarando um sorriso. — Guardas, levem-no de volta para a masmorra. A execução será em alguns dias.

    — O quê? — Perguntou o dragão confuso. — Não, não pode!. Eu sou inocente.

    O dragão gritou durante todo o caminho até a masmorra. Mesmo tendo o poder para tal, ele não matou nenhum dos guardas, não cuspiu fogo ou tentou fugir. Mesmo condenado, o dragão vermelho fazia questão de se manter inocente até o fim.

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