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Tag: Amigo Secreto

Os Planos (Problemáticos) de Fim de Ano

    Uma das coisas mais comuns no final do ano é ter um plano. Uma programação, uma tradição, algo que se repete ritualisticamente a cada doze meses. Como dezembro tem toda aquela vibe de união das pessoas e derivados, o mais comum (e mais óbvio) é reunir a família pra todo mundo passar junto essa época bonita que antecede o falecimento de mais um ano. Só que, assim como tudo que envolve família, essas atividades lúdico-alimentícias são potencialmente problemáticas.

    Existem famílias de várias formas, tamanhos, cores e sabores. E é justamente por causa dessa diversidade que nem sempre estar com a família é uma atividade prazerosa. Primos que você não gosta, tios que fazem perguntas constrangedoras, agregados inconvenientes e aqueles parentes que não se bicam travando uma guerra fria que por pouco não vai virar um apocalipse nuclear. Talvez isso não aconteça com você. Talvez a sua família não tenha nenhum dos arquétipos listados acima, mas o que pega todo mundo é justamente o dever, quase a obrigatoriedade.

    “Esse ano eu nem queria ir”. Essa frase já pode ter saído pela sua boca ou entrado pelos seus ouvidos. Mas a realidade é uma só: boa parte dos problemas das programações de fim de ano está no simples fato da programação existir. Vamos exemplificar pra ficar mais claro. Imagine que você faz algo todo ano com a sua família, agora imagine que apareceu algo que você quer muito fazer com pessoas que não são da sua família. Imaginou? Agora sabe do que eu estou falando. Por isso as pessoas relutam tanto em mudar as tradições de fim de ano, porque o natural do ser humano é evitar problemas pra si mesmo, um instinto de autopreservação que está em todos nós… Só que uma das coisas que o ser humano faz melhor é desafiar os seus instintos e por isso entramos no lado B da história.

    Muitas das atividades de fim de ano, mesmo as ruins, são perfeitamente administráveis ou no mínimo suportáveis, mas todas elas têm potencial pra se tornar bem pior do que já é. Uma forma excelente de fazer isso é introduzir um amigo secreto no meio dos festejos. E, como eu já falei no ano passado, amigo secreto pode ser um prazer ou um suplício. Em condições ideais de temperatura e pressão, você vai fazer a brincadeira em um ambiente onde todas as pessoas se conhecem e todos podem dizer o que querem. Normalmente o que acontece é que você não tira a pessoa que seria fácil de dar presente e termina tirando aquela sua tia que você (e todo mundo) só vê no Natal. E se for na pior das situações possíveis vai rolar um daqueles amigos secretos onde cada um leva um presente, os amigos secretos são tirados na hora e o limite de valor é cinquenta reais.

    “Não acredito que você não vai” é uma frase que já deve ter saído das nossas bocas ou entrado nos nossos ouvidos. Como um defensor das tradições familiares, eu nunca cheguei a ouvir, mas entendo perfeitamente o dilema vivido por nós quando precisamos decidir entre seguir os hábitos ou tentar algo diferente. E, a menos que seja uma experiência realmente desgraçada, recomendo que você opte pela família sempre que possível. Nunca passe mais de dois anos seguidos longe dos ritos do seu clã e tente ao máximo não criar problemas pra você mesmo. O final do ano já pode ser uma época bem ruim sozinho, ele não precisa da sua ajuda pra ficar pior.

Contos de Segunda #26

    Moacir estava com um humor péssimo. Desde o começo a segunda-feira estava tão maravilhosa quanto um tratamento de canal. Da topada no pé da cama ao acidente com café que acabou mudando a cor de uma camisa novinha, aquela segunda-feira estava se esforçando para ser um dia especialmente desagradável. Estava tão ruim que o humor do pobre Moacir estava começando a melhorar, afinal não tinha como o dia ficar pior.

–  Moacir, tira aqui o nome do teu amigo secreto.

O palavrão saiu da garganta, mas morreu entre os dentes trincados do pobre coitado. Ele respirou fundo duas vezes e tentou fingir que não era com ele.

– Moacir, tira logo o teu amigo secreto que eu ainda tenho que passar lá no pessoal do design.

A mão de um homem um pouco mais controlado puxou um papelzinho de dentro da sacola. Essa mesma mão se juntou com sua irmã gêmea para receber o rosto de um homem que nunca antes tinha desejado com tanta força a queda de um meteoro. Nem precisava ser um dos grandes, só o suficiente para esmagá-lo e terminar com aquela segunda-feira maldita.

Os amigos secretos com o pessoal do trabalho sempre eram um desastre. Perfumes que causaram reação alérgica, chocolates que causaram diarreia e uma caneca personalizada do time de futebol rival eram só algumas amostras dos presentes desastrosos que Moacir acabava comprando todo ano. Esse ano não seria diferente, ele sabia, por mais que ele se esforçasse nunca dava certo. Ele tentou comprar exatamente o que a pessoa queria, tentou pegar uma dica com colegas do setor do amigo secreto, tentou ser genérico e criativo. Nunca deu certo… Na verdade “dar certo” era um extremo tão oposto que as piadas sobre os presentes de Moacir costumavam durar até o carnaval.

A porta de entrada para a desgraça de todo fim de ano estava ali, em um pedacinho de papel. Pouco mais de uma semana para o dia do amigo secreto. A contagem regressiva acabara de começar e o stress já tinha atingido os níveis mais altos do ano.

“Qual vai ser o presente que eu vou transformar em desgraça esse ano?”, se perguntava Moacir a cada dois minutos enquanto voltava pra casa. Pelo menos ele podia comprar alguma desgraça barata, era ano de crise e ninguém se importaria de se dar mal a um custo baixo. Era nisso que estava pensando quando enfiou a chave na tranca da porta. “Hoje não podia ter sido pior”, era nisso que ele pensava quando entrou no apartamento. Mas a segunda-feira estava se esforçando de verdade para que aquele homem não tivesse um bom início de semana, e uma pergunta foi a cereja daquele bolo de cocô.

– Eita… Quem foi que eu tirei mesmo no amigo secreto?

Amigo Secreto

    Poucas coisas no folclore do fim do ano conseguem ser mais notórias do que a boa e velha brincadeira de amigo secreto. Ponto alto de várias confraternizações  ou até mesmo algo que merece uma celebração particular, o amigo secreto é uma das poucas coisas que não muda em função da região, faixa etária ou da classe social dos participantes. Uma atividade lúdica e recreativa que movimenta o fim de ano de muita gente, principalmente quando se é adulto, gera uma comoção enorme entre os participantes e rende histórias pro ano inteiro. Mas o que o amigo secreto tem pra causar esse efeito nas pessoas?

    O primeiro fator determinante para a graça do amigo secreto é o fator aleatório. Não existe um ser humano na face do planeta que não veja nem um pouco de graça em sorteios e é isso que o amigo secreto é na prática, um jogo de sorte. O simples ato de tirar um papelzinho com o nome de uma pessoa já gera adrenalina equivalente à de um salto de paraquedas. A tensão, a expectativa e o risco de se dar mal transformam o ato do sorteio em algo único, ou nem tão único caso você tire seu próprio nome e tenha que refazer o sorteio. Logo depois da determinação dos resultados aleatórios temos mais uma etapa atribulada do processo: comprar o presente.

    Escolher presente pros outros nem sempre é uma tarefa simples. Caso a dama da sorte tenha lhe sorrido, seu amigo é uma pessoa que você conhece bem e, com um pouco mais de sorte, até mesmo um ser humano pelo qual você nutre alguma simpatia. Caso não você já começou a brincadeira se lascando na desvantagem, se a dama da sorte resolveu tirar uma bela onda com a sua face o risco de tirar uma pessoa que você detesta é bem grande, principalmente se o amigo secreto for realizado em ambiente de trabalho. Para fins pedagógicos vamos considerar que sempre ocorre a segunda opção. Lá está você quebrando a cabeça para dar um presente pra um ser humano que é quase um desconhecido, caso a pessoa tenha divulgado um presente que gostaria de ganhar a tarefa fica um pouco mais fácil, mas como estamos trabalhando com cenários adversos é melhor excluir essa possibilidade. Se você foi esperto o suficiente pra comprar algo genérico, não muito caro e que agrade todo tipo de pessoa, além de não ter caído na tentação de comprar um vale presente, você pode concorrer prêmio Nobel de amizade secreta, se não foi… Não tem muito o que fazer além de aceitar o fato de que o presente comprado só difere de um pedaço de cocô por causa do cheiro. Infelizmente é o que tem pra hoje, pelo menos o embrulho tá bonito e não vai fazer vergonha na hora da festa/confraternização/almoço/jantar/happy hour/desculpa que arrumaram pra justificar o amigo secreto.

    E eis que chega o grande dia. Cada um dos participantes aparece com pacotes e sacolas das mais variadas cores e tamanhos. A tensão e a expectativa crescem. Sempre tem algum desgraçado participante que falta, deixando uma pessoa sem presente e outra sem amigo secreto. Depois que finalmente todos chegam começa a brincadeira, alguém se habilita e começa o velho jogo de adivinhação, que acaba sendo meio furado por que ou o cara entrega de bandeja o nome do amigo ou faz uma descrição tão doida que ninguém acerta. O tempo vai passando e vai chegando a sua vez, a tensão começa a crescer, não só por causa do presente qualquer coisa que você comprou, mas também pelo medo de receber um presente tão qualquer coisa quanto. Sua vez chega antes, o cara que ia receber o presente acabou faltando rompendo a ordem da brincadeira, você começa a descrever seu amigo com o máximo de acurácia possível, vendo que ninguém vai acertar você diz logo quem é o fulano, entrega o presente e pela cara do sujeito se abrem duas possibilidades: ou você não errou o presente ou o cara merece o Oscar de melhor ator. Você volta pro seu lugar, aliviado, torcendo pra que o seu presente seja pelo menos o vale presente de uma loja legal.

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