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Contos de Segunda #63

    Moacir estava de mau humor. Não que isso fosse novidade, principalmente em segundas-feiras. Se bem que para Moacir o ano inteiro foi uma grande segunda-feira. Tudo deu errado desde o primeiro dia do ano. As piadas sobre o presente errado que ele deu no amigo secreto que normalmente duravam até o carnaval ainda estavam rolando no Dia de Finados. O aumento de salário que foi prometido não veio, assim como o novo computador e a entrega do apartamento. A mudança devia ter acontecido enquanto Moacir estava de férias, mas uma briga entre a construtora e a imobiliária acabou atrasando a mudança em três meses. Fazia duas semanas que Moacir empacotava as coisas.

    Naquela segunda em específico ele estava de mau humor por causa do ano que custava terminar. O calendário que ficava pendurado na parede da cozinha foi feito em pedaços, o bom dia do porteiro foi respondido com alguma grosseria ininteligível e todos os xingamentos possíveis e imagináveis foram ditos no caminho até o trabalho. Chegando lá Moacir se depara com alguns colegas tendo alguma discussão banal sobre qualquer coisa. Passou por ela torcendo para que ninguém tentasse puxá-lo para dentro da conversa, mas uma frase frustrou seus planos.

— Num dá vontade de dar uma voadora nas costas com um murro na nuca de um sujeito desses?

— Só sendo muito idiota pra achar que dá pra fazer um negócio desses — rebateu Moacir.

Um silêncio funeral tomou conta da roda de conversa. Talvez se Moacir tivesse pensado por meio segundo ele não teria dito aquilo. Porque ninguém naquele recinto tinha coragem de falar daquele jeito com a autora da frase. A autora da frase era Fernanda, provavelmente a pessoa mais raivosa da face da terra, uma mulher que normalmente era bastante controlada… Até que alguém soltasse uma resposta igual a essa de Moacir.

— Como é, Moacir? — Fernanda estava claramente começando a ferver por dentro.

Moacir olhou nos olhos da moça, viu a fera que se escondia atrás deles e decidiu que precisava brigar com alguém.

— É, Fernanda, tem que ser idiota pra pensar um negócio desses. Imagina a cena. Não dá pra acertar uma voadora nas costas de uma pessoa e um murro na nuca ao mesmo tempo. Você já deu uma voadora em alguém? Já tentou fazer alguma coisa enquanto dava uma voadora em alguém?

— Tá maluco, Moacir? Você chega, nem pra dar um “bom dia” pro pessoal, ouve a conversa pela metade e ainda fica me chamando de idiota? — Ela deu um murro na mesa. — Eu não tenho culpa que você acordou de ovo virado hoje. Se você quiser falar merda pra alguém que vai aguentar calado, você vá falar com a senhora sua mãe ou praquela mosca morta que você chama de namorada.

— Eu não tenho que falar com ninguém. A culpa não é minha se você não aguenta ouvir uma verdade.

— Verdade? VERDADE? Agora você conseguiu me irritar de verdade.

— Ainda por cima fica fingindo raiva. Sabia que essa tua fama de esquentada era só marketing.

Uma caneca saiu voando na direção de Moacir. Por sorte Fernanda tinha errado.

— Ficou louca? E se aquilo me acertasse?

— Se te acertasse eu fazia questão de aparecer no hospital pra arrancar os pontos que iam fazer no buraco da tua cara. Só pra te ver sangrar mais um pouco, filho da…

A frase não terminou. Fernanda foi segurada por alguns colegas enquanto outros recomendavam que Moacir fosse embora. Ele obedeceu. Saiu andando pelo corredor e quando estava chegando perto da porta da sala ele ouviu passos acelerados, como se alguém estivesse correndo. A ideia disso estar acontecendo parecia tão absurda que ele nem fez questão de se virar na direção do som. Um piscar de olhos depois ele estava de cara no chão, com uma dor no meio das costas.

— É. Parece que não dá pra acertar um murro na nuca enquanto se dá uma voadora… Babaca.

Fernanda levantou e saiu andando. Ela gostou tanto de acertar um chute em Moacir quanto ele gostou de receber. No final todos receberam um convite a comparecer na sala do chefe e precisaram ouvir um sermão de meia hora. Não dá para dizer que eles se tornaram amigos, mas nunca mais eles se estranharam.

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  1. Bernardete

    esquentadinha essa Fernanda, não? Goste.

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