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Contos de Segunda #7

Josias era terapeuta. Ao longo dos anos ele percebeu em seus pacientes um ponto em comum. Todos sentiam aversão pela segunda-feira, mas alguns deles possuíam uma espécie de depressão associada ao primeiro dia útil da semana. Ele precisava dar um jeito nisso.

Depois de muita pesquisa e de muitas experiências, ele chegou à conclusão de que a hipnose seria a melhor forma de combater essa depressão. Através de uma série de gatilhos mentais, mensagens subliminares e coisas do tipo, o paciente se tornava incapaz de lembrar coisas associadas à segunda-feira. Coisas como se fosse impossível perceber que era segunda, ou que amanhã seria segunda, ou que ontem foi segunda. Saber que o dia 23 cai no início da semana, mas não saber que isso era uma segunda-feira. Criar esses bloqueios de modo que o paciente não seja prejudicado em sua vida cotidiana foi um verdadeiro desafio, rendendo renome internacional e vários prêmios. Porém Josias escondia um segredo. Na verdade ele mesmo foi o principal motivo para o início das pesquisas. Josias sofria da depressão associada à segunda-feira, mas por algum motivo misterioso ele era imune ao tratamento hipnótico.

Ele tentou com neurologistas e psiquiatras, mas não descobriu como poderia fazer o tratamento funcionar. Pelo menos não de forma tranquila. Cansado de ver pacientes livres de seus traumas, enquanto ele amargava o sofrimento e a tristeza gerada pela segunda, Josias resolveu aumentar a intensidade dos estímulos, ativar vários gatilhos mentais ao mesmo tempo e prolongar o tempo de exposição… Deu resultado… Mas não o resultado esperado.

Atualmente Josias ocupa uma cela no manicômio judiciário. Ele foi preso por ter assassinado um homem após uma discussão onde o mesmo afirmou ser quarta-feira. Para Josias era segunda-feira, assim como em todos os outros dias

Contos de Segunda #6

Rubens estava deprimido, como em todos os domingos quando terminava o Fantástico. O ultimo suspiro do fim de semana. O primeiro indício da chegada da segunda-feira. De tão tranquilo provavelmente a única coisa que fazia Rubens reclamar era a segunda-feira e tudo que tinha alguma relação com ela. Ele tinha isso bem vivo no pensamento quando tropeçou em uma lâmpada mágica de onde saiu um gênio oferecendo três desejos.

– Eu desejo que não exista mais segunda-feira – disse ele entusiasmado.

– Pense bem – respondeu o gênio – a semana de trabalho tem que começar por algum lugar, se não for a segunda será a terça. Não posso realizar esse tipo de desejo.

– Então acabe com o domingo. No desejo seguinte farei a sexta-feira se tornar um feriado eterno.

– O mal será o mesmo. Os dias mudarão de nome e carregarão o mesmo estigma. Não posso desperdiçar meus poderes cósmicos dessa forma. Não posso realizar esse tipo de desejo.

“Foi-se o tempo em que as coisas de graça eram realmente de graça” pensou Rubens. A suspeita de que o gênio estava tentando dar um jeito de não atender desejo algum. Tinha que ser algo que funcionasse bem e que o gênio não pudesse deixar de fazer. E foi o que aconteceu.

Na noite daquela mesma segunda-feira, Jorge ligou a TV e viu o resultado do seu primeiro desejo: o Fantástico mudara de horário, agora seria exibido nas noites de segunda. Logo depois o resultado do segundo desejo: nos domingos a noite os programas exibidos seriam totalmente aleatórios, impedindo que esses programas fossem de alguma forma associados com o fim do final de semana. Mas e o terceiro?

Bem, o terceiro desejo foi simples. Motivado pela insatisfação, raiva e frustração. Além da vontade de ajudar o próximo ser humano que topasse com o gênio. Rubens desejou que a partir daquele dia mais nenhum desejo podia ser negado. Nunca mais.

 

Contos de Segunda #3

Aluísio tinha uma relação muito particular com a Segunda-feira. Praticamente todas as coisas relevantes da sua vida aconteciam no primeiro dia útil da semana. Todas elas.

Nasceu em uma segunda-feira dia 02 de fevereiro, no segundo ano de mandato do presidente na época, coincidentemente o segundo ano da década. Numa segunda aprendeu a falar, em outra a andar. Nos tempos que jogava futsal na escola sempre se destacava, caso o jogo acontecesse em uma segunda. Sempre se destacou nas provas, caso o resultado das mesmas fosse divulgado no começo da semana. O mesmo ocorreu quando ele passou no vestibular, na segunda vez. Ele também conheceu Amélia numa segunda.

Amélia e Aluísio se conheceram, começara a namorar e ficaram noivos em três segundas bem distintas. E apesar de todas essas coincidências eles tentaram se casar em um domingo. Mal sabiam eles que não conseguiriam.

Ao marcar a data o detalhe do dia da semana passou despercebido. Na verdade só quando Aluísio acordou naquele domingo percebeu o tamanho do problema. Ele deveria ter marcado o casamento na sexta ou no sábado. O domingo estava tão perigosamente perto da segunda que ele já estava conformado com o insucesso da cerimônia. Como preocupar a noiva só anteciparia o desastre, nada em relação ao problema do calendário foi informado.

A cerimônia estava marcada para as 16 horas. A noiva entrou na igreja às 17. Essa hora de atraso acabou fazendo com que o padre tivesse uma reação alérgica devido ao tempo exposto às flores no altar. Enquanto ele era socorrido um ex-namorado de uma das madrinhas, inconformado com a separação, entrou armado na igreja e fez os convidados de refém. A polícia conseguiu prender o ex-namorado após algumas horas de negociação, mas todos os convidados precisaram prestar depoimento sobre o fato ocorrido. Tudo isso fez com que a mãe da noiva tivesse uma forte crise de ansiedade, o que deixou a noiva psicologicamente incapacitada por mais de uma hora. Mais ou menos na hora que o padre voltou do hospital. Mas o pobre sacerdote voltara praticamente sem voz. Por sorte ele e os noivos sabiam falar em linguagem de sinais,  mas faltou luz antes da cerimônia poder ser iniciada.

Quando o relógio bateu meia-noite a luz voltou, o ultimo convidado concluiu seu depoimento, a voz do padre voltou e os nervos da noiva se recuperaram. Afinal, era segunda e as coisas importantes da vida só aconteciam junto com ela, pelo menos com Aluísio era sempre assim.

Contos de Segunda #2

“É segunda-feira, mas não é o fim do mundo”, era isso que Maurício sempre falava pra si mesmo toda segunda de manhã antes de sair pra trabalhar. Até que de fato o mundo acabou. Segunda passada foi o início do fim dos tempos, e depois de uma sequência inacreditável de hecatombes como desastres naturais, guerras nucleares, infestações de zumbis, epidemias de super bactérias, colapso social e ondas de barbárie o mundo acabou.. Se Deus queria dar um fim pro mundo ele estava realmente apressado. Muito provavelmente por um motivo bastante simples: o primeiro dia depois do fim do mundo precisava ser uma segunda-feira.

Naquela manhã Mauricio se levantou pensando no que iria fazer. Se tem alguma coisa que te deixa sem muitas opções ela perde feio pro fim do mundo nesse quesito. Estava rolando um boato na vizinhança de que algumas pessoas estavam se organizando no centro da cidade. Doze quilômetros a pé por dentro de uma antiga área ocupada por zumbis. Atualmente só os arruaceiros matadores de zumbi viviam por lá, mas os zumbis estavam extintos e a maioria dos arruaceiros não queria mais fazer arruaça. A área ainda mostrava as consequências dos tempos  áureos em que o problema dos zumbis estava em alta, na terça-feira passada. Na falta do que fazer ir para o centro parecia ser a melhor opção

O caminho pro centro na manhã do primeiro dia útil da semana continuava tão ruim quanto era no mundo que acabou. As pontes que ligavam o centro às outras partes da cidade estavam com a estrutura comprometida por isso todos que precisavam atravessá-las faziam isso devagar e em pequenos grupos. Isso deixou o caminho pela ponte bem “congestionado”, juntamente com o protesto de religiosos enfurecidos de um movimento que reivindicava o direito de ir para o paraíso antes ou durante o fim do mundo.

Ao chegar no centro ele encontrou com uma movimentação meio acelerada de pessoas nas ruas. Algumas carregavam sacos com alimentos, outros com pedaços de escombros que ainda tinham alguma serventia eram acompanhados por pessoas com ferramentas. Não demorou muito para que ele fosse notado por alguém que estava organizando os trabalhos. Ele disse:

Procurando por trabalho? É só passar no Departamento Pessoal, lá eles encontram uma coisa pra você fazer.

Naquele momento Maurício precisou se conformar com o fato de que apesar do fim do mundo a segunda-feira continuava a mesma coisa. Enquanto esperava para ser atendido pelo Departamento Pessoal olhou ao redor, respirou fundo e pensou.

“Podia ser bem pior. É segunda-feira, mas não é o fim do mundo, isso foi na segunda-feira passada”.

Sexta-Feira

Sexta-feira.

De todos os dias da semana não há mística maior do que aquela que envolve a Sexta.  Nem mesmo a Segunda consagrada como um dia maldito pelos seus eternos desafetos consegue superar o véu tecido pelos adoradores do sexto dia. Não são todos que detestam a pobre Segunda-feira, mas dificilmente existe um ser racional que não goste da Sexta.

Ela é um daqueles bastiões de igualdade que existem no mundo. Não importa o que você vai fazer. Se você vai beber até cair, se vai até altas horas em uma balada, se vai se agarrar com um numero incontável de elementos do sexo oposto ou se vai simplesmente capotar no sofá durante o intervalo da novela. O momento único em que todas as amarras se soltam, você respira fundo e pensa: “Agora só Segunda” não acontece só comigo e com você, é algo compartilhado por todos os mortais.

É nesse momento mágico que a deusa Sexta desce de seu trono celeste e abraça todos os mortais com amor, liberdade e a possibilidade de não trabalhar ressacado no outro dia. Em um instante o abraço quase materno do fim do sexto dia tira de você o gosto amargo das quatro segundas-feiras que vieram antes, trocando-o pelo sabor doce da noite de sexta-feira.

A noite de Sexta não é excludente e discriminatória como a noite de Sábado, que massacra sem dó os solitários, os tímidos e os desprovidos de grana ou de ânimo pra sair de sua casa. Para noite de Sexta está reservado o ritual mais sagrado da semana, aquele que normalmente nos faz acordar mais tarde no outro dia e dar graças a Deus por ser sábado. Depois disso o que resta são os 20 minutos que o fim de semana costuma durar. Mas os dois dias que se seguem nunca serão tão mágicos quanto a doce Sexta, são logo eclipsados pela sombra negra da segunda-feira. E quando ela finalmente chega não é por sábados ou domingos que nossos corações anseiam. Clamamos por ela, clamamos pela Sexta. É só ela que queremos.

No final nada disso importa, até por que hoje é sexta, qualquer coisa além disso pode esperar até semana que vem.

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