— Puxe uma cadeira, Carmim, a história é meio longa — foi o que o chefe de polícia disse quando eu abri a porta da sala.

Era uma segunda-feira chuvosa de um dos invernos mais gelados dos últimos anos. Eu mal tinha terminado de almoçar quando recebi uma ligação do departamento de polícia. Não quiseram me adiantar nada pelo telefone, mas pediram para aparecer na central assim que possível, de preferência imediatamente. O cheiro ruim chegou às minhas narinas bem antes de eu sair do meu escritório e não melhorou nada depois da minha conversa com o Chefe O’Hara.

— Não estou para histórias longas, Chefe.

— Muito ocupado?

— Bem menos do que eu gostaria, mas algo me diz que o senhor me chamou aqui porque arrumou um problema que está difícil de resolver. Um problema que não é meu, mas vai ser, assim como todos os prejuízos que a resolução desse problema vai trazer.

— Deixe de ser chorão, Carmim — desdenhou o chefe torcendo o rosto em uma careta. — Você sempre foi muito bem remunerado pelos serviços prestados ao Departamento.

— Além de todas as despesas médicas. Da última vez eu fui baleado duas vezes, uma delas por um dos seus homens.

— Nem sempre é possível saber quais dos policiais têm ligação com o crime, detetive, e suas roupas vermelhas também não te ajudam quando alguém precisa decidir em quem atirar.

— Melhor cortar essa discussão e partir logo para o assunto, Chefe.

— Pois bem — disse ele se ajeitando na cadeira. — Imagino que esteja ciente do desaparecimento de algumas pessoas nos últimos tempos.

— Pessoas desaparecem, Chefe. Acontece em todo lugar.

— Já ouviu falar de William Doyle?

— Magnata da indústria têxtil.

— Desaparecido há cinco semanas — disse O’Hara colocando a foto do desaparecido sobre a mesa. — Lembra de Dominique Loup?

— A cantora? Ela estava sendo vítima de chantagem e me contratou para descobrir quem era o chantagista.

— Três semanas atrás ela cantou na rádio e errou o caminho quando voltava para casa — mais uma foto sobre a mesa. — Não foi vista desde então. Imagino que conheça Klaus Gleizer.

— Não costumo me relacionar com banqueiros, mas sei bem quem é.

— Desapareceu na semana passada — outra foto sobre a mesa.

— Pensei que os ricaços só desapareciam quando sequestrados.

— Não é o caso, Carmim. Não houve nenhum contato posterior ao desaparecimento.

— A polícia sabe onde eles desapareceram?

— Não. Os três circulavam por áreas bem distintas da cidade e não encontramos nenhuma ligação entre eles.

— Alguma informação útil das famílias?

— Doyle é viúvo e nunca teve filhos, Dominique aparentemente cortou ligações com a família quando decidiu seguir a carreira artística, quem nos procurou foi o seu empresário.

— E Klaus Gleizer?

— A família toda vive na Europa e a diretoria do banco optou por manter o desaparecimento em segredo por enquanto. Eles imaginam que tudo se resolverá em poucos dias.

— Alguma notícia de outros desaparecimentos em circunstâncias similares?

— Até agora não.

— Infelizmente não vou poder cobrar o valor de sempre. Esse caso tem cara de que vai dar muito trabalho ou muita dor de cabeça.

— Considere um aumento de vinte por cento. Estou sendo pressionado por todos os lados por causa desses desaparecimentos.

— Algum dos seus vai me auxiliar?

— Me aponte um culpado e vai ter todo o auxílio que precisar.

Provavelmente algum auxílio médico.

— Darei notícias assim que possível — me levantei ainda no meio da frase. — Se importa se eu ficar com as fotos?

— De forma alguma. Pedi para colocarem algumas informações úteis no verso. Não posso fornecer nossos arquivos, mas não vou te deixar às cegas.

— Não esperava menos do senhor.

Na verdade eu esperava bem mais, sempre se espera bem mais da polícia.

A volta para o escritório foi rápida. As informações dadas pelo Chefe O’Hara estavam se batendo sem rumo dentro do meu cérebro e eu precisava começar a ligar os pontos, mas não antes de dar alguns telefonemas. Uma busca minuciosa na casa dos desaparecidos e as coisas começariam a fazer sentido. Entrei no prédio, subi alguns lances de escada e parei diante da porta entreaberta. Saquei a pistola e tentei ver algo pela brecha da porta. Não pude ver nada, mas o perfume que eu senti me fez guardar a arma, mas não me deixou mais tranquilo. Abri a porta devagar e encarei a mulher que me esperava sentada na minha cadeira com os pés sobre a mesa.

— Precisa de trancas melhores, Carmim.

— Trancas boas não me dizem quando alguém arromba meu escritório, Angela. Pensei que não gostasse de vir aqui, você costuma ligar.

Angela Bevoir era um dos maiores problemas da minha vida e também uma boa cliente. Normalmente o pagamento compensava a dor de cabeça, mas só a dor de cabeça.

— Não gosto. A localização é péssima, a limpeza é no mínimo questionável e os degraus são muito altos, mas o assunto é urgente.

— E qual seria?

— Ontem eu quase fui sequestrada — disse ela acendendo um cigarro. — Quero saber o porquê. Pode me ajudar?

— Depende.

— Do quê?

— Do quanto você sabe sobre a nova moda entre os ricaços da cidade.

— E qual seria?

— Desaparecer.

 

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