Horácio era um assassino da máfia, provavelmente o pior de todos os assassinos da máfia. Tanto que ele só conseguiu matar um cara… Indiretamente, mas conseguiu. É verdade que Horácio ainda estava no último lugar do ranking de matadores da máfia, mas a diferença entre ele e o penúltimo colocado estava menor… E diminuiria mais um pouco depois daquela noite.
O telefone tocou na hora do jantar. Horácio tinha acabado de pegar o segundo cachorro quente das mãos do dono da carrocinha quando sacou o aparelho do bolso.
— Horácio, preciso que você resolva um problema — disse o homem do outro lado da linha.
— Pode dizer, chefe — respondeu Horácio. Algo dizia que as palavras a seguir tirariam seu apetite.
— Um dos nossos meninos precisa ser aposentado.
Horácio teria engasgado caso estivesse comendo.
— É só dizer quem vai se aposentar.
— Lorenzo — a voz no outro lado da linha suspirou antes de continuar. — O rapaz perdeu o rumo quando o pai morreu, atualmente mais atrapalha do que ajuda e a polícia já está de olho nele.
— Entendi… Só acho que não sou a pessoa indicada pro serviço, chefe, normalmente eu não cuido dos assuntos internos. Não tem ninguém do RH disponível?
— Final de semana agitado, Horácio, os meninos pediram uma folga e eu não tive como negar.
— Tudo bem, chefe, considere o trabalho feito.
Horácio abriu a lista de contatos e procurou pelo nome de Lorenzo. O telefone chamou três vezes e ele atendeu.
— Oi, Horácio — disse Lorenzo.
— Lorenzo, estou precisando de ajuda pra fazer um trabalho, posso passar na tua casa daqui a quanto tempo?
— Me dá quinze minutos.
— Dez. Chego aí em dez. — sem ouvir a resposta Horácio desligou o telefone.
Dez minutos depois Lorenzo estava parado na frente do prédio onde vivia. Com trinta segundos de atraso o carro de Horácio virou a esquina. Lorenzo entrou no carro sem dizer nada, prendeu o cinto de segurança e só começou a falar depois do carro virar a esquina.
— Qual o serviço, Horácio?
— É só um cara que a gente tem que tirar da jogada.
— Eu não sou muito chegado nessa de tirar gente da jogada, Horácio.
— Só preciso de alguém pra dirigir o carro. Nem sangue você vai ver.
Horácio parou o carro em uma ladeira. A rua descia, cruzava uma avenida movimentada e terminava em outra rua que margeava o rio. Ele puxou a arma do coldre embaixo do braço e verificou se estava carregada antes de guardá-la novamente.
— Vem pro banco do motorista, Lorenzo, eu vou pro banco de trás — disse Horácio saindo do carro e entrando pela porta de trás. Lorenzo obedeceu. — Sabe, Lorenzo, essa nossa profissão é bem arriscada, mas eu nunca senti medo durante o trabalho. Sabe porquê?
— Tem que ser muito doido pra não ter medo, não vejo motivos pra não ter.
— Por que eu ando na linha, faço meu trabalho e não chamo a atenção da polícia. Não dou motivo pro meu chefe se aborrecer comigo… Nada que acontece ou aconteceu comigo durante o trabalho é pior do que nossos empregadores fazem quando estão aborrecidos com alguém.
— Por favor, Horácio — disse Lorenzo tremendo só de imaginar o rumo daquela conversa.
— Não te faltaram avisos, Lorenzo — disse Horácio destravando a arma e colocando na nuca do pobre ocupante do banco da frente.
— Eu tenho família.
— Teus pais falecidos e aquele teu filho que você não assumiu não contam como família.
— O que eu fiz pra merecer isso?
— Além de ter colocado a carga daqueles teus amigos traficantes dentro dos nossos caminhões? Além de ter perdido o nosso último carregamento de armas e ter dado provas pra polícia acabar com a nossa operação na zona portuária? Acredito que fora isso… É, não tem mais nada.
— Por favor, cara — Lorenzo estava chorando. — Quem vai ficar com o meu cachorro? E o orfanato que eu ajudo?
— Por causa deles eu vou te dar uma colher de chá. Eu vou te dar uma coronhada, tirar o freio de mão do carro, você vai cruzar aquela avenida movimentada, vai chegar ao fim da rua e o carro vai cair no rio… Então você vai desaparecer e nunca mais ninguém vai ouvir falar no teu nome.
— Tá falando sério?
— Claro, você só precisa colaborar. Mantenha o volante reto, desça a rua, jogue o carro no rio e ninguém nunca mais vai ouvir falar de você — a coronhada veio logo depois do final da frase. Lorenzo quase bateu a cabeça no volante, mas o golpe foi fraco o suficiente para fazê-lo suspeitar de algo.
Horácio puxou o freio de mão e pulou pra fora do carro. No dia seguinte os noticiários só falavam do carro que atravessou uma avenida, uma rua e se atirou no rio. Não se sabia a quantidades de ocupantes do veículo, mas não foi achado o corpo de nenhum deles. A suspeita é de que o carro já estava vazio quando caiu no rio.
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Rodrigo Cerveira Cittadino
Muito bom! Você tem um dom para escrever contos com esse humor tão divertido. É um traço marcante de sua escrita.
Horácio foi um ótimo nome!
E eu ri na parte do “Não tem ninguém do RH disponível?”, hauhauhauhahua!
Só acho que você podia ter entrado mais demoradamente na cabeça do Horácio quando ele decide poupar o Lorenzo. Tipo, podia ter descrito uma crise de consciência ou a percepção de que ele, um mafioso, era capaz de sentir piedade. Algo assim. Só para tornar a transição menos brusca.
Fora isso, ficou show! Muito criativo, como sempre!
Parabéns! 😀
Filipe Sena
Realmente a transição ficou um pouco brusca, mas a ideia era justamente fazer parecer até o último momento que Lorenzo ia passar dessa pra melhor. A execução não foi tão boa quanto eu imaginei, mas valeu como exercício.
Bernardete
Muito bom o “sacou o celular do bolso” e já era de se esperar o atitude de Horácio já que ele é o pior assasino da máfia,agora eu quero ver como ele vai se sair desssa. Que bom que você voltou a escrever estava sentindo sua falta.