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Tag: Maternidade

Contos de Segunda #87

Hoje vamos finalmente concluir a primeira história da Dama da Segunda-feira. O conto de hoje é uma continuação direta do Contos de Segunda #80. Pra saber todos os detalhes dessa história é só dar uma passada em Contos de Segunda #38, Contos de Segunda #43, Contos de Segunda #50 – Parte 01 e Contos de Segunda #50 – Parte 02,  Contos de Segunda #62 e Contos de Segunda #77.

Segunda-feira estava no chão. Aparentemente ela tinha passado um tempo desacordada.

“Eu apaguei?”, pensou Segunda. “Por que será que eu apaguei? Não sei bem… Eu lembro que eu estava junto com as meninas… A gente tava fazendo alguma coisa juntas… Acho que eu tava grávida… É, eu lembro de estar grávida, mas depois não tava mais… E tinha dois meninos jogando damas… Acho que eles me chamaram pra jogar com eles e me chamaram de…”

— AIMEUDEUSOQUEESSEMENINOFALOU? — Berrou Segunda-feira quando se recuperou do desmaio. A Dama rapidamente se colocou de pé e grudou as costas na parede. Olhou ao redor e percebeu que Quarta-feira também estava desmaiada, as outras irmãs só estavam em choque.

— Ele falou “Oi, mãe. Quer jogar com a gente?” — respondeu o mais velho.

— Se a senhora não gosta de damas a gente pode fazer outra coisa — disse o mais novo.

— A senhora tá meio pálida — observou o mais velho. — A senhora tá passando mal?

— Aquela moça desmaiou também, Domingo. Acho que ela também tá passando mal.

— Domingo? — Interrompeu Terça-feira.

— É. Meu nome é Domingo — disse o garoto fungando ao fim da frase e arrumando os óculos. — Não lembro de ter nascido de óculos.

— Deve ter aparecido porque a gente acabou de descobrir que nossa mãe usa óculos.

— Mas não apareceu nada na sua cara, Sábado.

— Verdade. Vai ver que você puxou mais a ela.

— Sábado? — Indagou Quinta-feira tentando sem sucesso reanimar Quarta..

— Isso. E vocês quem são? A gente só conhece minha mãe — respondeu sábado.

— Por motivos óbvios — completou Domingo.

— Somos as outras Damas da Semana — respondeu Sexta. — A desmaiada é Quarta, essa com a maquiagem pesada é Quinta, a vestida de hippie é Terça e eu sou Sexta, a melhor de todas.

— Muito prazer… Vocês são tias da gente então? — Perguntou Sábado.

— Sim — respondeu Terça abrindo um sorriso. — Venham aqui me dar um abraço.

Os garotos sorriram e obedeceram. Depois de alguns segundos nos braços da tia, Domingo questionou.

— Por que minha mãe não pediu pra abraçar a gente?

— Parir é uma experiência meio traumática – amenizou Quinta. — E vocês vão ver que a mãe de vocês não tem exatamente todos os parafusos no lugar, mas ainda é uma pessoa fantástica.

Quinta estava certa, aquilo tudo estava sendo muito traumático. Quando ela pensou em ter filhos, na verdade em ter um filho, esperava terminar todo o processo mágicoritualistico com um bebê nos braços e não com dois meninos já meio crescidos que mal nasceram e já sabiam jogar damas. Dois seres plenamente conscientes de quem eram e de quem ela era. Ela respirou fundo, contou até três e finalmente falou.

— Meninas podem nos dar um instante a sós?

As outras Damas saíram carregando o corpo ainda inerte de Quarta-feira para a outra sala. Segunda se abaixou para ficar na altura dos filhos. Os olhos mal podiam acreditar no que estavam vendo. Depois de alguns segundos eles mal podiam enxergar alguma coisa, estavam cheios de lágrimas. Antes que os olhos transbordassem Segunda abraçou seus dois meninos.

— Eu queria tanto vocês aqui — disse ela no começo de um longo abraço.

— Mãe… Acho que já dá pra soltar a gente — disse Sábado.

— A gente tem que ir pra casa… Eu acho — completou Domingo. — A gente vai morar aqui?  O que a gente vai fazer agora?

Segunda soltou os dois. Ela realmente não tinha pensado ainda nessa parte do plano.

— Bem — começou ela. — Acho que primeiro precisamos falar com a avó de vocês e torcer pra ela não transformar a gente em poeira cósmica.

A campainha tocou. A porta abriu e fechou imediatamente, logo depois alguém começou a bater na porta e Sexta apareceu correndo.

— A Mãe-de-Todas tá aqui — disse ela.

— Ah, não — suspirou Segunda.

— Quem é essa, mãe? — Perguntou Sábado.

— Deve ser a Vó-da-Gente — respondeu Domingo.

— Ah, tá.

— O que a gente vai fazer? — Perguntou Sexta.

— Não tem muito o que fazer. Manda a coroa entrar antes que ela derrube a porta.

A Dama da Lua entrou despejando uma quantidade cavalar de revolta sobre suas filhas. A que mais sofreu foi Terça que tinha fechado a porta na cara da mãe, Quarta acabou desmaiando de novo e Quinta tentou ganhar tempo com uma saudação exagerada.

— … Meu assunto não é com vocês — rosnou ela entrando na sala. — Eu quero falar com Segunda, aconteceu alguma coisa aqui e tenho certeza que foi culpa… — A Dama ancestral congelou ao ver as duas crianças. O olhar ia dos meninos para Segunda e de volta para os meninos.

— Oi, vó — disse Sábado impaciente com o silêncio.

— A gente pode chamar ela de vó? — Duvidou Domingo.

— Acho que sim — disse Segunda. — Saudações, Dama da Lua, fonte de tudo que é bom e mãe para todas nós.

— Saudações, Dama da Segunda-feira. Poderia me explicar quem são essas crianças e o que diabos está acontecendo aqui?

— Esses dois são meus filhos, Sábado e Domingo, acabaram de nascer.

— Filhos? São seus… Filhos?

— Exatamente — respondeu Segunda um pouco mais confiante.

— Eu ordeno que encontre um cavaleiro, coloco todas as tuas irmãs à disposição pra te ajudar e apareces com filhos? Como se um não fosse afronta suficiente, tu apareces com dois? DOIS!

— Meninos, por que não vão pedir pra tia Terça mostrar como ela vê o futuro nas jujubas vermelhas? Eu preciso conversar com a avó de vocês. É coisa rápida.

Os dois obedeceram.

— Quer sentar, Mãe?

— Estou nervosa demais para tomar um assento.

— Se não se incomoda eu vou me jogar nessa poltrona aqui, acabei de parir duas entidades cósmicas.

— Perdeu o juízo, Dama? Ficou louca de vez?

— Não vejo como gerar novas vidas pode ser sinal de insanidade.

— Estavas prestes a perder o controle de teus poderes, Segunda-feira. Precisavas de uma forma de esgotar tuas energias, de enfraquecer. Não só correste o risco de causar danos cósmicos irreversíveis, mas também de gerar duas entidades defeituosas, insanas e descontroladas. Uma Dama louca é algo reversível, mas uma coisa que já nasceu insana só tem a destruição como destino.

— Não me fale de Damas loucas, Mãe. Sabemos bem que nem todas podem ser controladas ou curadas. Não podem ou a senhora não quer que elas sejam.

— Não me provoque, Segunda-feira. Estou farta da tua insubordinação. Quem te ajudou?

— Não sou caboeta, Dama da Lua. Descubra a senhora.

— Não me provoque. Teu projeto de maternidade está por um fio. Com um gesto eu posso evaporar essas duas crianças.

— Não me provoque a senhora. Até onde me consta, meu santuário ainda estará ativo por mais algumas horas e eu posso estar enfraquecida pelo parto, mas eu ainda sou a dona da segunda-feira. Experimenta tocar em um táquion daqueles meninos pra ver o que acontece.

— Então é isso? Minha filha ameaça por causa dos crimes que ela mesma cometeu?

— Se encontrar um meio de me livrar da insanidade sem o uso de um mortal é um crime, Mãe, então pode me considerar culpada, mas agora eu posso te dar dois bons motivos pra me deixar seguir com a minha vida.

— Gerar filhos é um convite para o sofrimento, Segunda-feira.

— Não acontece com todas, Mãe. Não acontece sempre.

— Aconteceu comigo, Dama. A dor pode enlouquecer muito mais do que qualquer outra coisa.

— Não pense que eu não sei.

— E mesmo assim quer levar isso adiante?

— Não tenho escolha. Não lembro de casais querendo adotar entidades do tempo.

— Sabes que não vai ser fácil.

— Não estou sozinha, Mãe. Tenho minhas irmãs pra me ajudar.

A Dama da Lua deu um sorriso. Abriu os braços e abraçou a filha.

— Obrigado, Mãe.

— Me apresenta teus filhos?

— Eles vão ter que se apresentar sozinhos, faz menos de meia hora que eu conheço os dois.

Contos de Segunda #80

Fechamos o mês do Dia Internacional da Mulher da mesma forma que começamos, com um conto da Dama da Segunda-feira. O conto de hoje é uma continuação direta do Contos de Segunda #62 e do Contos de Segunda #77. Para saber todos os detalhes dessa história é só ler Contos de Segunda #38, Contos de Segunda #43, Contos de Segunda #50 – Parte 01 e Contos de Segunda #50 – Parte 02

— Você O QUÊ?

Foi assim que Terça, Quarta, Quinta e Sexta reagiram. Uma reação perfeitamente compreensível. Afinal, da última vez que as Damas da Semana se reuniram, Segunda-feira ainda estava tentando bolar um plano para conseguir um filho. Os planos deram certo rápido demais.

— Eu estou grávida… Na verdade estarei grávida… Mas já me sinto como se estivesse.

As cinco estavam reunidas na casa de Terça-feira. O primeiro dia útil da semana já estava virando noite quando as cinco foram reunidas por sua líder.  Segunda-feira estava preocupada com o seu atual estado, na verdade com o seu estado futuro. Em algum ponto do tempo o seu corpo estava mudado pela gestação e por ser uma Dama do tempo ela estava conectada com a sua forma física de todas as épocas. Ela ainda não estava grávida de fato, mas já sentia como se estivesse.

— É algum tipo de gravidez psicológica? — Perguntou Quinta. — A gente pode sofrer dessas paradas? Nem sabia que a gente conseguia engravidar… Digo, engravidar “engravidar”.

— Acho que a gente não consegue sofrer disso, Quinta — respondeu Quarta. — Deve rolar alguma coisa parecida que é vinte vezes pior.

— Será que Segunda vai parir algum monstro maluco de antimatéria? — Fantasiou Sexta. — Vai ver que o bebê dela vai nascer velho e depois vai ficando novo, que nem naquele filme.

— Explica como foi que começou, Segunda — disse Terça.

— Encontrei com a Dama de Sangue. Ela me disse que pra uma Dama ter um filho não existe receita de bolo. Cada uma precisa encontrar a sua própria forma de gerar um. Ela me deu essa garrafa e disse que eu precisava tomar pra ficar mais parecida com um organismo comum. Logo depois eu comecei a ter sensações do futuro. Comecei a me sentir grávida… E provavelmente vou me sentir assim até chegar no ponto do tempo em que não vou estar mais.

— Certo… — Ponderou Terça. — Agora só precisamos pensar numa forma de te engravidar.

— Foi só pra mim que isso soou muito errado? — Interrompeu Sexta.

— Pareceu meio bizarro mesmo — respondeu Quinta.

— Foi por isso que eu convoquei vocês hoje — começou Segunda. — Estamos no início da semana e só hoje nós cinco podemos usar o poder do meu santuário… Ainda temos algumas horas da segunda-feira para tentar alguma coisa… Alguma sugestão? Consegue ver o meu futuro, Terça?

— O futuro está nebuloso, Segunda. As sensações futuras da sua gravidez estão gerando muita interferência… Se estivesse acontecendo comigo eu poderia usar essas sensações como um condutor para ver o futuro.

— Na prática está acontecendo contigo — esclareceu Quarta. — Está acontecendo com todas nós.

— Quarta tem razão — concordou Quinta. — Nós já fomos uma coisa só. Nós éramos a Dama da Semana… Não lembro como deixamos de ser, mas na prática ainda somos.

— Quem sabe a gente consegue se juntar de novo — completou Sexta. — A gente já se dividiu uma vez, a gente consegue se dividir outra.

O raciocínio de Segunda-feira entrou em um frenesi. Imediatamente ela avaliou todas as possibilidades e impossibilidades do plano recém traçado, mas ela precisava agir rápido, as horas estavam se passando.

— Vamos, meninas — chamou Segunda. — Precisamos fazer isso rápido… Sentem em círculo, vamos nos ordenar em sentido horário.

As demais obedeceram. Segunda, Terça, Quarta, Quinta e Sexta se sentaram nessa em círculo nessa ordem. Deram as mãos e fecharam os olhos. Segunda respirou fundo e canalizou as energias do seu santuário. Com uma das mãos ela transmitia essa energia de Terça e com a outra recebia a energia de Sexta. A ligação foi feita, o fluxo de energia estava cada vez mais intenso. As cinco se desmancharam aos poucos, se unindo à sua líder. Uma única Dama, um único ser, mas o desejo que ardia naquele coração vinha de uma única fonte.

A recém renascida Dama da Semana pegou o frasco dado pela Dama de Sangue e bebeu o conteúdo em um gole só. A reorganização física aconteceu rápido demais, provocando uma instabilidade na união das Damas. Mas elas não podiam se separar ainda. Nos seus últimos instantes, a Dama da Semana se concentrou no seu desejo, em como ela queria gerar uma nova vida e em como seria terrível o seu futuro caso não conseguisse.

Então ela se separou. Pela segunda vez ela deixou de ser uma só.

— AAAAAHHHRRRRRRGGG — gritou Segunda. Ela caiu no chão se contorcendo de dor. O ventre dela cresceu, cresceu rápido, rápido demais.

Terça ainda estava sob o efeito da separação quando viu a irmã se debatendo. Imediatamente se lançou sobre ela na tentativa de segurá-la. Quarta não conseguiu reagir, Quinta prontamente se pôs a ajudar Terça. Sexta tentou acalmar a irmã.

— Calma, Segunda. Aguenta

— AAAAAHHHRRRRRRGGG.

A gritaria continuou por alguns minutos, foi quando a barriga da Dama começou a diminuir até retornar ao tamanho normal. Segunda, ainda sem fôlego, não conseguia entender.

— E agora? O que acontece? — Questionou ela. — Eu consegui?

A resposta veio na forma de um som baixo. Peças de madeira batendo contra o tabuleiro. O som vinha de uma sala ao lado, onde estava um antigo jogo de damas. Segunda se levantou do chão e caminhou lentamente até o outro cômodo. Lá estavam dois garotos, um deles parecia ser um pouco mais velho, nenhum deles parecia ter menos de dez anos. Eles jogavam em silêncio, com calma, fazendo os movimentos sem pressa. Os dois se viraram ao mesmo tempo quando perceberam que Segunda estava observando. Um deles quebrou o silêncio.

— Oi, mãe. Quer jogar com a gente?

Contos de Segunda #77

    Na semana do Dia Internacional da Mulher temos mais um capítulo da história da Dama da Segunda-feira. O conto de hoje é uma continuação direta do Contos de Segunda #62. Para saber todos os detalhes dessa história é só ler Contos de Segunda #38, Contos de Segunda #43, Contos de Segunda #50 – Parte 01 e Contos de Segunda #50 – Parte 02

Segunda-feira estava na sala de espera do médico. Não que ela estivesse doente, normalmente uma Dama não ficava doente, pelo menos não de algo que um médico mortal pudesse tratar. Segunda estava esperando ser chamada para sua consulta com a Dra. Márcia Sang, uma das maiores hematologistas do país.

    — Mônica? — Chamou a recepcionista. — Mônica Nunes?

    — É Lunes — corrigiu Segunda-feira.

    — Perdão… Lunes. A doutora está esperando no consultório três. Segunda porta à esquerda.

    Cada vez mais as Damas precisam dar um jeito de se misturar aos mortais, adotar um nome mundano é a primeira coisa que elas fazem. Quando Segunda-feira resolveu se tornar professora ela escolheu o nome Mônica Lunes, derivado de nomes que ela já tinha em outras línguas. Muitas Damas seguem a mesma lógica para criar um nome mortal, uma das primeiras a fazer isso foi Márcia Sang.

    Ao entrar no consultório, Segunda viu a Dama disfarçada de médica. Os cabelos vermelhos presos em um coque, os óculos de armação metálica, as unhas cinzentas e a pele branca permanentemente ruborizada eram traços que passavam despercebidos pelos olhos dos mortais, mas para uma Dama eram inconfundíveis. A médica estava distraída quando Segunda entrou no consultório. O suficiente para não perceber a aura mística da suposta paciente, pelo menos não até a porta se fechar e transformar novamente o consultório no santuário da Dama. Nem uma formiga passaria despercebida.

    — Saudações, Dama de Sangue.

    Márcia levou um susto. Atualmente ela ouvia seu nome original tão poucas vezes que a sensação era de ter um disfarce revelado. As outras Damas raramente faziam uma visita, principalmente em seu consultório e muito menos em horário comercial. Além disso, todas estavam sabendo da atual situação da Dama da Segunda-feira.

    — Peguei o endereço do teu santuário com Bibliotecária — continuou Segunda. — É meio urgente, espero que não se incomode.

    — A surpresa é muito maior do que o incômodo, Dama da Segunda-feira — Márcia ajeitou os óculos. — Ouvi falar da sua situação e da ordem dada pela Mãe-de-Todas às demais Damas: Ajudá-la a encontrar um Cavaleiro. Só não imaginava que você viria pedir pela minha ajuda.

    — Não leve a mal, Sangue, mas eu não estou aqui pra pedir ajuda na busca por um Cavaleiro — ela fechou os olhos na tentativa de reunir coragem e vomitou as palavras todas de uma vez para não correr o risco de desistir na metade. — Eunãoqueroumcavaleiro, queroumfilho.

    — O quê?

    Segunda respirou fundo e disse mais devagar.

    — Eu não quero um cavaleiro, eu quero um filho.

    Silêncio.

    — Acho que te peguei de surpresa.

    O sangue fugiu das faces da Dama. Seu olhar perdido era um sinal do quão longe sua mente estava naquele instante. Em um piscar de olhos ela vasculhou sua memória ancestral em busca de conhecimentos antigos. Ela voltou segundos depois.

    — Perdão, Segunda. Algumas palavras me levam para memórias muito antigas — respondeu a Dama de Sangue como se estivesse despertando de um sonho. — Algumas de nós conseguem acessar conhecimentos antigos, herdados daquelas que vieram antes de nós. Sou uma das poucas Damas que ainda consegue ir tão longe, por isso dizem que eu sei como ajudar no nascimento do filho de uma Dama… Creio que as histórias sobre mim são um pouco exageradas.

    — Exageradas em que sentido?

    — Nossas irmãs falam de mim como se eu fosse uma espécie de parteira…Prefiro me definir como, digamos, grande conhecedora dos métodos de reprodução assistida.

    — Então existe uma forma.

    — Sim, existe. Uma forma para mim, outra para você e suas irmãs, outra para Bibliotecária e outra para a Mãe-de-Todas. Sem certo ou errado, cada uma de nós se adequa melhor a um método.

    — Você teve algum filho?

    — Tive dois. Nascidos com o único propósito de assassinar meu Cavaleiro — ela sorriu. As unhas cinzentas cresceram e se viraram em aço enquanto a Dama acariciava o pescoço e pensava em morte. — Ele estava um pouco descontrolado. Ele foi um dos mais poderosos de sua época, não pude dar cabo dele sozinha… Só estou contando isso para mostrar como eu gerei os meus filhos, já estou quase chegando no ponto que vai ser útil para você… Onde eu estava?

— Na parte que você não conseguiria matar seu cavaleiro — respondeu Segunda chocada com o fato de dois filhos nascerem com o único propósito de assassinar o próprio pai.

— Ah, sim. Quando eu me vi em grande necessidade eu desejei ardentemente gerar filhos para matar meu cavaleiro. Meu corpo atendeu ao meu desejo, com o aço dos meus ossos eu fiz meu útero, com o sangue eu formei a carne deles e aos poucos nasceu o fogo de seus corações. Você pode fazer algo parecido, mas você precisa descobrir como usar sua natureza para formar uma vida. Só assim você vai gerar um filho.

— E quanto tempo isso leva?

— Você é uma entidade do tempo, Dama da Segunda-feira. Para você o tempo é mais do que um aliado. O tempo é quase um escravo… Talvez isso também ajude.

A médica puxou a gaveta e dela tirou um frasco com um líquido vermelho.

— E isso seria…? — Questionou Segunda.

— Os corpos de algumas Damas são muito abstratos. Eu sou formada de aço, carne e sangue, você é uma anomalia espaço-temporal de óculos. Isso vai te deixar um pouco mais material e mundana. É só beber e seu corpo vai se organizar temporariamente em uma forma mais próxima de um organismo real.

— Ah, não…

Segunda começou a sentir algo estranho. Algo se movimentava em seu ventre. Ela sentia a pele esticando, mas não via nenhuma diferença no volume do corpo.

— Tem algo errado?

— O corpo de uma Dama do Tempo é uma constante — a respiração ficou mais pesada. — Precisamos existir em todo tempo simultaneamente. Pra isso funcionar é preciso permanecer imutável… Neste exato momento eu sinto o meu corpo diferente, mesmo que ele não pareça diferente…Em algum instante do tempo… Eu estou grávida

Contos de Segunda #62

Os eventos narrados a seguir tem ligação direta com o que as nossas queridas Damas da Semana passaram em Contos de Segunda #50 – Parte 01 e Contos de Segunda #50 – Parte 02. Pra saber como toda essa história começou é só ler os Contos de Segunda #38 e Contos de Segunda #43.

— A Dama da Lua, Mãe-de-Todas, te deu uma bronca porque você passou tanto tempo sem um cavaleiro que os seus poderes estão quase descontrolando e no lugar de pedir ajuda às outras damas e encontrar uma solução boa, como a Mãe tinha ordenado, você foi até o santuário da Dama do Mar, que não passa de uma assassina louca, pra aprender o canto dela e atrair um cavaleiro? — Questionou a Dama da Biblioteca.

A Dama da Biblioteca, conhecida entre as outras damas como “Bibliotecária”, se manifestava na mesma universidade onde Segunda-feira dava aulas de literatura e história da arte. Como de costume a Dama da Segunda-feira aproveitou o intervalo no meio das tardes de segunda para visitar a amiga. Para variar Bibliotecária estava organizando livros em uma estante.

— Bem doido, né? — Respondeu Segunda-feira.

— Aprendeu o canto? — Questionou Bibliotecária sem tirar os olhos dos livros.

— Bem… Não, mas a Dama do Mar me deu uma dose única do canto dela. Só vai funcionar uma vez.

— Quanto tempo faz que ela te deu isso?

— Uns meses.

— E você ainda não usou?

— Não.

— E você contrariou as ordens da Mãe-de-Todas só por causa desse canto e não usou? Sabe o que acontece com uma Dama que passa tanto tempo quanto você sem um cavaleiro, não é?

— Sei, sei. Descontrole dos poderes e insanidade, mas todo o rolo com a Dama do Mar gastou muitas das minhas energias acumuladas. Ganhei um tempo pra pensar direito no que fazer.

— E já pensou?

— Já. Pensei bem e decidi que eu não quero um cavaleiro.

Bibliotecária encaixou um livro enorme com bem mais força do que o necessário. O barulho produzido foi bem acima do normal para um livro daquele tamanho. Ela virou para olhar nos olhos de Segunda.

— Então você voluntariamente vai abraçar a insanidade. É isso? Já ficou doida? As tuas irmãs sabem dessa maluquice?

— Ainda não… Mas elas vão comprar a ideia que eu tive — Segunda sorriu. Sorriu o tipo de sorriso que fez a Dama da Biblioteca sentir um calafrio. — Mas eu não consigo fazer sozinha, vou precisar de uma ajudinha sua.

— Não sei como te ajudar, Segunda, a menos que você… — Os olhos de Bibliotecária se arregalaram. — Não, não. Você não pode estar pensando nisso. Não, nem pensar, mas de jeito nenhum, Segunda. Você já ficou doida. Sabe quanto tempo faz que nenhuma de nós tenta um negócio assim?

— Não tem outro caminho, Teca, é isso ou camisa de força.

Um barulho interrompeu a conversa. Um ruído anormal para um ambiente silencioso como aquele. Algo parecido com uma turba furiosa ou uma multidão enlouquecida, mas que na verdade era apenas o barulho produzido por quatro moças que tinham acabado de chegar à biblioteca. Elas atendiam pelos nomes de Terça, Quarta, Quinta e Sexta-feira. Todas estavam com a cara de quem quer apagar um incêndio.

— Pare em nome da lei! — Gritou Sexta.

— Não deixa ela te colocar nesse plano dela, Teca! — Adiantou-se Terça.

— Já disse para não me chamarem de “Teca” e já disse para não fazerem barulho no meu santuário.

— Afe, que dama chata — resmungou Quinta.

— Como você quer fazer isso com a gente, Segunda? — Questionou Quarta. — A gente quase morreu pra conseguir esse canto maldito e você quer dar pra trás?

— Mas eu ainda não disse nada pra… Terça-feira, você espionou meu futuro de novo?

— Você faria a mesma coisa se eu estivesse doida — rebateu Terça. — Invadir o santuário de uma Dama renegada pra arrumar uma forma de fisgar um cavaleiro dá pra engolir, mas além de não fisgar o cavaleiro você ainda quer ter um filho? Tá demais Segunda.

— Já foi feito antes, Terça-feira, não é nada do outro mundo.

— Claro que já foi feito, mas na maioria das vezes deu errado — replicou Quarta. — Quantas damas você vê por aí com um menino debaixo do braço?

— Quantas você vê escolhendo cavaleiros a esmo só pra descarregarem suas energias? Quantas você vê que realmente amam seus cavaleiros? — Rebateu Segunda. — Eu só quero alguém que mereça receber uma parcela dos meus poderes, nem que seja merecido por direito de nascença.

— Acho que ela tem razão… Ou pelo menos um argumento bom. — Ponderou Quinta.

— Também achei super válido — concordou Sexta.

— Os riscos são muito grandes — ressaltou Terça.

— A Mãe-de-Todas vai matar a gente — suspirou Quarta.

— Não se fizermos direito… Outras tentaram antes de mim, não é possível que nenhuma delas tenha sido bem sucedida — disse Segunda.

— Várias delas foram — interrompeu Bibliotecária. Todos os olhares se voltaram para ela. — Todas as que tiveram sucesso, com exceção da Dama da Lua, foram auxiliadas pela mesma Dama — ela tirou um livro enorme da prateleira. Um livro que não estava lá um segundo atrás. Os dedos correram ligeiros pelas folhas encardidas do volume antigo e pararam repentinamente em uma das páginas. — Nossos registros são bem claros quanto às capacidades dessa nossa irmã . Ela foi gerada pela dor e pela morte nos campos de batalha, mas aos poucos ela foi encontrando algo diferente dentro da própria natureza. A formação da vida também fazia parte dela. A Dama de Sangue é a única que pode fazer dar certo.

Dia das Mães

No último domingo, também conhecido como dia 8 de Maio de 2016, foi comemorado o Dia das Mães. Nem preciso dizer que o tema do texto dessa quarta-feira já estava definido muito tempo atrás, afinal esse é o primeiro Dia das Mães do Cachorros de Bikini e data tão importante não poderia passar batida. Já tinha me preparado pra fazer alguma coisa parecida com o que eu fiz no Dia dos Pais, mas eis que um evento recente fez tudo mudar. A análise sobre a data em si vai ter que ficar pra 2017.

Na semana passada foi aniversário de Vó. No dia 4 de Maio ela chegou à impressionante marca de 84 anos. Infelizmente não pude dar os parabéns pessoalmente no dia 4, por isso dei uma ligada pra ela. Até aí nada de muito diferente dos anos anteriores, foi quando ela me disse uma coisa que me deixou pensativo. Em meio à alegria de receber os parabéns, ela me diz “você é um filho que eu não tive, os outros todos eu tive, não tive você, mas você ainda é meu filho”. Caso as palavras de Dona Irene tenham te deixado com dúvida, me dê um momento e eu vou esclarecer. Vovó teve um monte de filhos, alguns morreram ainda muito pequenos, o mais velho morreu adulto, e os outros cinco que restaram são todos filhos ótimos, ou seja, de filho minha vó não tem do que reclamar. Pra ela os netos sempre foram tão filhos quanto qualquer um dos outros, filhos que não foram gerados por ela. Pode parecer redundante falar isso, afinal, por definição, vó é mãe duas vezes, mas uma coisa é você saber que é assim, outra é você ouvir isso da matrona da família Gomes. Até por que nem todas as avós pensam nos netos efetivamente como filhos. Refletindo sobre isso atentei para um detalhe. Atentei pra todas as mães que tem filhos que elas não tiveram.

A maternidade é algo natural. Ela deriva dos instintos de preservação da espécie e zelo pela prole, acredito que todos os mamíferos agem movidos por esse instinto. Porém nem sempre o processo de gerar um filho é obrigatório para manifestação da maternidade. Tem vez que acontece por escolha, outras por acidente, mas boa parte das pessoas acaba sendo um filho pra várias mães. Tias, avós, vizinhas e derivados são candidatas fortes à essa maternidade extra-uterina, principalmente as que já geraram seus filhos e os rebentos já estão crescidos. A prole cresce, fica independente, mas mãe não funciona do mesmo jeito. Mãe é mãe e pronto. Outras candidatas fortes são as que sempre quiseram, mas nunca geraram um filho. Com essas é um pouco diferente, nesses casos a maternidade não é só o instinto, é um chamado. Mulheres que nasceram com um alerta luminoso no coração que diz “INSIRA UM FILHO AQUI”.

E isso tudo eu falei só pra poder dizer que pra ser mãe basta ser mulher. Basta ter amor, vontade de nutrir e cuidar, um coração com espaço pra sempre caber mais um. Pra ser mãe basta ter um útero, não importa se ele já gerou dez filhos ou nenhum. Nem todo útero consegue gerar um filho, mas todos eles conseguem gerar uma mãe.

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