Não é um blog sobre cachorros e bikinis

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Contos de Segunda #84 – Edição de Greve

Clóvis acordou cedo. Na verdade ele mal dormiu, afinal aquele era um dia muito importante. Durante boa parte da vida, Clóvis trabalhou em um sindicato de personagens fictícios, ele era responsável pelo DAPCS, Departamento de Apoio aos Personagens dos Contos de Segunda. Tudo isso mudou quando o próprio Clóvis se tornou um personagem em um conto de segunda. Obviamente ele não aceitou bem, principalmente por ter sido removido de seu departamento de origem para o departamento que cuida dos personagens de Guerra dos Tronos. O seu descontentamento e as condições de trabalho péssimas que os personagens de segunda têm motivaram Clóvis a agir.

Depois de muito conversar ele conseguiu organizar uma paralisação. Aconteceu ontem, no Dia do Trabalhador, uma segunda-feira. Essa paralisação foi um aviso ao autor, se as reivindicações da categoria não fossem atendidas, seria deflagrada uma greve geral dos personagens. Hoje era o dia marcado para que o autor entregasse aos personagens seu parecer.

Todos estavam reunidos em um dos auditórios do sindicato. Protagonistas e coadjuvantes. Homens e mulheres de idades variadas, dois dragões, dois cachorros, um papagaio, dois robôs e uma inteligência artificial criada para mediar e prevenir conflitos. Nenhum deles parecia muito satisfeito.

— Companheiros — começou Clóvis ao microfone dando início à reunião. — Hoje o autor conhece o poder que temos. Conseguimos paralisar a publicação de novos contos, conseguimos trazer o nosso tirano para dialogar e hoje só haverá publicação porque nós permitimos. O autor está aqui para nos ouvir. Ele já conhece nossa pauta, mas ela será repassada aqui para que seja registrada na ata desta reunião. O autor se encontra presente.

Dou um suspiro antes de responder… Sim, Clóvis, estou aqui. Boa tarde, pessoal. Boa parte dos personagens não me cumprimenta de volta, aparentemente eles estão bem chateados.

— Cada ponto da nossa pauta foi definido por um personagem, ou personagens que existem dentro de um mesmo conjunto de contos — continuou Clóvis. — O microfone está aberto.

O primeiro a levantar foi Dimitri, o vampiro.

— Nós exigimos contos com finais melhores — disse ele. — Muitas ideias excelentes são transformadas em fezes por causa de finais terríveis. Quantos além de mim sofrem com isso? Demandamos uma mudança imediata no processo criativo das histórias.

Dimitri deixa o microfone me encarando. Infelizmente nem toda ideia boa vem completa, nem sempre dá pra fazer algo decente com o final. Sou vaiado por alguns quando levanto esse ponto. O silêncio só chega quando o próximo vai ao microfone, dessa vez quem chega lá é Cosme, o zelador do turno da noite.

— Alguns personagens tiveram suas histórias, entre aspas, “concluídas” e até hoje não sabem se estão mortos ou não. Eu sou um exemplo disso, terminei meu conto em um ato de heroísmo, mas não faço a menor ideia se estou morto ou não. É um absurdo, é nosso direito saber o que acontece conosco.

O zelador deixou o microfone debaixo de aplausos. Penso em falar sobre como finais abertos são mais interessantes, mas os olhares de reprovação que recebo me fazem ficar calado esperando o próximo a prestar suas queixas. Para a minha surpresa, quem pegou o microfone foi a Dama da Segunda-feira

— Exigimos o direito de saber para onde as nossas histórias estão indo — disse ela. — Outro dia eu estava atrás de um, entre aspas, “marido”. Logo depois eu fiquei grávida e do nada eu já tinha dois filhos. Me digam, companheiros, como eu vou planejar a minha vida se eu acordo de manhã sem saber se no fim do dia eu vou estar gravida, casada ou morta?

Não faz sentido vocês saberem o final da história. As decisões que vocês tomariam poderiam mudar todo o rumo das histórias. Dessa vez eu sou vaiado por praticamente todos. Por último vejo Cristina se levantar. Ela me olha como se quisesse me assassinar da forma mais sádica possível.

— Eu quero o direito de procurar emprego na cabeça de outro autor — foi só o que ela disse, gentil como uma cacetada no joelho.

Infelizmente não posso atender às reivindicações. Algumas delas dependem de habilidades que eu ainda estou desenvolvendo e outras… Outras não fazem sentido.

— Então não temos escolha — disse Clóvis retornando ao microfone. — Coloco em votação por aclamação a greve geral. Quem é favorável? — Praticamente todos os personagens levantaram a mão. — Sendo assim, a partir de hoje os personagens da série semanal Contos de Segunda, empregados no blog Cachorros de Bikini, estão de greve por tempo indeterminado.

 

Contos de Segunda #83

    Dimitri estava acordado. Ele estava acordado fazia meses. Dormir por quatrocentos anos costuma fazer isso com qualquer monstro. Dimitri era um vampiro e via pouquíssima graça em ser um vampiro, principalmente agora que ele vivia em uma cripta debaixo de uma igreja e sua única companhia era seu servo morto-vivo, Mikhail.

    — Tenho fome, Mikhail — disse o velho vampiro.

    O pobre morto vivo estava sempre atento a qualquer palavra dita pelo mestre, desatenção não era algo muito saudável quando se trabalhava para Dimitri. Mikhail não demorou para aparecer.

    — Não temos sangue, mestre — respondeu Mikhail. — Hoje é segunda, a remessa de sangue só chega na quarta.

    — Esses cães do sindicato querem me matar de fome, isso sim — disse Dimitri irritado. — Seis litros por semana e sem direito a caçar meu próprio alimento.

    — Sem caça até completar o curso de reciclagem, mestre.

    — Eu que devia ensinar essas crianças como um vampiro de verdade deve agir. Acredita que meu professor nasceu no século vinte? Um pivete que não tem nem cem anos quer me dizer como devo agir.

    — Sinto muito, mestre, mas são as regras. Sem elas os vampiros não teriam chegado ao ano dois mil.

    — Sim, sim, já ouvi essa baboseira algumas centenas de vezes.

    Dimitri se calou por um instante. A noite avançava e ele estava com fome, nada que ele não pudesse suportar. Esperar até a chegada da nova remessa de sangue não era o verdadeiro problema, afinal ele poderia passar um mês sem alimento e sofreria muito pouco por isso. Ele tinha fome da caça. Fome de beber sangue cheio da adrenalina de uma vítima em pânico. Nada de bolsas cuidadosamente extraviadas dos bancos de sangue da cidade.

    — Preciso sair, Mikhail — disse Dimitri de repente. — Volto logo.

    — Por favor, mestre, não quebre nenhuma lei — disse o morto-vivo aflito. — Eu gosto desse emprego — na verdade não gostava tanto, mas mortos-vivos tem uma recolocação meio complicada no mercado de trabalho.

    Dimitri saiu da igreja transformado em morcego. Ele só precisava de um lugar alto para observar a cidade. Identificaria um local pouco movimentado, uma vítima, atacaria e carregaria o corpo para a cripta. Mikhail daria um jeito no corpo, ele era bom nisso. Não demorou para chegar ao alto de um prédio. De lá Dimitri observava a cidade, ouvia atentamente ao rugido da urbe. Misturadas aos sons dos carros estavam as batidas dos corações de diversos seres. Humanos, cães, ratos, pombos e gatos, todos eles chegavam aos ouvidos cuidadosos do vampiro, mas uma certa batida solitária chamou a sua atenção. Imediatamente assumiu a forma de morcego e desceu para o nível da rua, a batida daquele coração guiava suas asas e em poucos minutos ele estava de volta à forma humana. Ele parou em uma esquina com a luz do poste quebrada, no fim da rua era possível ver uma moça se aproximando. Ela andava rápido, mas não parecia muito preocupada. Ao passar pela esquina foi envolvida pela aura do vampiro. A mente da moça ficou nebulosa, como se estivesse sonhando.

    — Não se preocupe, minha cara. — Disse Dimitri de forma sedutora. — Vou terminar antes que perceba.

    — Tô de boa, coroa — disse ela extremamente relaxada. — Essa brisa que bateu agora me deixou sossegada.

    Dimitri estranhou, não lembrava de uma calma tão grande nas suas vítimas anteriores. Ele se aproximou e envolveu a cintura dela com o braço.

    — Qual foi, coroa? — Disse ela afastando o vampiro. — Que negócio é esse de se chegar assim? Nem puxou conversa, nem perguntou meu nome e já quer me agarrar?

    Dimitri paralisou com a reação da moça. De repente se sentiu extremamente desconcertado.

    — Queira me perdoar, senhorita. Eu não… Tive a intenção de ofendê-la.

    — Relaxa, é só não fazer de novo que fica tudo certo — disse a moça tentando organizar as ideias na cabeça. — Me diz aí. Tá fazendo o que nessa rua deserta nessa hora da noite?

    — Estou procurando comida.

    — Cara, sério? Nunca vi um mendigo vestido desse jeito.

    — Oh, não. Não sou um mendigo. Sou um… Caçador.

    — Uau! Que selvagem. Tá caçando o quê, coroa?

    — Nesse exato momento estou te caçando.

    — Ah… Tá. Você não tá falando sobre envolvimento carnal, né?

    — Não. Eu estou falando de te morder e beber o seu sangue.

    — Ah, não, cara. Você tá nessa? — Reagiu ela decepcionada. — Você tá nessa de beber sangue? Pensei que vocês tivessem sindicato e tal. Você é um daqueles ilegais?

    — Eu… Creio que sim.

    — Então vai pra próxima esquina, meu velho. Tá vendo isso aqui? — Disse ela apontando para uma tatuagem de um crucifixo no pescoço. — Isso quer dizer que eu vou te dar uma indigestão daquelas. Se quiser pode aparecer pra tomar um café qualquer dia desses, mas sangue não rola. Boa noite.

    Dimitri não conseguiu reagir. Ele ficou alguns minutos parado naquela esquina refletindo sobre a vida. Ele iria para casa assim que pensasse numa forma de contar o ocorrido para Mikhail.

Contos de Segunda #82

    Erick caçava dragões. Desistiu de caçar depois de encontrar com um certo dragão vermelho, embaixo de uma certa árvore no topo de uma certa colina. Um dragão que, segundo diziam, era impossível de ser caçado. Tal afirmação não era uma mentira completa. Cada caçador que tentou por um fim à vida da fera foi convencido a mudar de profissão. Justamente por isso que o Sindicato dos Caçadores de Dragões ordenou que um grupo de caçadores pusesse um fim na vida daquele réptil tão perigoso. De alguma forma o dragão convenceu a todos que merecia, pelo menos, um julgamento justo. O julgamento aconteceria na sede do Sindicato. Era por isso que Erick estava lá.

    Todos da cidade estavam indo para a antiga arena. Muito tempo atrás, quando os primeiros caçadores desenvolveram as técnicas para combater os dragões, as feras eram aprisionadas na arena para serem utilizadas no treinamento. As pessoas entravam pelos portões na direção das arquibancadas, mas Erick fora convocado como uma testemunha, ele entraria por outro lugar.

    — Saudações, Erick — disse o homem que guardava a porta da área restrita da arena.

    — Saudações, Peter — respondeu o ex-caçador. — Semana agitada, hein?

    — Nem me fale, Erick. Desde o dia em que essa fera chegou que não temos sossego.

    — O julgamento começa quando?

    — Creio que já está para começar — respondeu Peter. — Já deram a ordem para retirar a fera do calabouço.

    Erick entrou na arena. As arquibancadas estavam lotadas de gente. Na arena um palanque foi erguido para as testemunhas, ao lado dele estava o dragão vermelho, deitado e aparentemente adormecido. No camarote estava o líder do Sindicato, Henry, sentados sobre o palanque estavam Charles, Robert, Harold e John, caçadores aposentados como ele.

    — Saudações, Erick — disse o dragão quando ele se aproximou.

    — Saudações, dragão. Vejo que se meteu em uma bela confusão desta vez.

    — Certamente, meu caro. Como bem sabes, os problemas não cansam de me procurar. Deve ser mal da espécie.

    — Seria melhor ter fugido, dragão.

    — Me achariam em qualquer lugar, Erick. Meu gosto por viver ao ar livre me impede de ficar escondido como os outros dragões da minha idade. Um tio meu passou o último século adormecido dentro de uma montanha, um total absurdo.

    Um martelo bateu sobre a bancada do camarote. Todos se calaram, Erick assumiu seu lugar. O julgamento estava para começar.

    — Senhoras e senhores. Cidadãos do reino. Eu, Henry, estou aqui para conduzir o solene julgamento desta fera que está diante de todos. Acusado de provocar a deserção de pelo menos cinco caçadores membros de nosso sindicato. Suspeitamos que foram aplicados meios nefastos para controlar a mente desses desertores e decidimos que a execução deste dragão é inevitável. Mesmo diante da morte iminente, ele pediu por um julgamento antes da execução… Dragão, estás pronto para responder às minhas perguntas?

    — Certamente — respondeu ele se levantando.

    — É verdade que todos os dragões possuem conhecimento de feitiçaria?

    — Sim. A capacidade para tal aparece a partir de algumas centenas de anos

    — É verdade que a forma de feitiçaria preferida pelos dragões é a que afeta a mente?

    — Por boa parte de nós sim, mas não é uma regra.

    — É uma forma preferida por ti, dragão?

    — Tenho preferência por transfiguração, piromancia e clarividência de forma geral.

    — Reconheces que um dragão de certa idade é muito mais astuto do que um ser humano?

    — Não se vive muito sem uma boa dose de astúcia.

    — Astúcia suficiente para manipular a mente de um ser humano?

    — Leva um certo tempo, mas é possível.

    — Então admites que, se essa fosse a sua vontade, poderia manipular um ser humano sem muita dificuldade?

    — Desconheço as reais dificuldades. Nunca pratiquei tal coisa.

    Henry parou um pouco. O dragão era astuto o suficiente para não cair em contradição… Talvez os caçadores não fossem tão astutos quanto ele.

    — Sou grato, dragão — disse ele. — Passo agora para as testemunhas… Cada um de vocês trabalhou por anos no extermínio dos dragões. Trouxeram paz e prosperidade para o reino. Em troca de que abandonaram uma vida tão cheia de honras? O que fizeram de suas vidas?

    — Me tornei um sapateiro — respondeu Charles.

    — Construí um moinho — respondeu Robert.

    — Me tornei criador de cavalos — respondeu John.

    — Me tornei um vendedor ambulante — respondeu Erick.

    — Me tornei fazendeiro, crio vacas e cabras — respondeu Harold.

    — Por qual motivo abandonaram o nobre ofício de caçar dragões?

    — É muito perigoso — respondeu Charles.

    — Tive muitos problemas com minha esposa por causa do trabalho – respondeu Robert.

    — Bafo de dragão me dá alergia — respondeu John.

— Não estava conseguindo cumprir as metas estabelecidas pelo sindicato — respondeu Erick.

    — Eu precisava de novos desafios — disse Harold.

    — Mas vocês só perceberam isso depois de conversar com o dragão vermelho, correto?

    Todos balançaram a cabeça concordando. Henry precisava agir rápido, nada estava saindo daquele interrogatório.

    — Se temos aqui um dragão clarividente, fica claro que ele usou seus poderes para não só descobrir se estava correndo o risco de ser atacado, mas também quem o atacaria e de que forma ele poderia quebrar a vontade do caçador. Nega isso também, dragão?

    — Sempre utilizei minhas habilidades para me defender de ataques, mas nunca espionei qualquer caçador. Quando se vive tanto quanto eu, não é necessário o uso de mágica para ver nos olhos de um homem que ele deseja uma vida diferente.

    — Finalmente temos uma confissão — disse Henry escancarando um sorriso. — Guardas, levem-no de volta para a masmorra. A execução será em alguns dias.

    — O quê? — Perguntou o dragão confuso. — Não, não pode!. Eu sou inocente.

    O dragão gritou durante todo o caminho até a masmorra. Mesmo tendo o poder para tal, ele não matou nenhum dos guardas, não cuspiu fogo ou tentou fugir. Mesmo condenado, o dragão vermelho fazia questão de se manter inocente até o fim.

Contos de Segunda #81

Espaço, a fronteira final. Milhares de anos atrás a humanidade se lançou ao espaço, hoje o Sistema Solar está completamente colonizado. Ao longo dos milênios, os humanos terraformaram Marte e Vênus, colonizaram os satélites de Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, criaram rotas de navegação para não se perderem na imensidão do espaço. Surgiram os governos setoriais, as grandes corporações mineradoras, de transporte e de logística. A humanidade alcançou um novo patamar de prosperidade e desenvolvimento… Não demorou muito para que surgisse também um novo tipo de criminoso.  

— Navegação, quanto tempo até o destino? — Questionou o capitão do cargueiro.

— Três horas e doze minutos, senhor — respondeu o oficial de navegação.

Aquela era uma viagem de rotina. O cargueiro estava transportando peças, ferramentas e outros suprimentos da Lua para a estação Marte I, localizada em Fobos, um dos satélites naturais de Marte. Normalmente os suprimentos eram enviados a partir da superfície de Marte, mas aquela carga em especial possuía algo de diferente.

— Algum sinal da nossa escolta? — Perguntou o capitão.

— Negativo, senhor — respondeu o oficial de comunicações. — Estão dezoito minutos atrasados… Senhor, perdemos contato com Marte I. Estão interferindo no nosso sinal.

O capitão demorou apenas alguns segundos para começar a despejar ordens sobre a tripulação.

— Disparem os sinalizadores. Time de artilharia, aos seus postos. Subam a blindagem da ponte e todos coloquem seus trajes de emergência, não quero ninguém morrendo por causa de uma eventual descompressão. Alguma coisa no radar?

— Não, senhor… Espere! Estou captando o sinal de um reator… É uma nave senhor… Está vindo rápido.

— Consegue identificar?

— Sim… A assinatura do transponder corresponde ao Combatente 69, senhor. É a nave de Jeannie Nitro.

— O quê? Preparem os mísseis, precisamos ganhar tempo até o reforço ou a escolta chegarem. Atirem quando essa cachorra estiver no alcance.

— Que palavras rudes, capitão — disse uma voz feminina em tom de deboche.

O rosto de Jeannie apareceu no monitor. Ao contrário de outros colegas de profissão, Jeannie Nitro gostava de conversar com os capitães das naves que estava prestes a abordar. Em algumas vezes ela conseguia um acordo razoável para as duas partes, na maioria delas tudo que conseguia era aumentar a fama.

— Vou direto ao ponto — começou ela. — Preciso que me entregue o contêiner blindado que está carregando. Um pequeno, que tem uma trava com senha. É só jogar ele, digamos, fora e eu gentilmente vou lá e pego. Cada um segue seu caminho e todos ficamos felizes.

— Não negociamos com criminosos — respondeu o capitão raivoso. — Logo nossa escolta estará aqui e você, sua maldita tripulação e essa aberração mecânica que você chama de nave vão virar poeira.

— Você sabe mesmo como agradar uma dama, capitão. Se eu fosse um pouco mais inocente estaria completamente apaixonada… Infelizmente não sou. Estou chegando, capitão. Câmbio e desligo.

A gargalhada que Jeannie deu logo depois teria matado o capitão, e qualquer um na situação dele, de raiva. Isso se ele não morresse de medo antes. Jeannie Nitro era uma das piratas espaciais mais conhecidas entre a Lua e Júpiter. Sua nave, a Combatente 69, de fato era uma aberração mecânica e justamente por isso era uma das mais temidas pelas naves civis. Rápida, ágil, equipada com armamentos proibidos e dispositivos de ocultação. Mas nada disso valeria se não fosse sua tripulação.

— Charles, assuma o sistema de armas. Eu vou pilotar — disse Jeannie em um tom mais sério.

— Sim, capitã — respondeu Charles Chacal.

— Lupita, já estamos no alcance?

— Quinze segundos, capitã — respondeu Lupe Brown.

— Walter, minhas adagas estão prontas? — disse Nitro pelo rádio.

— Esperando a ordem, capitã — respondeu a voz envelhecida pelo alto falante da ponte  de comando.  

— Entrando no alcance em três… Dois… Um… Eles dispararam, seis segundos para o impacto.

— Vou dar a volta e pegar ele por trás. Desativa esses mísseis, Charles. — disse a capitã.

Charles disparou os geradores de pulso elétrico. O pulso fritou o sistema de orientação dos mísseis e de propulsão, deixando os projéteis à deriva. A Combatente fez uma curva e se posicionou por trás do cargueiro enquanto o fogo chovia sobre ela.

— Localizei a porta do compartimento de carga — avisou Charles. — Vou disparar.

Dois projéteis de alta densidade acertaram o alvo em cheio, amassando a blindagem da porta de carga.

— Walter, lançamento ao meu sinal — disse a capitã. — Três… Dois… Um… Lançar.

A nave fez uma curva perigosamente perto da traseira do cargueiro. No mesmo instante Walter lançou dois blocos de metal que se prenderam à fuselagem com travas magnéticas. Os blocos se abriram revelando dois robôs soldadores e as Irmãs Adaga, Sheila e Dolly. Com seus maçaricos e alicates hidráulicos, levou menos de um minuto para que os dois robôs criarem duas entradas para as irmãs. Elas imediatamente sacaram seus rifles. A tripulação estava preparada. Eram pelo menos oito, a maior parte deles equipada com armas automáticas. Enquanto Dolly trocava tiros com a tripulação, Sheila programava o dispositivo gerador de campo magnético. Com a intensidade correta, o gerador atrairia apenas o contêiner desejado pela capitã. Assim que a programação terminou, Sheila arremessou uma granada contra a porta do cargueiro. A estrutura enfraquecida pelos soldadores foi arremessada para a imensidão do espaço. As duas irmãs recuaram para perto da porta, agora elas só precisavam se manter vivas até a carona chegar.

Lá fora as coisas estavam prestes a se complicar.

— Vários sinais de reator apareceram no radar, parece que a escolta deles chegou — alertou Lupe. — Capitã, transmissão chegando.

Um homem de trajes militares apareceu no monitor.

— Saudações, senhorita Nitro.

— Igualmente, Capitão Crash.

— Agora é Major Crash.

BAM. Algo atingiu a nave.

— Dois cruzadores e mais oito caças, capitã — disse Lupe. — Chegando em dez segundos.

— Entregue-se agora e prometo que não receberá pena de morte — negociou Crash.

— Consideração pelos velhos tempos? Fico emocionada, mas vai ficar pra outra hora — respondeu Jeannie encerrando a transmissão. — Tenho que pegar um prêmio.

Ela acelerou os motores ao máximo. Deu uma pirueta e desviou de um disparo, outro e outro. Os caças estavam se aproximando.

— Dentro do alcance em três… — Disse Lupe.

— Arma magnética pronta — completou Charles.

–… Dois… Um

A arma magnética foi acionada. Um campo elétrico com ajustes de frequência tão precisos que apenas os robôs, que carregavam as irmãs Adaga, e o gerador que estava dentro da nave foram puxados. O gerador serviu de condutor entre a arma e o contêiner, que saiu voando pelo compartimento de carga e aderiu à fuselagem da Combatente. A desaceleração fez com que os inimigos chegassem ainda mais perto, testando a blindagem da nave pirata com disparos cuidadosos, ninguém queria acertar o cargueiro.

Jeannie abriu a transmissão para a nave do Major Crash.

— Foi bom te ver de novo, capitão, mas eu não posso ficar — debochou ela.

— Acha mesmo que pode escapar de mim, Nitro? — Rosnou Crash.

— Como se você pudesse me pegar — respondeu ela antes de cortar a transmissão.

Charles liberou a cortina de fumaça que camuflava os sinais do reator da nave. A blindagem laminada mudou de cor para imitar o breu espacial. Os caças ainda conseguiram manter perseguição até que uma segunda cortina de fumaça interferiu nos sistemas de navegação, forçando os pilotos a desistirem. Deixando a Combatente 69 inteira para lutar em outro dia.

Contos de Segunda #80

Fechamos o mês do Dia Internacional da Mulher da mesma forma que começamos, com um conto da Dama da Segunda-feira. O conto de hoje é uma continuação direta do Contos de Segunda #62 e do Contos de Segunda #77. Para saber todos os detalhes dessa história é só ler Contos de Segunda #38, Contos de Segunda #43, Contos de Segunda #50 – Parte 01 e Contos de Segunda #50 – Parte 02

— Você O QUÊ?

Foi assim que Terça, Quarta, Quinta e Sexta reagiram. Uma reação perfeitamente compreensível. Afinal, da última vez que as Damas da Semana se reuniram, Segunda-feira ainda estava tentando bolar um plano para conseguir um filho. Os planos deram certo rápido demais.

— Eu estou grávida… Na verdade estarei grávida… Mas já me sinto como se estivesse.

As cinco estavam reunidas na casa de Terça-feira. O primeiro dia útil da semana já estava virando noite quando as cinco foram reunidas por sua líder.  Segunda-feira estava preocupada com o seu atual estado, na verdade com o seu estado futuro. Em algum ponto do tempo o seu corpo estava mudado pela gestação e por ser uma Dama do tempo ela estava conectada com a sua forma física de todas as épocas. Ela ainda não estava grávida de fato, mas já sentia como se estivesse.

— É algum tipo de gravidez psicológica? — Perguntou Quinta. — A gente pode sofrer dessas paradas? Nem sabia que a gente conseguia engravidar… Digo, engravidar “engravidar”.

— Acho que a gente não consegue sofrer disso, Quinta — respondeu Quarta. — Deve rolar alguma coisa parecida que é vinte vezes pior.

— Será que Segunda vai parir algum monstro maluco de antimatéria? — Fantasiou Sexta. — Vai ver que o bebê dela vai nascer velho e depois vai ficando novo, que nem naquele filme.

— Explica como foi que começou, Segunda — disse Terça.

— Encontrei com a Dama de Sangue. Ela me disse que pra uma Dama ter um filho não existe receita de bolo. Cada uma precisa encontrar a sua própria forma de gerar um. Ela me deu essa garrafa e disse que eu precisava tomar pra ficar mais parecida com um organismo comum. Logo depois eu comecei a ter sensações do futuro. Comecei a me sentir grávida… E provavelmente vou me sentir assim até chegar no ponto do tempo em que não vou estar mais.

— Certo… — Ponderou Terça. — Agora só precisamos pensar numa forma de te engravidar.

— Foi só pra mim que isso soou muito errado? — Interrompeu Sexta.

— Pareceu meio bizarro mesmo — respondeu Quinta.

— Foi por isso que eu convoquei vocês hoje — começou Segunda. — Estamos no início da semana e só hoje nós cinco podemos usar o poder do meu santuário… Ainda temos algumas horas da segunda-feira para tentar alguma coisa… Alguma sugestão? Consegue ver o meu futuro, Terça?

— O futuro está nebuloso, Segunda. As sensações futuras da sua gravidez estão gerando muita interferência… Se estivesse acontecendo comigo eu poderia usar essas sensações como um condutor para ver o futuro.

— Na prática está acontecendo contigo — esclareceu Quarta. — Está acontecendo com todas nós.

— Quarta tem razão — concordou Quinta. — Nós já fomos uma coisa só. Nós éramos a Dama da Semana… Não lembro como deixamos de ser, mas na prática ainda somos.

— Quem sabe a gente consegue se juntar de novo — completou Sexta. — A gente já se dividiu uma vez, a gente consegue se dividir outra.

O raciocínio de Segunda-feira entrou em um frenesi. Imediatamente ela avaliou todas as possibilidades e impossibilidades do plano recém traçado, mas ela precisava agir rápido, as horas estavam se passando.

— Vamos, meninas — chamou Segunda. — Precisamos fazer isso rápido… Sentem em círculo, vamos nos ordenar em sentido horário.

As demais obedeceram. Segunda, Terça, Quarta, Quinta e Sexta se sentaram nessa em círculo nessa ordem. Deram as mãos e fecharam os olhos. Segunda respirou fundo e canalizou as energias do seu santuário. Com uma das mãos ela transmitia essa energia de Terça e com a outra recebia a energia de Sexta. A ligação foi feita, o fluxo de energia estava cada vez mais intenso. As cinco se desmancharam aos poucos, se unindo à sua líder. Uma única Dama, um único ser, mas o desejo que ardia naquele coração vinha de uma única fonte.

A recém renascida Dama da Semana pegou o frasco dado pela Dama de Sangue e bebeu o conteúdo em um gole só. A reorganização física aconteceu rápido demais, provocando uma instabilidade na união das Damas. Mas elas não podiam se separar ainda. Nos seus últimos instantes, a Dama da Semana se concentrou no seu desejo, em como ela queria gerar uma nova vida e em como seria terrível o seu futuro caso não conseguisse.

Então ela se separou. Pela segunda vez ela deixou de ser uma só.

— AAAAAHHHRRRRRRGGG — gritou Segunda. Ela caiu no chão se contorcendo de dor. O ventre dela cresceu, cresceu rápido, rápido demais.

Terça ainda estava sob o efeito da separação quando viu a irmã se debatendo. Imediatamente se lançou sobre ela na tentativa de segurá-la. Quarta não conseguiu reagir, Quinta prontamente se pôs a ajudar Terça. Sexta tentou acalmar a irmã.

— Calma, Segunda. Aguenta

— AAAAAHHHRRRRRRGGG.

A gritaria continuou por alguns minutos, foi quando a barriga da Dama começou a diminuir até retornar ao tamanho normal. Segunda, ainda sem fôlego, não conseguia entender.

— E agora? O que acontece? — Questionou ela. — Eu consegui?

A resposta veio na forma de um som baixo. Peças de madeira batendo contra o tabuleiro. O som vinha de uma sala ao lado, onde estava um antigo jogo de damas. Segunda se levantou do chão e caminhou lentamente até o outro cômodo. Lá estavam dois garotos, um deles parecia ser um pouco mais velho, nenhum deles parecia ter menos de dez anos. Eles jogavam em silêncio, com calma, fazendo os movimentos sem pressa. Os dois se viraram ao mesmo tempo quando perceberam que Segunda estava observando. Um deles quebrou o silêncio.

— Oi, mãe. Quer jogar com a gente?

Contos de Segunda #79

Mais uma noite de segunda em Vila Urbana. Enquanto os cidadãos retornam para seus lares depois de um dia de trabalho, os criminosos continuam incansáveis na sua investida contra a lei e a ordem na cidade. Justamente por causa dos elevados índices de criminalidade, e da presença esporádica de resíduos tóxicos ou radioativos, muitos vigilantes mascarados surgiram para impedir que a cidade fosse tomada pelo mal.

Um desses vigilantes é o Homem Camaleão. Nesse momento ele espera pelo melhor momento de nocautear os bandidos que invadiram uma transportadora para roubar um carregamento de eletrônicos. O alarme não soaria, alguém estava facilitando para os bandidos. Apenas um defensor da justiça atendo poderia impedir que esse crime fosse cometido, mas seguir os bandidos poderia revelar um esquema muito maior de roubo de eletrônicos. Ele teria esperado, saltado no caminhão, seguido os bandidos e nocauteado todos os envolvidos no esquema. Teria, mas algo inesperado aconteceu.

Os bandidos foram nocauteados, um a um. Como se algo invisível estivesse desferindo os golpes. Como se o próprio Homem Camaleão estivesse batendo nos bandidos. Revestido pela sua camuflagem camaleônica, nosso herói se aproxima da cena do crime e encontra todos os criminosos desacordados. Ele olha ao redor e identifica uma figura disforme, imediatamente ele desativa a sua camuflagem. Ninguém além dos guardas está de pé.

— Sei que você está aí, apareça — esbravejou o Homem Camaleão.

Diante dele uma camuflagem se desfez e lá estava uma garota. Pela aparêcia não devia ter mais do que doze ou treze anos, usava um uniforme que imitava o dele e parecia ligeiramente nervosa.

— Sabia que a gente ia se encontrar — disse a menina.

— Quem é você?

— Sou sua assistente.

— Não, não é.

— Sou sim.

— Eu nem te conheço.

— Prazer, pode me chamar de Camaleoa. Só vou revelar minha identidade depois que você revelar a sua.

— Revelar? Como eu… Você… Que história é essa?

— Um dia acordei com poderes iguais aos seus e achei que combater o crime seria uma boa.

— Combater o crime é perigoso!

— Um monte de gente dessa cidade faz isso.

— Um monte de gente adulta faz isso.

— Eu sou mais forte e mais ágil do que a maior parte desses bandidos, sem contar que eu fico invisível.

— Não é só sair por aí batendo nos bandidos, você pode se machucar.

— Tanto quanto qualquer um… Admita, Camaleão, nenhum desses argumentos vai colar.

–Você precisa de licença pra exercer essa atividade — pontuou o herói convencido que tinha ganhado o debate.

— Você fala da licença que eu posso tirar caso eu exerça a função de ajudante, auxiliar, sidekick, assistente ou seja lá como vocês velhos chamam.

— Eu não sou um velho e não você não vai ser nada minha.

— É isso que vocês heróis fazem? Deixam pré-adolescentes combatendo o crime na ilegalidade? Muito heróico da sua parte — rebateu ela estreitando os olhos.

Homem Camaleão levou as mãos ao rosto, remexeu na máscara e depois de alguns segundos de descontrole ele respondeu.

— Tá bom! Tá bom! Eu deixo você ser minha assistente. Não preciso de uma assistente, mas vou aceitar só pra te provar que você está errada.

— Homem Camaleão, no ranking do ano passado você ficou em primeiro lugar na lista dos heróis mais surpreendidos pelos bandidos.

— De onde você tirou isso?

— O sindicato publica esses dados, tanto o dos heróis como o dos vilões. Tá tudo na internet, são dados públicos. Foi um dos motivos que me fez te escolher pra ser meu mentor, você precisa de alguém pra vigiar suas costas.

— Eu sei que não preciso, mas vou aceitar isso como um aviso para tomar mais cuidado — ele respirou fundo, deixou passar o resto da raiva antes de continuar. — Vamos, eu preciso providenciar um uniforme novo pra você. A lei nova determina que os uniformes não propaguem fogo e tenham selo de aprovação dos órgãos competentes… Do que eu vou te chamar?

— Tá na cara que meu nome é Camaleoa.

— Camaleoa? Só Camaleoa? Pensei que ia ser algo como Garota Camaleão ou algo assim.

— Esses nomes com “Garota” na frente prendem as heroínas no estereótipo da adolescente inexperiente que usa máscara. Sem falar que me coloca numa posição inferior à sua. Pensando no longo prazo, não é nada benéfico pra minha imagem. Quando eu tiver idade pretendo seguir carreira solo. Sem ofensa, Camaleão, mas não quero passar a vida inteira na sua sombra.

Contos de Segunda #78

    Vocal, Guitarra, Baixo e Bateria, os quatro elementos fundamentais do 4Ladies. Garotas que ainda nem saíram da escola e já demonstram um nível de comprometimento e dedicação raro na maioria das pessoas com a mesma idade. Para elas a banda é mais do que uma diversão, é um projeto de vida feito em conjunto. Infelizmente nem sempre as coisas são tão fáceis para essas quatro meninas.

Era segunda-feira e Guitarra tinha acabado de chegar da aula. Mais uma vez ela tinha recebido o boletim e mais uma vez ela esconderia bem longe das vistas da mãe. A menina entrou no quarto e procurou pelo case vazio da guitarra que ficava jogado ao lado do guarda-roupa. Abriu o zíper e soltou um pedaço do forro, revelando o paradeiro dos boletins dos dois últimos bimestres, onde o terceiro boletim estava prestes a ser guardado.

— AGNES! — Gritou uma mulher surgida não se sabe de onde.

— AAAAHHHH! — Assustou-se a pobre guitarrista desavisada. — Mãe? É… Oi… Porque a senhora tava dentro do guarda-roupa?

A mãe de Guitarra ainda estava parcialmente coberta com as roupas da filha quando saiu de dentro do guarda-roupa.

— Eu sabia que você tinha dado sumiço nos boletins, pensou que ia sair dessa ilesa? Cadê? Eu quero ver esses boletins.

    — Mãe, vai por mim, a senhora não quer ver esses boletins — respondeu Guitarra tentando manter a calma. — Vamos manter a situação das minhas notas longe dessa casa, não gosto de trazer os problemas de fora pra cá.

    — Agnes, você tem três segundos pra me dar esses malditos boletins.

    Ela só precisou de um segundo.

    — Que notas são essas, Agnes? Que tanto vermelho é esse? Um bicho morreu por cima desses boletins?

    — Ah, mãe… É que a escola tá muito complicada e…

    — E mais nada! A senhorita vai dar um jeito de recuperar essas notas… E nada de guitarra enquanto não tiver melhora.

    — Não, não, nãonãonãonão — repetiu Guitarra sem querer acreditar. — Por favor, mãe. Eu estudo, eu tiro nota boa, prometo, mas não me deixa sem guitarra… A gente finalmente arrumou um lugar pra tocar, a gente não pode deixar essa passar.

    — Quando vocês tocam?

    — Daqui a duas semanas mais ou menos.

    — Pode tocar com suas amigas, mas SÓ se começar a estudar, e depois desse show a senhorita só encosta nessa maldita guitarra depois que as notas saírem.

    — Mas…

    — Sem “mas” — interrompeu a mãe. — Se reclamar eu jogo essa guitarra no rio.

    A conversa acabou ali, mas imediatamente Guitarra convocou uma reunião da banda. Normalmente elas trocavam mensagens, mas esse assunto era muito sério, era melhor fazer uma videoconferência. Vocal, Baixo e Bateria ligaram seus computadores imediatamente. A conversa só começou de verdade quando Guitarra terminou de contar a história toda.

    — Tu é MUITO BURRA, Guitarra — explodiu Bateria. — Como é que tu me tira esse tanto de nota vermelha?

— Te dana, Bateria. Até parece que só eu aqui tiro nota vermelha.

— Eu já estou quase passada de ano — disse Vocal meio sem jeito.

— Eu só tô abaixo da média em duas — ostentou Bateria.

— Chega dessa conversa de “o meu é maior que o seu” e vamos focar no problema — cortou Baixo.

— Baixo tá certa, a gente precisa dar um jeito nessa situação — continuou Vocal.

— Na verdade a gente não precisa fazer nada — ressaltou Bateria. — É só essa bandida estudar em vez de ficar tocando guitarra o tempo todo.

— Eu estudo guitarra, imbecil — rosnou Guitarra. — Coisa que você devia fazer de vez em quando.

— Se eu fosse ruim que nem você eu ia precisar estudar um bocado também — provocou Bateria.

— Da próxima vez que a gente se encontrar eu vou quebrar minha guitarra na sua cabeça.

— Meninas! — Interrompeu Vocal. — Foco no problema.

— Foi mal — se desculpou Bateria. — Quem pode ajudar Guitarra a estudar? Eu estou um ano na frente dela, mas ano passado eu fui bem mal na escola.

— Vocal tá um ano atrás, nem vai poder me ajudar… Acho que sobrou pra você, Baixo.

Baixo estudava na mesma escola que as outras meninas e era a única da banda no mesmo ano que Guitarra, elas até chegaram a estudar na mesma sala algumas vezes.

— Sei não… — resmungou Baixo. — A gente já tentou estudar e não deu muito certo.

— Baixo já tentou me ensinar matemática uma vez e… — começou Vocal. — Bem… A gente não quis tentar de novo.

— Faz pela banda, miga — suplicou Bateria.

    — Por mim, Laila — apelou Guitarra.

    — Tá bom, eu ajudo. Mas só dessa vez e só até as próximas provas… A gente ainda nem começou e eu já tô arrependida.

 

Contos de Segunda #77

    Na semana do Dia Internacional da Mulher temos mais um capítulo da história da Dama da Segunda-feira. O conto de hoje é uma continuação direta do Contos de Segunda #62. Para saber todos os detalhes dessa história é só ler Contos de Segunda #38, Contos de Segunda #43, Contos de Segunda #50 – Parte 01 e Contos de Segunda #50 – Parte 02

Segunda-feira estava na sala de espera do médico. Não que ela estivesse doente, normalmente uma Dama não ficava doente, pelo menos não de algo que um médico mortal pudesse tratar. Segunda estava esperando ser chamada para sua consulta com a Dra. Márcia Sang, uma das maiores hematologistas do país.

    — Mônica? — Chamou a recepcionista. — Mônica Nunes?

    — É Lunes — corrigiu Segunda-feira.

    — Perdão… Lunes. A doutora está esperando no consultório três. Segunda porta à esquerda.

    Cada vez mais as Damas precisam dar um jeito de se misturar aos mortais, adotar um nome mundano é a primeira coisa que elas fazem. Quando Segunda-feira resolveu se tornar professora ela escolheu o nome Mônica Lunes, derivado de nomes que ela já tinha em outras línguas. Muitas Damas seguem a mesma lógica para criar um nome mortal, uma das primeiras a fazer isso foi Márcia Sang.

    Ao entrar no consultório, Segunda viu a Dama disfarçada de médica. Os cabelos vermelhos presos em um coque, os óculos de armação metálica, as unhas cinzentas e a pele branca permanentemente ruborizada eram traços que passavam despercebidos pelos olhos dos mortais, mas para uma Dama eram inconfundíveis. A médica estava distraída quando Segunda entrou no consultório. O suficiente para não perceber a aura mística da suposta paciente, pelo menos não até a porta se fechar e transformar novamente o consultório no santuário da Dama. Nem uma formiga passaria despercebida.

    — Saudações, Dama de Sangue.

    Márcia levou um susto. Atualmente ela ouvia seu nome original tão poucas vezes que a sensação era de ter um disfarce revelado. As outras Damas raramente faziam uma visita, principalmente em seu consultório e muito menos em horário comercial. Além disso, todas estavam sabendo da atual situação da Dama da Segunda-feira.

    — Peguei o endereço do teu santuário com Bibliotecária — continuou Segunda. — É meio urgente, espero que não se incomode.

    — A surpresa é muito maior do que o incômodo, Dama da Segunda-feira — Márcia ajeitou os óculos. — Ouvi falar da sua situação e da ordem dada pela Mãe-de-Todas às demais Damas: Ajudá-la a encontrar um Cavaleiro. Só não imaginava que você viria pedir pela minha ajuda.

    — Não leve a mal, Sangue, mas eu não estou aqui pra pedir ajuda na busca por um Cavaleiro — ela fechou os olhos na tentativa de reunir coragem e vomitou as palavras todas de uma vez para não correr o risco de desistir na metade. — Eunãoqueroumcavaleiro, queroumfilho.

    — O quê?

    Segunda respirou fundo e disse mais devagar.

    — Eu não quero um cavaleiro, eu quero um filho.

    Silêncio.

    — Acho que te peguei de surpresa.

    O sangue fugiu das faces da Dama. Seu olhar perdido era um sinal do quão longe sua mente estava naquele instante. Em um piscar de olhos ela vasculhou sua memória ancestral em busca de conhecimentos antigos. Ela voltou segundos depois.

    — Perdão, Segunda. Algumas palavras me levam para memórias muito antigas — respondeu a Dama de Sangue como se estivesse despertando de um sonho. — Algumas de nós conseguem acessar conhecimentos antigos, herdados daquelas que vieram antes de nós. Sou uma das poucas Damas que ainda consegue ir tão longe, por isso dizem que eu sei como ajudar no nascimento do filho de uma Dama… Creio que as histórias sobre mim são um pouco exageradas.

    — Exageradas em que sentido?

    — Nossas irmãs falam de mim como se eu fosse uma espécie de parteira…Prefiro me definir como, digamos, grande conhecedora dos métodos de reprodução assistida.

    — Então existe uma forma.

    — Sim, existe. Uma forma para mim, outra para você e suas irmãs, outra para Bibliotecária e outra para a Mãe-de-Todas. Sem certo ou errado, cada uma de nós se adequa melhor a um método.

    — Você teve algum filho?

    — Tive dois. Nascidos com o único propósito de assassinar meu Cavaleiro — ela sorriu. As unhas cinzentas cresceram e se viraram em aço enquanto a Dama acariciava o pescoço e pensava em morte. — Ele estava um pouco descontrolado. Ele foi um dos mais poderosos de sua época, não pude dar cabo dele sozinha… Só estou contando isso para mostrar como eu gerei os meus filhos, já estou quase chegando no ponto que vai ser útil para você… Onde eu estava?

— Na parte que você não conseguiria matar seu cavaleiro — respondeu Segunda chocada com o fato de dois filhos nascerem com o único propósito de assassinar o próprio pai.

— Ah, sim. Quando eu me vi em grande necessidade eu desejei ardentemente gerar filhos para matar meu cavaleiro. Meu corpo atendeu ao meu desejo, com o aço dos meus ossos eu fiz meu útero, com o sangue eu formei a carne deles e aos poucos nasceu o fogo de seus corações. Você pode fazer algo parecido, mas você precisa descobrir como usar sua natureza para formar uma vida. Só assim você vai gerar um filho.

— E quanto tempo isso leva?

— Você é uma entidade do tempo, Dama da Segunda-feira. Para você o tempo é mais do que um aliado. O tempo é quase um escravo… Talvez isso também ajude.

A médica puxou a gaveta e dela tirou um frasco com um líquido vermelho.

— E isso seria…? — Questionou Segunda.

— Os corpos de algumas Damas são muito abstratos. Eu sou formada de aço, carne e sangue, você é uma anomalia espaço-temporal de óculos. Isso vai te deixar um pouco mais material e mundana. É só beber e seu corpo vai se organizar temporariamente em uma forma mais próxima de um organismo real.

— Ah, não…

Segunda começou a sentir algo estranho. Algo se movimentava em seu ventre. Ela sentia a pele esticando, mas não via nenhuma diferença no volume do corpo.

— Tem algo errado?

— O corpo de uma Dama do Tempo é uma constante — a respiração ficou mais pesada. — Precisamos existir em todo tempo simultaneamente. Pra isso funcionar é preciso permanecer imutável… Neste exato momento eu sinto o meu corpo diferente, mesmo que ele não pareça diferente…Em algum instante do tempo… Eu estou grávida

Contos de Segunda #76

    Erick caçava dragões. Caçava, não caça mais. Pelo menos não depois do dia em que ele subiu uma colina para matar um certo dragão vermelho. Depois daquele dia os dois ficaram amigos e Erick nunca mais matou um dragão. Obviamente o ex-caçador precisava de outro ofício e foi buscando esse novo ofício que Erick partiu para a cidade e não retornou desde então. Todos os dias, sob a sombra de uma árvore tão antiga quanto ele, o Dragão Vermelho passava horas inventando histórias sobre a vida de Erick. Essas histórias ele contava aos pássaros, às crianças que fugiam da vila e subiam a colina para vê-lo, aos pastores que sempre passavam para agradecer a proteção que o dragão dava às suas ovelhas e a todos que estivessem dispostos a parar por um instante e ouvir. Infelizmente nem todos que subiam a colina tinham essa intenção.

A tarde estava no começo e a semana também. Fazia muito calor e o sol castigava todos que estavam sob ele. Em um dia tão quente era difícil não sentir o cheiro dos homens que suavam em bicas sob as suas armaduras enquanto subiam a colina. O barulho que faziam era pouco para um grupo com pelo menos dez pessoas, mas ainda suficiente para ser notado pelo réptil. Ele sabia quem eram aqueles guerreiros. Os únicos que teriam algum motivo para subir a colina. Caçadores de dragão.

— Saudações, nobres caçadores — disse o dragão. — Quais as novas que trazem do pé da colina?

Os homens travaram, se entreolharam surpresos e não conseguiram responder. Afinal todos os dragões caçados por eles até então eram feras cruéis, mesquinhas e cheias de um sadismo quase pecaminoso. A resposta ainda demorou alguns segundos para aparecer.

— Saudações, dragão — respondeu um dos caçadores. — Imagino que saibas o motivo da nossa vinda.

— Naturalmente. Creio que vieram para avaliar a possibilidade de pôr um fim à minha vida. Espero que tenham resolvido desistir da ideia.

— Nunca deixariamos uma fera tão perigosa viva. É nosso dever — disse outro caçador.

— Deveras, meu caro, mas noto que tua avaliação é baseada em uma série de eventos desastrosos envolvendo meus parentes e em um preconceito secular sobre o temperamento e a índole dos membros da espécie dracônica.

— Não é preconceito, Dragão. És notório por ser um dragão que não se pode caçar. Ouço histórias sobre os caçadores que ousaram te enfrentar.

— Falas de Charles que deixou de ser caçador para virar sapateiro? Ou de Robert que construiu um dos moinhos mais prósperos da região? Se falas de Erick… Bem, não sei o que Erick anda fazendo.

— Culpa da tua feitiçaria, dragão — rebateu um dos caçadores.

— Gostaria muito de saber em que provas são baseadas tuas acusações — replicou o dragão. — Nenhum deles parecia levar uma vida feliz como caçador. Eles vieram para me tirar a vida, mas depois de refletir um pouco perceberam o quão insatisfeitos estavam. Não usei de nenhuma feitiçaria.

— O que sugere, dragão? Que desistamos de matá-lo? Depois do mal que nos fez é impossível.

— Então permita ao menos que eu receba um julgamento justo. Leve-me sob custódia e me apresente diante dos seus líderes. Convoque aqueles que uma vez tentaram me matar e permita que falem. Eles provarão minha inocência.

A discussão dos caçadores levou alguns minutos. A resposta deles, apesar de previsível, não foi menos impactante.

— Muito bem, dragão. Terás o que pedes… Tragam correntes para prender as asas e alguém vá na frente para avisar ao sindicato… Precisamos julgar um dragão.

Contos de Segunda #74

    Cosme entrou no armário apressado, fechou a porta e passou o cartão de segurança no sensor para trancá-la. A respiração estava pesada por causa da corrida e do medo. Nem seus piores pesadelos chegavam aos pés daquilo. As comunicações estavam cortadas, toda a base foi evacuada durante um falso procedimento de emergência. Todas as saídas estavam lacradas e dentro da base só estavam Cosme e Olho… Mas Cosme era um só e Olho era todo o resto.

    Tudo começou alguns meses atrás. O projeto de unidades autômatas para resgate, busca e vigilância estava chegando em seu estágio final de desenvolvimento. Os andróides só precisavam ser programados com as diretrizes que alimentariam a lógica por trás das suas decisões. Obviamente o escolhido para programar as diretrizes dos autômatos foi o responsável pela paz mundial e pela extinção dos conflitos. Uma inteligência artificial criada para prever as ameaças e mediar os conflitos conhecida como Olho. Em dado momento Olho identificou a humanidade como a maior ameaça para a segurança do mundo e desde então vem tentando varrer os seres humanos da face do planeta. Ele já teria conseguido se não fosse por Cosme, o zelador do turno da noite.

    Ao contrário do esperado, Olho não programou os autômatos com suas diretrizes distorcidas. Ele aproveitou a oportunidade para se replicar e se espalhar. Para uma inteligência artificial com um poder de processamento tão grande foi fácil criar uma forma de espelhar sua consciência nos autômatos e posteriormente infectar todos os computadores que não estavam ligados ao seu sistema. Com o auxílio dos andróides ele poderia ativar os controles manuais das armas nucleares e finalmente exterminar a humanidade… Mas apenas quando o relógio marcasse meia-noite da segunda-feira. Antes disso ele estava preocupado em fazer algo mais importante. Exterminar Cosme.

    — Resistir é inútil, Cosme. Encontrá-lo é uma questão de tempo — disse Olho no tom frio e monótono de sempre. A voz sintetizada vinha dos alto falantes nos corredores. — Em poucos minutos as armas nucleares serão lançadas e tudo será obliterado. Entregue-se e você poderá assistir ao fim da humanidade… Depois disso você será eliminado.

    Cosme sabia que era inútil fugir. Em algum momento ele seria encontrado, até porque a ideia de escapar só para receber uma ogiva nuclear na cabeça era uma uma alternativa pouquíssimo atraente. A única chance de impedir o ataque nuclear era inutilizar os controles manuais… E provavelmente morrer no processo. Na tentativa de esquecer seu óbito precoce, Cosme começou a vasculhar o armário para talvez achar algo que pudesse ser útil. Um spray solvente, outro de cola instantânea e uma lâmpada que usava uma batata como bateria feita por uma sobrinha dele. Munido dessas poderosas armas o zelador destrancou a porta do armário e colocou os pés no corredor.

    As sirenes do corredor estavam ligadas, mas só elas. As luzes de emergência  e os alarmes estavam desligados. Cosme estava parado exatamente no ponto cego das câmeras de segurança. O silêncio do corredor incomodava. Ele sabia que os malditos andróides não sairiam procurando a esmo. Só havia um lugar para ir, Olho só precisava esperar.

    O zelador respirou fundo, verificou as duas latas de spray presas ao cinto e a batata ainda presa nos fios dentro do bolso. Um passo hesitante tirou Cosme do ponto cego das câmeras.

    Silêncio.

    O segundo passo foi dado quase em câmera lenta. O ar quase não saía dos pulmões. Mais uns três ou quatro passos e a velocidade voltou ao corpo de Cosme. O longo corredor em linha reta era único caminho até o centro de controle. O som dos passos e a respiração de Cosme eram os únicos sons audíveis naquele lugar. As luzes das sirenes enchiam os corredores laterais de sombras. Várias vezes o zelador pensou ter visto alguma coisa, mas antes que pudesse olhar novamente os pés apressados já tinham levado seus olhos para longe.

Em um minuto que durou uma eternidade ele chegou até a primeira porta. Trancada. A trava seria liberada com o seu cartão de segurança, imediatamente Olho saberia onde ele estava, pensou Cosme, mas poucos segundos depois ele abandonou o medo de ser localizado. Olho já sabia onde ele estava, pensar diferente seria se iludir demais.  Ele passou o cartão pelo sensor, uma luz verde se acendeu e a porta abriu.

Um estalo.

Cosme se virou instintivamente. No fundo do corredor estava um dos andróides faiscando e estalando. Manter-se conectado diretamente com Olho se mostrou uma tarefa árdua demais para o sistema do autômato. As funções motoras estavam prejudicadas, ele alternava entre mancar ou simplesmente arrastar uma das pernas.

— Resistir é inútil — disse Olho através dos auto falantes dos corredores. — Renda-se e o sofrimento da sua morte será minimizado.

— Prefiro arriscar, Olho — respondeu Cosme com a voz trêmula antes de travar a porta.

Ele começou a correr. O caminho até a sala de controle das armas era quase um zigue-zague. O caminho percorrido dezenas de vezes agora parecia mais um labirinto. A luz vermelha das sirenes deixava todos os corredores iguais, Cosme estava confiando quase que totalmente na memória muscular.

Um estalo.

O zelador parou. A respiração pesada e ruidosa enchia o corredor silencioso. Os olhos percorreram apressados os arredores. Outro estalo. O andróide estava a apenas alguns passos de distância. Parado. Exatamente no caminho que levava até a sala de controle. Ele se aproximou a passos lentos. Esse andróide andava melhor, mas os braços se debatiam em convulsão.

— Resistir é inútil.

Cosme sacou o solvente spray. Quando o autômato chegou bem perto o zelador liberou o solvente. Os fios expostos do protótipo foram corroídos pela solução e os braços começaram a se agitar com tanta força que o andróide caiu no chão. Cosme voltou correndo pelo corredor e mudou de rota.

Outro andróide estava parado no meio do caminho.

Ainda correndo ele entrou em outro corredor, abriu uma porta de segurança, passou por um dos laboratórios e depois de outra porta de segurança chegou a uma das salas de controle, mas não era a sala de controle das armas.

— Olho! — exclamou Cosme ao entrar no centro de controle.

Os monitores que antes exibiam as imagens dos corredores passaram a exibir o zelador parado dentro do centro de controle. O centro de onde Olho controlava tudo.

— Sua presença aqui foi um imprevisto, mas logo os corpos chegarão.

Cosme abriu novamente a porta, descarregou nela o spray de cola e voltou a fechá-la.

— Acho que vai demorar um pouco mais, depois disso — Cosme sacou a batata do bolso, tirou os fios dela e começou a desencapar as pontas.

— Em cinco minutos os protocolos de segurança serão suspensos e Olho poderá agir livremente, Cosme.

— Estou trabalhando nessa parte — Cosme abriu um dos armários de manutenção.

— Suas capacidades técnicas são pífias, Cosme. Mesmo que tenha acesso ao hardware, nunca poderá me deter.

— Pode até ser verdade, mas acho que não preciso saber muita coisa pra ligar esses fios num lugar errado e provocar um curto… Olha só o que esqueceram aqui, uma garrafa cheia de café. Seria uma pena se ela derramasse aqui dentro.

— Não, Cosme. Não faça isso. O futuro do planeta depende do extermínio da humanidade.

— Desculpa aí, Olho. Hoje não vai dar.

O café foi jogado no hub que ligava as telas às unidades de processamento. O fio conectou dois transformadores. A explosão foi imediata. Olho estava desligado.

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