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Contos de Segunda #10

“Você está atrasado”.

Era o que dizia a mensagem recebida duas horas atrás. Quando o engarrafamento estava ainda na metade e o rádio anunciava o congestionamento recorde do ano. Ribeiro teve a infelicidade de precisar de um remédio que o deixava com muito sono, muito sono mesmo. Uma hora a mais de sono e ele perdera o horário em que o caminho para o trabalho não estava engarrafado. Logo na segunda-feira, quando o transito era pior por natureza, e quando sua gerente fazia questão de chegar no horário.

“Ribeiro, está atrasado”

Foi o que a gerente disse uma hora atrás. Ela estava lá esperando para ver a analise dos resultados do controle de qualidade do fornecedor. Por sorte isso estava pronto, mas provavelmente nenhuma das outras pendências estava, eram tantas que Ribeiro nem conseguia lembrar de todas. Era começo de Agosto e as demandas estavam se acumulando, como em todos os meses de Agosto de todos os anos passado.

“Está atrasado”

Dizia o email do dono do apartamento em que Ribeiro morava. Uma semana de atraso no aluguel, consequência de uma série de problemas com operações bancárias. Sem tempo de ir ao banco resolver, o dono do apartamento não aceitava outra forma de pagamento que não fosse dinheiro em espécie. Sendo assim ele ia ter que esperar.

“Está tudo atrasado”

Falou a gerente pelo telefone dois minutos atrás. A análise já tinha perdido a graça, ela precisava de mais alguma coisa para se entreter. Até o fim do dia pelo menos duas das pendências deveriam estar na mesa dela, e de fato estariam. A segunda-feira terminaria bem. Amanhã ainda estaria tudo atrasado, as demandas ainda se acumulariam e a gerente ainda cobraria muita coisa. Agosto ainda seria uma segunda-feira de 31 dias, tão ruim quanto qualquer Agosto de qualquer ano anterior. Ruim o suficiente para fazer Ribeiro pensar que o fim de ano estava atrasado. Deixando-o ansioso por Setembro, pelo fim desse mês cabuloso…  Mas isso ainda ia demorar um pouco e nesse exato segundo ele só conseguia pensar no próprio atraso.

Quase

Acho que não existe nada mais desesperador do que o Quase. Não falo daqueles que usamos quando uma coisa não aconteceu por pouco. O Quase que consegue ser o verdadeiro vilão da história é aquele que usamos em frases como “Quase lá”, “Quase terminando” ou “Quase acabando”. Esse é o verdadeiro vilão da história.

A espera é um dos piores males que afligem o ser humano. Mas a pior de todas as esperas, aquela que consegue fritar os nervos de qualquer super-homem e faz até o homem mais frio arrancar seus cabelos de nervosismo, é aquela que dura alguns instantes, menos que alguns segundos. A espera do Quase.

O Quase é o suspense da vida real. Maior do que qualquer coisa que o cinema já ousou produzir. Inclusive os suspenses do cinema são responsáveis por boa parte das nossas agonias do mundo real. Acho impossível que exista uma pessoa que nunca ficou com pelo menos uma ponta de ansiedade ao ver uma cena de tensão no cinema, daquelas que a vítima desavisada não vê o assassino/zumbi/monstro/demônio que se aproxima silenciosamente. Onde o pobre espectador no alto de seu nervosismo, impotente diante do que está na tela, deseja ardentemente que o pobre personagem seja logo exterminado e a tensão diminua.

Mas os piores suspenses estão nas coisas mais simples da vida. Basta lembrar dos minutos que antecedem o final daquela aula no último horário ou da ligação que demora a ser atendida. Pequenas partes do circulo das horas que mais parecem horas inteiras. Momentos em que até a batida das asas de um beija-flor passa em câmera lenta diante dos nossos olhos.

O elevador que não chega, o sinal que não abre, o arquivo que não sobe, o download que não termina. O expediente que não encerra, o computador que não sai da tela de “Bem Vindo”, os 5 segundos de propaganda que o youtube te obriga a assistir antes dos vídeos e tantas outras coisas que fritam nossos juízos e consomem a nossa paciência… Inclusive, depois de tanto falar dessas coisas e com o texto quase no fim, decidi abreviar o final e reduzir a tensão do momento terminando tudo da forma mais brusca possível.

Dia de Chuva

Dia cinza, preguiça inexplicável e perda da noção das horas. Na maioria dos casos esses e alguns outros fatores são fortes indicadores de que o dia é um Dia de Chuva. A Chuva é uma coisa que está presente na vida de uma porção considerável da humanidade. Mas o efeito de um chuvisco passageiro ou de um toró inesperado não chega nem perto do ambiente criado por um dia dedicado única e exclusivamente à Chuva.

Em um Dia de Chuva especialmente cinza saí do meu local de trabalho e fui à farmácia  comprar um sorvete de casquinha e enquanto pagava conversei ligeiramente com a moça do balcão. Em meio a uma conversa inacreditavelmente banal sobre o tempo, que durou apenas o tempo que a maquineta levou para realizar a operação do cartão de débito, a moça em questão me revelou a vontade nula de fazer algo diferente de dormir naquele dia feioso de quarta-feira. Depois dessa declaração sincera voltei para o escritório e enquanto tomava meu sorvete matutei sobre os efeitos da chuva.

A primeira coisa que brotou do meu pensamento foi justamente o fato de que desde as nove horas da manhã parecia ser cinco horas da tarde. Hora esta que é extremamente safada por ser perigosamente próxima do final do horário de trabalho. Normalmente o ritmo de trabalho cai progressivamente a partir das cinco horas, atingindo seu ponto mais baixo poucos minutos antes do fim do horário de trabalho. Não é difícil imaginar os efeitos negativos que um dia inteiro com cara de fim de tarde pode fazer.

Mas tudo piora quando começa a chover realmente. O barulho da chuva começa a amaciar o sujeito, que fica ligeiramente sonolento. Aos poucos a temperatura baixa e a umidade do ar começa a subir, nesse ponto o pobre ser humano já está sonhando com a sua cama, que nesse momento desperta mais saudade do que todas as lembranças boas da infância juntas. Esse desejo de retorno ao leito só aumenta ao longo do dia, porém ao se aproximar o término do expediente começa a ser substituído pelo medo de voltar pra casa debaixo de chuva, com o bônus de um transito ruim devido à quantidade de água que cai do céu.

Eu normalmente encaro bem Dia de Chuva, principalmente se as minhas meias estiverem secas. O meu desejo pela minha cama é bem moderado, mas a preguiça ainda se manifesta caso eu tenha uma janela na minha frente.

Mas de todas essas coisas os únicos culpados são nossos ancestrais. Que no tempo da pedra lascada não faziam mais nada em Dia de Chuva do que esperar parar de chover… Chego a conclusão que esperto era o homem da caverna que quando chovia decretava feriado.

Contos de Segunda #6

Rubens estava deprimido, como em todos os domingos quando terminava o Fantástico. O ultimo suspiro do fim de semana. O primeiro indício da chegada da segunda-feira. De tão tranquilo provavelmente a única coisa que fazia Rubens reclamar era a segunda-feira e tudo que tinha alguma relação com ela. Ele tinha isso bem vivo no pensamento quando tropeçou em uma lâmpada mágica de onde saiu um gênio oferecendo três desejos.

– Eu desejo que não exista mais segunda-feira – disse ele entusiasmado.

– Pense bem – respondeu o gênio – a semana de trabalho tem que começar por algum lugar, se não for a segunda será a terça. Não posso realizar esse tipo de desejo.

– Então acabe com o domingo. No desejo seguinte farei a sexta-feira se tornar um feriado eterno.

– O mal será o mesmo. Os dias mudarão de nome e carregarão o mesmo estigma. Não posso desperdiçar meus poderes cósmicos dessa forma. Não posso realizar esse tipo de desejo.

“Foi-se o tempo em que as coisas de graça eram realmente de graça” pensou Rubens. A suspeita de que o gênio estava tentando dar um jeito de não atender desejo algum. Tinha que ser algo que funcionasse bem e que o gênio não pudesse deixar de fazer. E foi o que aconteceu.

Na noite daquela mesma segunda-feira, Jorge ligou a TV e viu o resultado do seu primeiro desejo: o Fantástico mudara de horário, agora seria exibido nas noites de segunda. Logo depois o resultado do segundo desejo: nos domingos a noite os programas exibidos seriam totalmente aleatórios, impedindo que esses programas fossem de alguma forma associados com o fim do final de semana. Mas e o terceiro?

Bem, o terceiro desejo foi simples. Motivado pela insatisfação, raiva e frustração. Além da vontade de ajudar o próximo ser humano que topasse com o gênio. Rubens desejou que a partir daquele dia mais nenhum desejo podia ser negado. Nunca mais.

 

Contos de Segunda #4

Em uma estrela distante orbitava o planeta Pix221. Nesse planeta habitava Radrax, um jovem que sofria com um problema que ninguém em seu planeta conseguia explicar. De tempos em tempos Radrax ficava mau humorado, não tinha paciência e apresentava níveis de preguiça incompatíveis com os demais indivíduos de sua raça.

A família de Radrax era pioneira na exploração espacial. Por gerações eles foram por todos os pontos da galáxia mapeando os sistemas e registrando os planetas. Porém as variações de humor de Radrax não inspiravam confiança aos seus superiores do programa espacial. A continuidade do legado de sua família estava em jogo. Ele começou a investigar.

Pelo que ele podia lembrar tudo isso começou quando seu pai retornou de uma longa viagem de exploração. Foram sete anos. Na volta ele foi presenteado com um pequeno tubo metálico preso em uma corrente, levava a corrente no pescoço desde então. Segundo o pai lhe dissera, aquela era uma lembrança do dia em que ele havia chegado no ultimo planeta que visitara. A tradição dizia que o conteúdo só podia ser revelado quando quem recebeu o presente deixasse Pix221 pela primeira vez. Mas a tradição deveria ser deixada de lado.No interior do tubo havia uma folha de papel. Nessa folha havia algo escrito num idioma e um valor representado no sistema numérico alienígena. Segundo seu pai, aquela era a representação do dia de sua chegada segundo os padrões de registro dos habitantes daquele planeta. Aquilo devia ter algum significado.

Nos dados divulgados sobre a missão não havia nada que pudesse ser relacionado, mas nos diários da missão havia uma observação bastante curiosa.Nos registros da missão seu pai relatou que os seres inteligentes daquele planeta eram afetados pelos marcos utilizados para registrar a passagem do tempo. Algo mexia com eles deixando-os irritados, preguiçosos e impacientes, mas em outros momentos eles se mostravam eufóricos, bem humorados e dispostos. O conteúdo do tubo era um marco cronológico. De alguma forma ele estava afetando Radrax e só havia uma forma de remediar isso.

Ele pegou uma nave. Definiu o curso para o terceiro planeta mais próximo de uma estrela distante e avisou para seus superiores que só voltaria para Pix221 depois de devolver aquele maldito papel para seu lugar de origem e retornar com um marco cronológico chamado “Sexta-feira”.

Contos de Segunda #2

“É segunda-feira, mas não é o fim do mundo”, era isso que Maurício sempre falava pra si mesmo toda segunda de manhã antes de sair pra trabalhar. Até que de fato o mundo acabou. Segunda passada foi o início do fim dos tempos, e depois de uma sequência inacreditável de hecatombes como desastres naturais, guerras nucleares, infestações de zumbis, epidemias de super bactérias, colapso social e ondas de barbárie o mundo acabou.. Se Deus queria dar um fim pro mundo ele estava realmente apressado. Muito provavelmente por um motivo bastante simples: o primeiro dia depois do fim do mundo precisava ser uma segunda-feira.

Naquela manhã Mauricio se levantou pensando no que iria fazer. Se tem alguma coisa que te deixa sem muitas opções ela perde feio pro fim do mundo nesse quesito. Estava rolando um boato na vizinhança de que algumas pessoas estavam se organizando no centro da cidade. Doze quilômetros a pé por dentro de uma antiga área ocupada por zumbis. Atualmente só os arruaceiros matadores de zumbi viviam por lá, mas os zumbis estavam extintos e a maioria dos arruaceiros não queria mais fazer arruaça. A área ainda mostrava as consequências dos tempos  áureos em que o problema dos zumbis estava em alta, na terça-feira passada. Na falta do que fazer ir para o centro parecia ser a melhor opção

O caminho pro centro na manhã do primeiro dia útil da semana continuava tão ruim quanto era no mundo que acabou. As pontes que ligavam o centro às outras partes da cidade estavam com a estrutura comprometida por isso todos que precisavam atravessá-las faziam isso devagar e em pequenos grupos. Isso deixou o caminho pela ponte bem “congestionado”, juntamente com o protesto de religiosos enfurecidos de um movimento que reivindicava o direito de ir para o paraíso antes ou durante o fim do mundo.

Ao chegar no centro ele encontrou com uma movimentação meio acelerada de pessoas nas ruas. Algumas carregavam sacos com alimentos, outros com pedaços de escombros que ainda tinham alguma serventia eram acompanhados por pessoas com ferramentas. Não demorou muito para que ele fosse notado por alguém que estava organizando os trabalhos. Ele disse:

Procurando por trabalho? É só passar no Departamento Pessoal, lá eles encontram uma coisa pra você fazer.

Naquele momento Maurício precisou se conformar com o fato de que apesar do fim do mundo a segunda-feira continuava a mesma coisa. Enquanto esperava para ser atendido pelo Departamento Pessoal olhou ao redor, respirou fundo e pensou.

“Podia ser bem pior. É segunda-feira, mas não é o fim do mundo, isso foi na segunda-feira passada”.

Sexta-Feira

Sexta-feira.

De todos os dias da semana não há mística maior do que aquela que envolve a Sexta.  Nem mesmo a Segunda consagrada como um dia maldito pelos seus eternos desafetos consegue superar o véu tecido pelos adoradores do sexto dia. Não são todos que detestam a pobre Segunda-feira, mas dificilmente existe um ser racional que não goste da Sexta.

Ela é um daqueles bastiões de igualdade que existem no mundo. Não importa o que você vai fazer. Se você vai beber até cair, se vai até altas horas em uma balada, se vai se agarrar com um numero incontável de elementos do sexo oposto ou se vai simplesmente capotar no sofá durante o intervalo da novela. O momento único em que todas as amarras se soltam, você respira fundo e pensa: “Agora só Segunda” não acontece só comigo e com você, é algo compartilhado por todos os mortais.

É nesse momento mágico que a deusa Sexta desce de seu trono celeste e abraça todos os mortais com amor, liberdade e a possibilidade de não trabalhar ressacado no outro dia. Em um instante o abraço quase materno do fim do sexto dia tira de você o gosto amargo das quatro segundas-feiras que vieram antes, trocando-o pelo sabor doce da noite de sexta-feira.

A noite de Sexta não é excludente e discriminatória como a noite de Sábado, que massacra sem dó os solitários, os tímidos e os desprovidos de grana ou de ânimo pra sair de sua casa. Para noite de Sexta está reservado o ritual mais sagrado da semana, aquele que normalmente nos faz acordar mais tarde no outro dia e dar graças a Deus por ser sábado. Depois disso o que resta são os 20 minutos que o fim de semana costuma durar. Mas os dois dias que se seguem nunca serão tão mágicos quanto a doce Sexta, são logo eclipsados pela sombra negra da segunda-feira. E quando ela finalmente chega não é por sábados ou domingos que nossos corações anseiam. Clamamos por ela, clamamos pela Sexta. É só ela que queremos.

No final nada disso importa, até por que hoje é sexta, qualquer coisa além disso pode esperar até semana que vem.

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