A publicação a seguir é uma continuação direta do Contos de Segunda #88.

— Não sei do que está falando, Carmim.

Angela estava sentada na minha frente, na minha cadeira e com os pés sobre minha mesa. Sacou um isqueiro para acender o cigarro surrupiado da minha gaveta.

— Três das pessoas mais ricas da cidade desapareceram nas últimas semanas — puxei uma cadeira. — Agora você aparece dizendo que tentaram te sequestrar, não me parece coincidência.

— Duvido muito que seja, detetive — desdenhou Angela. — Quem são os desaparecidos?

— Willian Doyle, Klaus Gleizer…

— O dono da fábrica de tecidos e o banqueiro — interrompeu ela. — É mais provável uma viagem em segredo com uma amante do que um desaparecimento.

— Talvez, mas com Dominique Loup na lista acabei descartando a hipótese.

Com o susto Angela saltou da cadeira e ficou olhando para mim com os olhos arregalados.

— Dominique desapareceu!?

— Duas semanas antes de Klaus Gleizer.

Angela saiu de trás da minha mesa e começou a andar de um lado para outro. Os dedos tremiam quando o cigarro foi levado à boca para uma longa tragada. Aproveitei a deixa para retornar à minha cadeira. O assento reservado aos visitantes era propositalmente desconfortável.

— Não sabia que era conhecida sua.

— Lembra de quando trabalhou para ela no caso da chantagem? Eu te indiquei para o serviço.

— Então vocês eram próximas?

— Éramos recém chegadas na cidade quando nos conhecemos — ela deu mais um trago no cigarro. — Ela queria ser cantora, eu queria ser atriz. Nós duas nos tornamos artistas, mas eu não virei atriz.

— Nem todos encaram golpes e mentiras como arte, Angela, só os que já te viram em ação.

— Gentileza sua, detetive.

— Quanto tempo faz desde a última vez em que você encontrou com Dominique?

— um mês.

— Notou algo diferente? Ela parecia preocupada com alguma coisa?

— Dominique nunca estava preocupada com nada. A carreira ia bem, o dinheiro estava entrando aos montes e os candidatos a amante só eram mais numerosos do que os candidatos a marido. Ela gosta de ser bajulada, mas acredita demais nessas besteiras de amor verdadeiro. Nenhum desses homens nunca conseguiu nada.

— Algum deles pode ter passado dos limites.

— Dominique andava com um segurança a tiracolo.

— Para alguns isso não é um problema.

— O homem é praticamente um gorila. Dois metros de altura, ex-pugilista e ex-militar. Um problema para qualquer um.

— Então ele é o primeiro da lista de suspeitos.

— Não me importo com sua lista, Carmim. Encontre Dominique e eu dobro o seu pagamento.

— A polícia costuma me pagar muito bem.

— Se isso fosse verdade, teria pelo menos um cigarro decente na sua gaveta.

Angela jogou o cigarro no cinzeiro, pegou a bolsa e partiu sem tocar no assunto da tentativa de sequestro. Livrar a própria pele está tão alto na lista de prioridades dela que só algo muito grave roubaria a atenção disso. Por mais amiga que Dominique fosse, nenhuma amizade poderia ser maior do que o apreço de Angela Bevoir por Angela Bevoir. Algo mais estava acontecendo e ela não ia me dizer. Eu precisava descobrir.

Com todas essas minhocas na cabeça eu telefonei para o número que estava no verso da foto que o chefe de polícia me entregou. A moça que me atendeu forneceu o nome do segurança e contou o pouco que sabia do que aconteceu com o homem. Mario Luppi foi encontrado desacordado em um beco no dia seguinte ao desaparecimento da patroa. Um dos braços estava quebrado, o crânio foi rachado por uma pancada, juntamente com algumas costelas. Depois de alguns dias em coma ele acordou no hospital e estava lá desde então. O horário da visita tinha acabado de começar quando eu coloquei os pés no hospital. Orientado por uma enfermeira adentrei no quarto onde Mario admirava a chuva que batia na janela.

— Boa tarde, senhor Luppi.

— Boa tarde, senhor…

— Pode me chamar de Carmim.

— É por causa das roupas vermelhas?

— Gostos pessoais pouco convencionais costumam gerar essas alcunhas.

— A que devo sua visita, senhor Carmim?

— Estou colaborando com a polícia no caso de desaparecimento da sua patroa e de outras duas pessoas.

O rosto de Mario era um misto de raiva, surpresa e espanto.

— A polícia já fez perguntas demais, senhor. Respondi a todas.

— Algo me diz que a polícia não fez todas as perguntas, pelo menos não todas as perguntas certas.

— Essa investigação não vai dar em nada. Acredite em mim, senhor, a polícia não pode resolver nada.

— Bem, a polícia me contratou para encontrar três pessoas, mas Angela Bevoir me contratou para encontrar sua patroa.

Mario ficou pálido. Aparentemente seria melhor que o próprio diabo tivesse me contratado no lugar de Angela.

— Ela me disse que é uma amiga íntima de Dominique e me ofereceu um bom dinheiro para encontrá-la.

— A senhora Bevoir deve estar se sentindo culpada. Não que ela tenha culpa no sumiço, mas nada disso teria acontecido se ela não tivesse levado a senhorita Loup ao… Não, nada. Esqueça.

— Não precisa me contar muito, Mario. Só precisa me colocar na direção certa. Para onde Angela levou Dominique?

Ele respirou fundo, reuniu coragem e disse baixinho:

— Para o Clube do Inferno.

Compartilhe esse canino em traje de banho

Facebooktwittergoogle_plusredditpinterestlinkedinmail