Fernanda estava tentando controlar a raiva. A terapia estava começando a dar bons resultados e os acessos de fúria eram cada vez mais raros. Atualmente pouquíssimas pessoas tinham medo dela e menos ainda tinham motivos concretos para tanto. Uma dessas poucas pessoas era Cristina.
Fernanda e Cristina se conheciam desde sempre e, apesar de serem grandes amigas, as duas conheciam muito bem qual era o tamanho do pavio de cada uma, por isso elas sabiam quem chamar quando entravam numa briga. Não por acaso o contato de Fernanda no no celular de Cristina tinha o sugestivo nome de “Tropa de Choque”.
Cristina estava comprando o presente de aniversário da mãe quando recebeu uma mensagem:
“Tá afim de jantar hoje?”.
A mensagem era de Augusto, um cara com quem Cristina tinha saído umas três vezes. Ele não fazia muito o tipo de Cristina, mas tinha acabado de voltar da Europa e a moça estava começando a pensar no roteiro das próximas férias. Pelo menos os dois teriam bastante assunto. O encontro estava indo muito bem até que Augusto começou com um papo muito estranho sobre futuro, compromisso, relacionamentos e outras coisas que Cristina sabia muito bem onde iam dar. Era melhor dar um jeito de terminar logo aquele encontro.
— Desejam escolher uma sobremesa? — Disse o garçom ao recolher os pratos.
— Já passei do meu horário — respondeu a moça. — Só a conta por favor.
— Cristina, eu estive pensando muito nesses últimos dias… Pensando muito na gente — começou Augusto.
“Ah, não”, pensou ela.
O rapaz colocou a mão sobre a dela e olhou direto nos olhos da moça.
“Pelo amor de Deus… Não”.
— Faz tempo que eu quero assumir um compromisso, só faltava a pessoa certa.
Ela tirou a mão debaixo da mão dele.
— Não vai rolar, Augusto — cortou ela. — É melhor a gente só pagar a conta, eu pego o presente da minha mãe, entro num táxi e cada um segue o seu caminho.
***
O telefone de Fernanda tocou. Para a surpresa da moça, era uma ligação de Cristina.
— Oi, sumida — atendendeu Fernanda.
— Amiga, eu tô com um problema e preciso de uma ajudinha.
— Diz aí.
— Um cara me chamou pra jantar e quando a gente tava esperando a conta ele me pediu pra namorar com ele.
— E o que tem isso?
— Vamos dizer que eu… Dei um fora no sujeito e ele não aceitou muito bem.
— Ele fez alguma coisa contigo? — O tom de Fernanda estava mais sério.
— Não, mas lembra que tá chegando o aniversário da minha mãe?
— Sei.
— Eu comprei o presente antes de vir jantar e deixei no carro do sujeito. Agora ele não quer me deixar pegar.
— Onde vocês estão?
— Naquele restaurante que teu pai trazia a gente pra almoçar.
— Chego aí em um minuto, não deixa ele sair até eu dizer.
— Pode deixar — disse Cristina antes de largar o celular.
Ela estava tentando aplicar a variante mais desajeitada e ineficaz do mata-leão no ex-futuro namorado. Teria funcionado se Augusto não fosse uns trinta centímetros mais alto e Cristina soubesse o que estava fazendo.
— Me solta, sua louca — disse ele.
— Só depois de devolver o presente
— Eu não vou devolver nada.
Menos de um minuto depois o telefone de Cristina tocou.
— Oi — disse a moça.
— Deixa ele sair — respondeu Fernanda do outro lado da linha.
Imediatamente Cristina libertou Augusto da semi-imobilização. O rapaz entrou apressado no carro e saiu, mas não antes de colocar a cabeça para fora da janela e gritar.
— SUA DOIDA!
O carro de Augusto mal tinha colocado as rodas na avenida quando foi atingido por outro veículo no lado do passageiro. Ainda desnorteado pelo susto, Augusto olhou para o motorista do outro veículo. Atrás do volante estava uma moça, ela usava um colar cervical, um protetor bucal, igual ao que lutadores usam, e um capacete. Ela tirou o capacete, o protetor bucal, o colar cervical, abriu a porta e desceu do veículo carregando uma marreta. Deu a volta no carro e bateu de leve no vidro do lado do motorista com dois dedos. Augusto abriu.
— E aí, meu velho, tudo certo? — Fernanda estava sorrindo, um sorriso demoníaco demais para transmitir simpatia.
— Mais ou menos — respondeu Augusto ainda tentando processar o ocorrido.
— O negócio é o seguinte — começou ela. — O presente da mãe da minha amiga tá aí no teu banco traseiro e ela tá querendo de volta.
— Ela que compre outro presente.
Fernanda girou a marreta e estourou o vidro da porta de trás.
— Eu podia só pegar o presente, mas eu prefiro que você me entregue. Sabe como é, eu prefiro quando as pessoas colaboram comigo.
Alguns instantes depois Fernanda estava entrando no estacionamento com um sorriso no rosto e a sacola do presente na mão. Ao longe dava para ouvir o som dos pneus de Augusto cantando.
Bete
Que terror esta mulher, ainda bem que ela não existe.