Não é um blog sobre cachorros e bikinis

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Eu, Você e Esse Trânsito Maldito

    Esta semana não foi raro parar para avaliar minha vida no caminho para o trabalho ou para casa. Na verdade eu estava analisando minha vida em dois momentos específicos. Digo isso pelo simples fato de ter passado essa semana por dois dos maiores engarrafamentos que eu já encarei nos meus quase três anos como motorista.

    Se existir uma lista dos maiores vilões para os seres que habitam ou circulam diariamente pelas cidades grandes, é bem provável que o trânsito esteja no topo da lista para a maioria das pessoas. Se quando você é criança os monstros que aparecem quando a luz apaga, o velho do saco, o bicho papão ou aquela velha estranha que vive na sua rua são as coisas que mais te metem medo, quando você é adulto essa função de encher o seu coração de pavor pode muito bem ser ocupada pelo trânsito. A diferença é que, ao contrário dos monstros que teoricamente vinham pra te pegar, é você que vai pegar o trânsito.

    Não sei você, mas quando eu falo ou penso em alguma frase que tem a expressão “pegar trânsito”, a minha alma se enche de medo ou de tristeza. Quando a frase envolve alguma forma de pensamento preventivo, o medo toma conta, afinal a incerteza faz isso com a gente. Quando o trânsito ruim se torna uma certeza, ou uma sentença, o mundo perde a cor e todas aquelas músicas de bad que você já ouviu na vida começam a fazer muito sentido. Mas nada é maior do que a aleatoriedade do trânsito.

    Basta você fazer o seu caminho de casa para o trabalho/escola/curso/faculdade de segunda à sexta pra memorizar quais os pontos de engarrafamento, mas também é bem possível que você tenha experimentado passar por alguns pontos onde tanto faz o trânsito estar uma beleza como estar uma desgraça. Imagine que toda vez que você sai de casa você joga um dado e torce pra tirar um número alto o suficiente pra te livrar do trânsito.

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Mas tudo que foi comentado até agora acontece antes ou depois do engarrafamento, justamente onde a desgraça verdadeira do trânsito habita. O engarrafamento é o ponto máximo do trânsito, pode ser só uma lentidão momentânea, uma lentidão sem fim ou você pode simplesmente ver a mudança na cor dos sinais algumas várias vezes antes de ter a oportunidade de andar um palmo que seja. Buzinas motivadas pela revolta e/ou pela falta de educação aparecem aqui e ali, um ou outro carro acaba cheirando a bunda de outro que freou muito repentinamente e sempre vai aparecer uma ambulância ou viatura da polícia pra testar a capacidade dos motoristas de livrar espaço na via. Claro que também temos os motoqueiros que fazem questão de tirar aquele fino no seu retrovisor e de desafiar as leis da física e a anatomia de suas motocicletas. Mas nenhuma dessas coisas mede tão bem o tamanho da desgraça quanto o volume do comércio no engarrafamento.

Água e pipoca no sinal é (pelo menos na região metropolitana do Hellcife) o que mais tem, frutas você encontra em alguns pontos da cidade e as flanelas são bem comuns, mas de acordo com o nível de paralisia da via as coisas mudam um pouco. A primeira coisa que muda é a distância do vendedor pro sinal/semáforo/farol. Quando você vê aquele vendedor de pipoca de sempre uns trezentos metros antes de onde ele normalmente fica pode apostar sem medo que o trânsito tá uma derrota. Outro indicativo é o aparecimento de coisas que não são vendidas normalmente, como por exemplo um restaurante que fica em uma das avenidas com trânsito mais potencialmente cabuloso do Recife e que, nos dias de trânsito mais pesado, coloca os funcionários pra vender galeto no engarrafamento. Recentemente uma galera que vende bolo de rolo a cinco reais se instalou na mesma avenida onde a galera vende galeto. Em outro ponto da cidade, segundo relatos de um amigo meu, outro restaurante vende pizza, isso mesmo, pizza para aqueles enganchados no trânsito. Não duvido que logo estaremos no patamar angolano, onde eu vi gente vendendo até cachorro no meio do trânsito.

Trânsito é uma bosta. Um engarrafamento do bom, daquele que quase triplica o tempo do nosso trajeto, tem o poder de drenar todas as nossas alegrias e esgotar as nossas mentes. Para minimizar isso eu recomendo uma carona que não seja mimizenta, até porque nenhum motorista precisa de alguém pra aumentar o nível de derrota daquela situação, ou alguma coisa que ocupe o tempo gerando o mínimo de entretenimento. Um conhecido meu começou a ouvir audiolivros, eu costumo ouvir podcasts, outros se aproveitam do rádio ou da televisão de suas centrais de mídia. Eu não recomendo muito ouvir música porque é uma maneira simples de você marcar o tamanho da demora que aquilo tudo está te causando, além de achar que nunca é muito legal colocar trilha sonora na desgraça. Mas a maior recomendação que eu dou é uma coisa que eu tento fazer sempre e em algumas vezes eu tenho sucesso: tente não esquentar a cabeça com coisas que fogem do seu controle. Até semana que vem

Até Quando Tá Bom é Ruim

    Hoje estava eu retornando para o meu humilde lar quando me deparei com uma situação (quase) inédita. O trânsito desgraçado que normalmente encaro quando saio do Recife em dia de sexta-feira não apareceu. No lugar dele eu peguei um trânsito bem próximo daquele que eu pego nos outros dias da semana. Qualquer um no meu lugar estaria no mínimo satisfeito por ter errado a previsão e eu de fato estava satisfeito por ter minhas expectativas frustradas… Mais ou menos satisfeito.

Por um acaso hoje eu estava dando carona e a primeira coisa que eu fiz quando ela entrou no carro foi alertar para o trânsito que a gente teoricamente iria pegar. Antes de chegar ao ponto onde o trânsito é mais complicado, comecei a notar que tudo estava fluindo anormalmente bem. Coisas do tipo “já era pra estar engarrafado por aqui” começaram a surgir entre as trivialidades da conversa em um misto de surpresa e decepção. Quando eu cheguei à saída do Hellcife, onde não só a sua paciência, mas também a sua fé costuma ser testada, percebi que não pegaria nem metade do trânsito das sextas anteriores. Obviamente comecei a listar todas as características desgraçadas do trânsito de sexta e de como nada daquilo estava acontecendo. Foi nesse momento que eu e a carona chegamos a uma mesma conclusão: eu estava reclamando do trânsito.

Reclamar é uma das coisas que a gente faz com mais naturalidade. O ser humano passa uma parte considerável da sua existência se incomodando com alguma coisa. Inclusive eu acredito que um dos maiores incômodos que podemos ter é o de errar previsões.

Errar já é uma coisa chata, mas dar um palpite com quase 100% de chance de acerto é e ainda assim errar na previsão é muito pior. Agora imagine o que acontece quando você prevê algo ruim, uma desgraça sem tamanho, uma mazela de proporções bíblicas… Ou o trânsito de sexta na saída do Recife. Está você lá pensando que vai virar a esquina e encontrar com um monstro de filme japonês, mas logo depois você topa com um cara com uma fantasia de carnaval mal feita. Rola um alívio momentâneo, mas logo depois você percebe que toda a sua preparação psicológica foi pro saco e todo aquele aço nos seus nervos não vão servir pra mais nada. Não tem outra, você começa a reclamar.

Esse é o primeiro de uma série de posts sobre reclamar da vida. Tive essa ideia maravilhosa agora e provavelmente me arrependerei amargamente de assumir esse compromisso, mas se eu não fizer isso não terei motivo pra reclamar de nada e é com esse final que pode gerar alguma reclamação sua que eu encerro o post dessa sexta.

Só Não Pode Deixar Morrer

Quem mora no Recife sabe que algumas das melhores e mais antigas bancas de jornal da cidade estão na Av. Guararapes, Centro do Recife, por isso toda vez que eu vou fazer alguma coisa pelo Centro acabo passando por lá pra dar uma olhada nos quadrinhos. Por um mero acaso acabei entrando numa rápida conversa trivial com o senhor dono (pelo menos eu imagino que seja o dono) da banca sobre uma certa coleção de encadernados que anda saindo e está fazendo bastante sucesso. Tal conversa acabou me fazendo levantar um ponto relevante em relação ao meu relacionamento com as histórias em quadrinhos. Apontei três razões principais que não me deixavam comprar tudo que eu gostaria de ler: a falta de tempo para ler, falta de espaço pra guardar e a falta de grana. A resposta que eu recebi me pareceu tão interessante na hora que me motivou a escrever o texto dessa quarta-feira.

“Tempo a gente arruma”. Faz tempo que o tempo anda apertado. Se você tem a mesma sensação te dou os parabéns por já ter virado um adulto. Infelizmente o tempo é um recurso cada vez mais escasso e nós, pobres seres humanos, temos o costume de diminuir o tempo disponível para nossos hobbies e atividades recreativas de uma maneira geral. Com um pouco de esforço é possível arrumar uma brechinha na nossa vida corrida pra encaixar as coisas que fazemos por pura e simples satisfação. Cara da Banca 1×0 Filipe.

“Espaço a gente ajeita”. Quem é adepto da mídia física sabe o problema que é guardar a coleção, seja de livros, revistas ou seja lá o que for. Muitas vezes a decisão de comprar ou não comprar leva em conta o espaço disponível na estante ou prateleira. Esse tipo de raciocínio acaba sendo levado um pouco pra nossa própria vida. Quantas pessoas se privam de conhecer alguém por não ter “espaço” em suas vidas para um relacionamento? E os que deixam de fazer aquela aula daquele idioma esquisito ou desistem de voltar a estudar por acharem que já tem muitos afazeres na vida e não querem mais uma coisas pra se preocupar? Mais um ponto pro Cara da Banca. Cara da Banca 2×0 Filipe.

Obviamente ele teve que concordar comigo sobre o fator grana. Pelo menos dessa vez nós dois marcamos ponto. Cara da Banca 3×1 Filipe. Mas o que ele me disse depois foi o que realmente me impactou:

“Só não pode deixar o quadrinho morrer”.

Claro que o mercado brasileiro de quadrinhos está muito longe de ser o paraíso para as editoras, grandes e pequenas, que se atrevem a publicar obras de arte sequencial, mas será mesmo que ele estava falando sobre isso? Acredito que essa frase poderia ser lida como “Só não pode deixar o quadrinho morrer pra você”. Fim de jogo, vitória do Cara da Banca.

A História de Todas as Coisas

Outro dia estava eu caminhando pelo Centro do Recife quando escuto uma menina falando alto pra amiga que estava com ela a seguinte frase: “Aquilo é um sofá?”. Ela se referia a um corpo estranho que estava meio submerso no rio Capibaribe. O fato do corpo estranho de fato ser um sofá fez minha imaginação começar a trabalhar. Não custou muito para que eu chegasse a conclusão de que a história daquele sofá talvez fosse bem interessante. Logo depois eu pensei: Seria muito legal conhecer a história de todas as coisas.

Tudo que compramos ou ganhamos sempre trilha um caminho muito longo para chegar até nós. Depois que começamos a usa-los eles começam uma jornada ainda maior, nos acompanhando em vários lugares e vivendo junto conosco toda sorte de experiências boas ou ruins, banais ou extraordinárias. Se nós temos muita coisa pra contar, não é difícil conceber que os objetos que nos cercam também teriam.

Imagine se aquele seu sapato surrado, aquele chinelo velho ou aquela camisa de estimação pudessem contar todas as coisas pelas quais elas passaram. Como seria ouvir uma parte da sua própria história sob a perspectiva de uma calça jeans? Quantas histórias não tem aquele fusca todo conservado que passou por você outro dia ou uma nota de 10 reais.

Fico pensando em todos os lugares que uma câmera fotográfica já teve o prazer de registrar, em quanto já viu um simples par de óculos ou em quantos filmes já viu uma poltrona de cinema… Ou simplesmente no caminho que trilhou o sofá até seu destino final: o Rio Capibaribe. Se ele pudesse me contar talvez fosse legal de ouvir, mas infelizmente não tem como conversar com um sofá sem estar louco.

Nome

Tem coisas que a gente pensa que todo mundo tem. Como senso crítico, bom senso, noção e outras coisas. De fato poucas coisas todo mundo realmente tem. Entre elas está o nome.

Nome que te deram, nome que você se deu, nome que virou nome sem querer. Não importa. Todo mundo é chamado de alguma coisa, faz parte do nosso ser e é a pedra fundamental da nossa identidade, mas todo esse papo sobre nome foi motivado por um fato cotidiano ligeiramente curioso.

Fui assistir um filme no cinema antigão do centro do Recife, o São Luis. Só que essa conversa sobre nomes não tem relação alguma com o cinema em si ou com a sua idade, nem com o filme, menos ainda com o Recife. Tudo aconteceu quando eu entreguei meu ingresso na entrada do cinema, espiei o crachá do senhor que estava conferindo os bilhetes e vi em letras pretas o nome:

“Rock Stanley”

Claro que eu só consegui processar a informação alguns minutos depois. Não é todo dia que se encontra um senhor de óculos, com a barba e o cabelo grisalhos com um crachá escrito “Rock Stanley”. Imediatamente comecei a imaginar se esse é o real nome do sujeito ou se a galera pode colocar apelidos no crachá lá no São Luís. Também comecei a pensar se eu tinha lido errado, mas esses pensamentos foram afastados. É inúmeras vezes mais legal saber que no mundo existe alguém com o nome de Rock Stanley.

É quase inevitável não imaginar a professora fazendo a chamada e perguntando se Rock Stanley estava presente ou Rock Stanley sendo chamado pra entrar num consultório médico. E diante da tela do computador eu imagino uma lápide, um cartão de crédito e uma carteira de motorista com o nome “Rock Stanley”. Espero não ter lido mal e espero que não seja um apelido, porque agora o mundo está muito mais legal pra mim. Porque é muito legal saber que existe um Rock Stanley.

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