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Tag: Polícia

Contos de Segunda #59

    — Finalmente! Depois de tanto lutar, finalmente eu serei capaz não só destruí-lo, mas também de desvendar os segredos dos seus poderes.

    Essas palavras foram repetidas inúmeras vezes nas últimas horas. Quem as repetia? Um homem que abandonou seu antigo nome para atender pela alcunha de Dr. Malícia. Mas para quem ele estava repetindo tais palavras? Para um homem que estava amarrado, pendurado de cabeça para baixo sobre um tanque com uma substância nefasta com cheiro de gelatina de limão. Esse homem era conhecido como Homem Camaleão.

    — Jamais, Dr. Malícia — respondeu o Homem Camaleão.

    — Ainda não entendeu, Camaleão? Dessa vez não há escapatória — Malícia foi até a mesa de controle e ligou um grande monitor que mostrava uma série de diagramas, uma cadeia de DNA e um modelo tridimensional do Homem Camaleão. — Em poucos minutos você será mergulhado nessa solução especial que, além de corroer até os seus ossos, vai isolar os genes responsáveis pelos seus poderes camaleônicos e assim eu poderei reproduzir esses genes para criar o meu exército de homens camaleão.

    — Seu plano maligno nunca dará certo, Malícia, logo logo eu sairei daqui e você estará atrás das grades.

    — Vejo que seu senso de humor continua intacto, Homem Camaleão, mas dessa vez você não tem a menor chance de…

    — Parados! Polícia!

    Do nada uma equipe tática do Departamento de Polícia de Vila Urbana entrou nas instalações abandonadas que serviam como laboratório para Dr Malícia.

    — Mãos pra cima!

    Dr Malícia obedeceu imediatamente, mas não deixou de protestar.

    — Que absurdo é esse? Vocês não podem sair invadindo a casa dos outros assim — disse Dr Malícia ainda com as mãos para cima.

    — Não adianta tentar enrolar a gente — antes do final da frase o rádio na cintura do policial iniciou a transmissão de uma mensagem, ele ligou os fones de ouvido no rádio e começou a falar com quem estava do outro lado. — Sim, já entramos… Não, não, ele tem um herói mascarado pendurado de cabeça pra baixo sobre uns produtos químicos com cheiro de gelatina…. Aparentemente não é nenhuma droga e…

    — Com licença, policial — interrompeu o Homem Camaleão. — O que as drogas tem a ver com isso?

    — Estamos investigando esse local faz dois meses —  começou o policial. — Temos provas de que neste endereço funciona um laboratório de produção de drogas.

    — Acho que vocês estão falando do meu primo — se adiantou Dr. Malícia ainda com as mãos para cima. — Ele me emprestou esse imóvel por que ele costuma dar folga ao pessoal dele nos dias de segunda. Não sou muito fã da polícia, mas vou dizer logo que vocês não vão encontrar drogas por aqui. Só pra vocês não perderem tempo procurando.

    — Isso mesmo, policial, nesse caso meu inimigo mortal está coberto de razão.

    — Então hoje a gente não vai encontrar por aqui ninguém que vende ou fabrica drogas?

    — Exato. Hoje só vai ter por aqui a boa e velha vilania. Meu plano de destruir esse herói aqui não tem nada a ver com drogas.

    — Eita… — disse o policial. — Então não tem ninguém pra prender?

    — Receio que não, meu caro policial — disse o Homem Camaleão. — Pelo menos não até eu me desamarrar daqui e derrotar o Dr Malícia. Sabe como é, a legislação nova protege os vilões que ainda não encerraram a sua luta contra algum super herói.

    — Precisa de alguma ajuda, Homem Camaleão? — Indagou o policial. — Se não precisar a gente vai embora.

    — Está tudo sob controle, pode deixar que a gente se vira por aqui.

    — Então se é assim… Não tem mais nada pra gente aqui, pessoal. Vamos embora.

Em um minuto todos os policiais já tinham ido embora. O vilão e o herói passaram alguns segundos calados quando o Homem Camaleão quebrou o silêncio.

— A gente parou onde mesmo?

— Nem sei… Se importa de começar de novo?

— De maneira alguma, fique à vontade.

    Dr. Malícia limpou a garganta com um pigarro, se empertigou e disse em alto e bom som:

    — Finalmente! Depois de tanto lutar, finalmente eu serei capaz não só destruí-lo, mas também de desvendar os segredos dos seus poderes.

Contos de Segunda #49

Vocal, Guitarra, Baixo e Bateria.  Na opinião de muitos, apenas isso é suficiente para fazer o bom e velho Rock n’ Roll. Como os quatro elementos da natureza eram as quatro meninas que formavam o 4Ladies, provavelmente a banda de rock composta apenas por garotas mais desconhecida da face do planeta Terra. Mas isso estava prestes a mudar.

— Vamos ver o que temos aqui — disse o delegado. — Quatro menores de idade invadiram um prédio desocupado, fizeram uma ligação clandestina de energia, provocaram a interrupção das aulas de uma faculdade, dois cursos pré-vestibulares e uma escola técnica e…

— A gente só tava fazendo nosso som, esse pessoal parou porque quis — interrompeu Bateria.

— Cala a boca, Bateria! — Gritou Guitarra. — Quer ser presa de verdade?

— Quietas, meninas — disse Vocal. — Desculpa, seu delegado. A gente não quer causar mais problema.

— Fico comovido com a sua consideração… — o delegado olhou para os documentos da mesa — Ivone, não é? E as outras são Bárbara, Agnes e Laila, certo?

— Isso mesmo delegado… Gostamos mais de Vocal, Bateria, Guitarra e Baixo, mas pode nos chamar como quiser.

— Ótimo, sou péssimo com nomes — o delegado olhou para as meninas por alguns segundos antes de continuar. — Podem me dizer o que diabos aconteceu?

— A gente só queria tocar, delegado, só isso — adiantou-se Bateria.

— Para de falar desse jeito ou a gente vai acabar se dando mal de verdade — repreendeu Guitarra, ela respirou fundo e continuou. — A gente começou a banda tem pouco tempo, delegado. Ninguém conhece a gente aí… A gente pensou em… Tipo, sei lá… Fazer alguma coisa pra ficar conhecida.

— Então vocês invadiram um prédio desocupado, fizeram uma ligação de energia clandestina até o telhado, armaram os equipamentos e fizeram uma apresentação que foi ouvida num raio de no mínimo duzentos metros.

— Não foi bem assim que aconteceu — explicou Vocal. — A gente meio que tinha a chave, então na prática não foi bem uma invasão.

— O prédio é meu, delegado — interrompeu Baixo. — Meu avô comprou e colocou em meu nome, por isso eu tenho a chave.

— Olha aí, a gente não fez nada de errado — cortou Bateria. — Acho que é melhor soltar a gente por causa das coisas de criança e adolescente.

— Para de falar, Bateria, tá piorando tudo — rosnou Guitarra entre os dentes cerrados. — Se for prender alguém prende ela, delegado. A gente tá colaborando aqui, ela que tá de desacato.

A paciência do delegado estava por um fio. Vocal notou a fúria crescente do homem e decidiu intervir.

— A gente teve essa ideia, mas não sabia bem o que estava fazendo, delegado — começou Vocal. — A gente usou energia de uma… Como se diz mesmo? Instalação provisória feita pelo pessoal que tá reformando o prédio. A gente arrumou um sistema de som, mas não sabia que ele era tão potente… A gente só queria chamar a atenção da galera da faculdade… O plano era tocar num dos intervalos entre as aulas e como o prédio da faculdade é bem mais alto, muita gente ia ver…

Que nem os Beatles — interrompeu Bateria. — Ou a banda do Homer Simpson.

— Eu vou dar na cara dessa menina — explodiu Guitarra. — Para de interromper os outros, a gente vai se complicar por sua causa.

— Cala a boca, Guitarra — desdenhou Bateria. — Essa raiva toda é só por que na hora do solo saiu tudo errado.

Guitarra não respondeu, partiu pra cima da amiga com tudo e se não fosse por Vocal e Baixo a briga teria começado ali mesmo.

— CHEGA! VOCÊ DA BATERIA PRA FORA! CANTORA, FORA TAMBÉM! AQUI DENTRO SÓ A DONA DO PRÉDIO E A DA GUITARRA, NÃO QUERO NINGUÉM BRIGANDO NA MINHA DELEGACIA! FORA!

O delegado bufava de raiva e estava mudando de cor algumas vezes por segundo. Ele buscou dentro de si o último traço de tranquilidade e agarrou-se nele. Quando a cor do delegado parecia normal novamente Guitarra começou a falar.

— Foi mal, delegado, é que quando eu erro…

— Você, — ele apontou o dedo para guitarra — quieta. Agora, dona do prédio, me convença a liberar vocês.

— Senhor delegado, o senhor tem que concordar que não cometemos nenhum crime de fato — explicou Baixo. — O proprietário do prédio autorizou a entrada e se a ligação de energia é irregular quem deve ser notificada é a empresa responsável pela reforma. Somos culpadas pelo barulho, mas entenda nosso lado, delegado, apenas queremos fazer nossa banda dar certo. Imagine o tanto de divulgação gratuita e espontânea nós estamos tendo neste momento com vídeos e fotos nossas sendo compartilhadas na internet. Acredito que a melhor saída é apreender nosso equipamento e liberá-lo mediante pagamento de multa, além de obviamente comunicar os nossos responsáveis.

Tanto o delegado quanto Guitarra estavam boquiabertos. Até Guitarra que conhecia Baixo desde criança estava surpresa como a amiga tinha conseguido tão facilmente pensar numa solução.

— Bem… Não é todo dia que aparece uma pessoa detida que apresenta uma solução razoável para sua situação — o delegado fez uma pausa para olhar os documentos. — Aguardem aqui enquanto falo com os responsáveis de vocês e vejo a questão da multa.

O delegado saiu e informou às duas meninas que aguardavam do lado de fora o que fora resolvido. Obviamente nenhuma das duas ficou muito feliz em saber que os seus pais seriam informados.

— Mandou bem, Baixo — disse Guitarra. — A gente vai se lascar um pouco, mas melhor que ser presa.

— Sem falatório, Guitarra — disse Baixo sacou o celular. — Aproveita enquanto o delegado não volta e sai procurando qualquer vídeo ou foto da gente na internet — Guitarra entendeu o recado, deu um sorriso e puxou o celular do bolso. — A gente vai dizer a todo mundo que essa bagunça toda é culpa nossa. Todo mundo tem que saber que é culpa das 4Ladies.

Contos de Segunda #39

Mais uma segunda-feira em Vila Urbana. Adultos saíam de suas casas e partiam para o trabalho, crianças partiam para a escola e as ruas eram tomadas por um trânsito intenso. Mais uma manhã tranquila… Ou pelo menos seria se não fosse por uma perseguição policial que estava acontecendo naquele momento.

    “Um carro de transporte de valores foi roubado e está seguindo em alta velocidade pela Avenida Central. O meliante está armado e fez uma senhora idosa de refém”, foi a mensagem que saiu de todos os rádios de todos os carros de polícia de Vila Urbana. O carro sequestrado levava um tipo único de mineral que seria entregue em um laboratório do centro da cidade se um meliante armado não tivesse aparecido. Mas aquele não era um meliante qualquer, ele era conhecido como Atirador. Os pobres seguranças não tiveram chance contra o vilão. Porém havia um homem que já tinha prendido o Atirador quase dez vezes. Esse homem atendia pela alcunha de Homem Camaleão.

A polícia já tinha armado um bloqueio para interceptar o vilão em fuga, mas Camaleão sabia que não seria tão simples. Atirador era ardiloso e cheio de recursos, no máximo o bloqueio iria atrasá-lo, e era com isso que nosso herói contava. Uma leve redução de velocidade seria suficiente para tornar uma abordagem direta possível. Usando suas habilidades de mira superiores, o Atirador conseguiu achar um ponto fraco na barreira feita pelos policiais. O carro blindado atravessou o bloqueio reduzindo sua velocidade o suficiente para que um ser quase invisível pudesse se agarrar ao veículo.

O Homem Camaleão se pendurou na blindagem do carro e, usando suas habilidades camaleônicas, foi se pendurando até encontrar a porta do veículo. Durante a fuga o Atirador esquecera de trancar a porta, nosso herói adentrou no veículo sem esforço algum.

— Desista, Atirador — disse nosso herói. — Liberte a refém e entregue-se.

— Dá um tempo, Camaleão. Eu tenho umas coisas pra resolver, não posso ficar brincando de herói e bandido contigo.

— A justiça não pode esperar, Atirador, entregue-se

A resposta foi uma rajada de balas. Com sua agilidade superior e sua camuflagem, o Camaleão desviou das balas que perfuraram a blindagem do carro forte.

— Se segura, coroa. Estamos quase chegando.

— Receio que não poderá chegar a lugar nenhum, Atirador.

O Homem Camaleão se atirou ao volante na tentativa de fazer o vil condutor perder o controle do veículo. O carro começou a fazer zigue-zague e bateu em três outros veículos antes de atingir uma árvore e ficar preso. Com uma rajada de balas o Atirador recortou uma saída na lateral do veículo e se atirou junto com nosso herói pra rua.

— Olha só o que você fez, Camaleão. Eu só queria terminar esse trabalho, mas você tinha que aparecer.

— Não permitirei que saia impune, Atirador. Prepare-se para enfrentar a força da justiça.

Não demorou muito para o Homem Camaleão dominar o vilão. Em poucos instantes ele estava desacordado e algemado esperando os policiais.

— Já pode sair, senhora refém, o bandido já está dominado.

— O que você fez com ele, seu maldito? Augusto, você está bem?

— Estou, mãe, só estou preso.

— Mãe? É pior do que eu pensava, como pôde sequestrar a sua própria mãe, Atirador?

— Eu não sequestrei minha mãe, imbecil. Eu estava dando uma carona pra ela e graças à você ela vai perder a hora no médico.

— Mas você roubou um carro forte e…

— Eu ia deixá-la por lá assim que fizesse a entrega, seu bocó

— Dois meses esperando essa consulta pra nada. Muito obrigado, Senhor Camaleão.

Nosso herói estava desconcertado. O exercício da justiça não poderia nunca interferir de maneira negativa na vida dos cidadãos. Ele precisava de uma solução, e rápido. Os carros da polícia já estavam chegando e a mãe do Atirador seria levada para a delegacia junto com o filho, perdendo a consulta no médico.

— Não se preocupe, Senhora. A senhora não perderá sua consulta — Camaleão jogou a pobre senhora nas costas. — Agora me diga onde fica o seu médico?

Contos de Segunda #36

Aluísio tinha uma relação muito particular com a Segunda-feira. Praticamente todas as coisas relevantes da sua vida aconteciam no primeiro dia útil da semana. Em muitas das segundas não acontecia nada, em outras aconteciam coisas demais. Independente do nível de acontecimentos, Aluísio sempre sentia quando algo muito importante aconteceria. Ele estava com essa sensação desde as primeiras horas de 2016. Ano bissexto, com vinte e nove dias em Fevereiro. Vinte e nove, terminando em uma segunda-feira. Da última vez que isso tinha acontecido não foi nada bom pro pobre Aluísio.

O ano era 1988. Aluísio, com seis anos na época, já tinha alguma noção da sua relação com o calendário. Por isso o primeiro dia útil da semana acabou se tornando o seu favorito. Pelo menos até aquela segunda-feira 29 de Fevereiro. Durante um passeio da escola ao Jardim Botânico, o pequeno Aluísio se perdeu. Passou todas as horas da segunda-feira sozinho no meio do mato. Havia grande chance de ocorrer algo tão ruim quanto. Ele podia sentir.

O dia começou bem e tudo parecia normal. Até a mensagem de Amélia, esposa de Aluísio chegar. Ela estava passando mal e estava indo para o hospital. Aluísio pegou um táxi e foi atrás dela. Depois de ouvir a notícia de um protesto no rádio o taxista abandonou Aluísio, que saiu andando na esperança de passar pela área do protesto e pegar outro táxi. Ele teria pego se ao cruzar o protesto não fosse confundido com um famoso sindicalista idolatrado por todos os manifestantes da cidade. Rapidamente a notícia de que o movimentos foi legitimado pela presença de Aluísio correu. A polícia foi acionada e a quantidade de manifestantes aumentou quase duas vezes em meia hora. Depois de muito protestar, Aluísio foi detido pela polícia e colocado dentro de uma viatura. Quando deu no rádio que o verdadeiro sindicalista famoso tinha aparecido na manifestação dizendo que o patronato tinha infiltrado um sósia dele no protesto para dispersar o movimento, os policiais soltaram Aluísio e ofereceram uma carona como forma de remediar o transtorno. Ele prontamente aceitou.

No caminho para o hospital os policiais precisaram parar. Uma casa lotérica estava sendo assaltada. Os bandidos conseguiram fugir na viatura e acabaram levando Aluísio como refém. O celular vibrou, era mensagem da esposa. O aparelho foi sacado do bolso só para ser atirado pela janela da viatura. Apesar do susto, Aluísio estava feliz. A mensagem de Amélia era curta o suficiente para ser lida em um instante.

“Você vai ser papai”.

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