Outro dia estava com a cabeça desocupada e acabei lembrando dessa música aqui:

Imediatamente fiz uma versão adaptada para os tempos de hoje do verso de abertura da música. “Quando a quarentena acabar…”, cantarolei eu na minha cabeça que, a partir daquele momento, não estaria tão desocupada assim. Desde então um pensamento recorrente toma conta da minha cabeça. O alívio da falta de ansiedade pelos dias presentes me manteve superficialmente tranquilo até então, mas o encontro constante dos últimos dias tem sido com aquilo que, até então, eu não sabia que perturbava o meu sono. As minhas ansiedades estão depois do fim.

Antes de começar a discorrer com mais detalhes sobre o assunto gostaria de dizer que eu não estou pessimista. Eu acredito que essa crise vai acabar, que covid-19 vai ser só mais uma das inumeras doenças com as quais a gente convive todos os dias, que qualquer dano social e econômico vai ser razoavelmente superado e que apenas o prejuízo humano, como em qualquer outra crise, vai ser irreparável. Sei que o caminho até o fim de tudo pode ser ainda muito longo, ou nem tanto, quem sabe até um pouco maior, mas a espera faz parte da minha vida há tempo suficiente pra me munir da paciência necessária em uma situação dessas… Todas essas palavras não parecem as de alguém preocupado com o que está para acontecer. De fato essas não são, mas as próximas talvez.

Fico pensando no dia em que poderemos dizer que tudo isso acabou. Quando olharemos os destroços do que foi destruído e as ruínas recém nascidas daquilo que acabou de ser abandonado e permanecerá abandonado dali em diante. Penso em todas as mudanças que estão crescendo em seus casulos, esperando o dia de abrir as asas na direção do céu de um mundo que, em vários níveis e proporções, não será o mesmo. Penso no quanto estaremos traumatizados, ou não, depois de tudo isso. Se todas as quedas de braço, as trocas de acusações, as discussões inflamadas, as decisões tomadas e as atitudes adotadas terão valido de alguma coisa.

O futuro aguarda por todos. Vítimas, fatais ou não, filhos e filhas, esposas e maridos, mães e pais, viúvas, viúvos e órfãos da quarentena. Por aqueles que pararam suas vidas e pelos que, feliz ou infelizmente, não tiveram esse privilégio. Por aqueles que contarão essa história toda como um resumo das manchetes dos jornais ou como um relato de guerra. O futuro aguarda por todos que sobreviveram. Ao vírus, ao medo, ao trabalho e à falta dele, à fila do banco, ao calendário, à espera, ao tédio, ao isolamento, à falta de rotina ou ao excesso dela, à solidão, à depressão. À morte batendo na porta ou apenas espiando pela janela. O futuro virá e tenho a inabalável esperança que poucos de nós não estarão aqui para vê-lo, mas, se pensarmos bem, sempre foi assim. As coisas que virão, virão para todos, o quanto delas virá para cada um é uma pergunta que não nos cabe responder.

Espero não ter deixado você, pessoa leitora preocupado ou temeroso. Nunca foi a minha intenção. Os tempos que vivemos já faziam isso bem antes de qualquer novo vírus Made in China. Não gosto muito de falar sério por aqui, mas algumas coisas mais leves só saem da nossa cabeça quando as mais pesadas saem primeiro. Um aperto sem mão, um abraço sem braço e um beijo de longe sem encostar a mão na boca pra todos vocês e até uma próxima com as palavras mais leves que eu puder escrever.