Não é um blog sobre cachorros e bikinis

Tag: Trabalho Page 3 of 5

Contos de Segunda #27 – Parte 01

O conto a seguir é uma continuação da história de Cristina e Jorge, eles apareceram anteriormente nos Contos de Segunda #11 e #17

Pronta pra confra das meninas?”

    Era isso que dizia a mensagem que acabara de chegar no celular de Cristina. Ainda eram seis da manhã e aparentemente sua amiga Luciana não estava com nem um pouco de sono. E com um humor tão bom que quase dava nos nervos.

    “Pronta pra encarar a confra com o pessoal do escritório?”.

    “Mais pronta impossível, amiga, meu boy não trabalha comigo”.

    Cristina trincou os dentes de raiva. Desde o “acidente” ocorrido durante o show de um cover do Pearl Jam, a vida de Cristina tinha ficado um pouco complicada. Noventa por cento dessa complicação era culpa de Luciana. Desde aquele dia a moça se dedicava apenas a criar situações onde Cistina deveria encontrar com Jorge, ou como Luciana gostava de chamar “o boy”.

    “Tá bom de parar de testar nossa amizade, Luciana

    “Tá bom de parar de enrolar e agarrar logo teu boy, até parece q tu não quer

    O celular foi arremessado dentro do guarda-roupa, por sorte ele ficou preso em um casaco qualquer e não sofreu nenhuma avaria quando caiu no chão. A vontade de ficar em casa naquele dia estava batendo recorde, mas hoje era dia da “confra das meninas” e as meninas em questão estariam todas na confraternização da empresa. Então Cristina tentou colocar um pouco de ânimo junto com a maquiagem e partiu.

    O salão onde aconteceria a festa era no mesmo prédio em que funcionavam os escritórios. Cristina chegou cedo, pontualmente às nove da manhã. Queria reunir a assessoria de imprensa antes do evento começar. O presidente da empresa sempre fazia algum anúncio nesse tipo de evento que acabava tendo alguma repercussão. Ela contava os fotógrafos quando uma voz debochada a fez perder a conta.

    — Procurando teu boy, Cristina?

    — Trabalhando, Luciana. Não são todos que já estão de folga.

    — Pois é, deve ser por isso que teu boy não vai aparecer hoje.

    — Ele não vem? — A surpresa na voz não podia ser disfarçada.

    — Sabia que ficaria chocada — Luciana parecia se divertir cada vez mais — Nem ele, nem ninguém da galera do jurídico. Rolou algum tipo de incidente diplomático e o mundo vai desabar. Pelo menos era isso que parecia quando eu falei com Roberta mais cedo. Ela não vai pra confra das meninas.

    — Espero que seja só com eles. Da última vez que rolou um “ incidente diplomático” o pessoal da comunicação passou uma semana trabalhando junto do jurídico.

    — Pelo que eu lembro. Você passou uma semana trabalhando junto do teu boy.

    — VAI PRO INFERNO, LUCIANA.

    — Relaxa, amiga. Jorge tá de castigo e ninguém vai ficar cochichando nas costas de vocês. Pelo menos hoje

    Por que era isso que acontecia há meses. A história de Cristina e Jorge acabou “vazando” e sempre tinha alguém cochichando quando os dois se encontravam eventualmente. Não acontecer nada disso em um dia em que a maioria dos colegas estaria sob efeito de álcool era um alívio. Foi quando o telefone tocou, era Roberta.

    — Cristina, temos um problema — disse Roberta com uma voz meio triste.

    — Só me faltava essa. Que problema, Roberta?

    — Daqui a umas duas horas você precisa subir pro escritório. Dessa vez rolou um lance meio pesado, vai ter que sair uma nota oficial da empresa.

    — Ok. Subo já já e você me explica tudo.

    — Não vai dar, amiga, a galera daqui vai passar o dia resolvendo coisas fora do escritório — Ela fez uma pausa — Só vai ficar uma pessoa… E você já deve saber quem é. Tenho que ir, a gente se fala.

    Cristina desligou o telefone com vontade de matar alguém, mas no lugar disso ela falou:

    — Luciana — Respirou fundo, contou até três e continuou — Acho que eu não vou poder ir pra confra das meninas.

 

Férias

Não é novidade pra ninguém que muita coisa que você fazia/dizia/sentia/gostava quando era criança muda totalmente quando você vira adulto. Elas são uma forma da vida te convencer de que a era de ouro da sua vida já  era e que toda esperança de que ela voltará deve ser abandonada e a vida tem que seguir rumo à maturidade. Um dos grandes exemplos disso é o significado diferente que uma das palavras mais sublimes da língua portuguesa pode ter. Estou falando das belas, maravilhosas e ansiosamente aguardadas Férias.

Quando você é criança, e até um tempo depois disso, as Férias nada mais são do que um período em que você fica longe da escola. É quando se tem tempo de sobra pra fazer a única coisa que dá pra fazer nas idades mais baixas: ser criança. Coisa que fica muito mais fácil quando a escola não está lá pra atrapalhar. Tudo isso muda muito quando a gente cresce, por um simples fato: um adulto é dono do seu próprio nariz, mas não é dono do seu próprio tempo.

Pra todo mundo, ou pelo menos pra maior parte das pessoas, chega uma hora da vida em que é preciso oferecer sua força de trabalho em troca de alguns cobres no fim do mês. Por causa disso todo o tempo que possuímos é gasto com o trabalho ou tem o uso que fazemos dele limitado por causa do trabalho. Por isso a sensação que se tem quando as Férias chegam e você é adulto é justamente a de que seu tempo é seu mais uma vez.

Mas ao contrário dos tempos de criança, nem sempre as férias chegam de maneira tranquila. Elas são um direito garantido de todo o trabalhador com carteira assinada, mas elas podem sofrer um ataque severo dos chefes e acabarem adiadas, reduzidas ou simplesmente ignoradas. Além disso nada pode ficar pendente. Sair de férias e deixar trabalho pra depois está totalmente fora de questão. O único trabalho que deve esperar pela sua volta é o trabalho que surgiu durante sua ausência e não o que já estava lá antes de você sair.

Depois de todas as barreiras vencidas e todos os gigantes derrubados é chegado o momento sublime em que sentimos nossas velas estufadas pelos ventos da liberdade e navegamos para as águas tranquilas de um paraíso onde o dinheiro entra na sua conta sem que uma palha seja movida.

Depois de alguns dias voltamos pra guerra. Em pouco tempo as férias serão limadas de nossas mentes e não serão nada além de um pensamento distante de uma outra vida que não parece ser a nossa. Mas é como diz aquela musica, você não precisa de férias quando não tem do que fugir… Mas todos nós temos e por isso tiramos férias.

Contos de Segunda #26

    Moacir estava com um humor péssimo. Desde o começo a segunda-feira estava tão maravilhosa quanto um tratamento de canal. Da topada no pé da cama ao acidente com café que acabou mudando a cor de uma camisa novinha, aquela segunda-feira estava se esforçando para ser um dia especialmente desagradável. Estava tão ruim que o humor do pobre Moacir estava começando a melhorar, afinal não tinha como o dia ficar pior.

–  Moacir, tira aqui o nome do teu amigo secreto.

O palavrão saiu da garganta, mas morreu entre os dentes trincados do pobre coitado. Ele respirou fundo duas vezes e tentou fingir que não era com ele.

– Moacir, tira logo o teu amigo secreto que eu ainda tenho que passar lá no pessoal do design.

A mão de um homem um pouco mais controlado puxou um papelzinho de dentro da sacola. Essa mesma mão se juntou com sua irmã gêmea para receber o rosto de um homem que nunca antes tinha desejado com tanta força a queda de um meteoro. Nem precisava ser um dos grandes, só o suficiente para esmagá-lo e terminar com aquela segunda-feira maldita.

Os amigos secretos com o pessoal do trabalho sempre eram um desastre. Perfumes que causaram reação alérgica, chocolates que causaram diarreia e uma caneca personalizada do time de futebol rival eram só algumas amostras dos presentes desastrosos que Moacir acabava comprando todo ano. Esse ano não seria diferente, ele sabia, por mais que ele se esforçasse nunca dava certo. Ele tentou comprar exatamente o que a pessoa queria, tentou pegar uma dica com colegas do setor do amigo secreto, tentou ser genérico e criativo. Nunca deu certo… Na verdade “dar certo” era um extremo tão oposto que as piadas sobre os presentes de Moacir costumavam durar até o carnaval.

A porta de entrada para a desgraça de todo fim de ano estava ali, em um pedacinho de papel. Pouco mais de uma semana para o dia do amigo secreto. A contagem regressiva acabara de começar e o stress já tinha atingido os níveis mais altos do ano.

“Qual vai ser o presente que eu vou transformar em desgraça esse ano?”, se perguntava Moacir a cada dois minutos enquanto voltava pra casa. Pelo menos ele podia comprar alguma desgraça barata, era ano de crise e ninguém se importaria de se dar mal a um custo baixo. Era nisso que estava pensando quando enfiou a chave na tranca da porta. “Hoje não podia ter sido pior”, era nisso que ele pensava quando entrou no apartamento. Mas a segunda-feira estava se esforçando de verdade para que aquele homem não tivesse um bom início de semana, e uma pergunta foi a cereja daquele bolo de cocô.

– Eita… Quem foi que eu tirei mesmo no amigo secreto?

Amigo Secreto

    Poucas coisas no folclore do fim do ano conseguem ser mais notórias do que a boa e velha brincadeira de amigo secreto. Ponto alto de várias confraternizações  ou até mesmo algo que merece uma celebração particular, o amigo secreto é uma das poucas coisas que não muda em função da região, faixa etária ou da classe social dos participantes. Uma atividade lúdica e recreativa que movimenta o fim de ano de muita gente, principalmente quando se é adulto, gera uma comoção enorme entre os participantes e rende histórias pro ano inteiro. Mas o que o amigo secreto tem pra causar esse efeito nas pessoas?

    O primeiro fator determinante para a graça do amigo secreto é o fator aleatório. Não existe um ser humano na face do planeta que não veja nem um pouco de graça em sorteios e é isso que o amigo secreto é na prática, um jogo de sorte. O simples ato de tirar um papelzinho com o nome de uma pessoa já gera adrenalina equivalente à de um salto de paraquedas. A tensão, a expectativa e o risco de se dar mal transformam o ato do sorteio em algo único, ou nem tão único caso você tire seu próprio nome e tenha que refazer o sorteio. Logo depois da determinação dos resultados aleatórios temos mais uma etapa atribulada do processo: comprar o presente.

    Escolher presente pros outros nem sempre é uma tarefa simples. Caso a dama da sorte tenha lhe sorrido, seu amigo é uma pessoa que você conhece bem e, com um pouco mais de sorte, até mesmo um ser humano pelo qual você nutre alguma simpatia. Caso não você já começou a brincadeira se lascando na desvantagem, se a dama da sorte resolveu tirar uma bela onda com a sua face o risco de tirar uma pessoa que você detesta é bem grande, principalmente se o amigo secreto for realizado em ambiente de trabalho. Para fins pedagógicos vamos considerar que sempre ocorre a segunda opção. Lá está você quebrando a cabeça para dar um presente pra um ser humano que é quase um desconhecido, caso a pessoa tenha divulgado um presente que gostaria de ganhar a tarefa fica um pouco mais fácil, mas como estamos trabalhando com cenários adversos é melhor excluir essa possibilidade. Se você foi esperto o suficiente pra comprar algo genérico, não muito caro e que agrade todo tipo de pessoa, além de não ter caído na tentação de comprar um vale presente, você pode concorrer prêmio Nobel de amizade secreta, se não foi… Não tem muito o que fazer além de aceitar o fato de que o presente comprado só difere de um pedaço de cocô por causa do cheiro. Infelizmente é o que tem pra hoje, pelo menos o embrulho tá bonito e não vai fazer vergonha na hora da festa/confraternização/almoço/jantar/happy hour/desculpa que arrumaram pra justificar o amigo secreto.

    E eis que chega o grande dia. Cada um dos participantes aparece com pacotes e sacolas das mais variadas cores e tamanhos. A tensão e a expectativa crescem. Sempre tem algum desgraçado participante que falta, deixando uma pessoa sem presente e outra sem amigo secreto. Depois que finalmente todos chegam começa a brincadeira, alguém se habilita e começa o velho jogo de adivinhação, que acaba sendo meio furado por que ou o cara entrega de bandeja o nome do amigo ou faz uma descrição tão doida que ninguém acerta. O tempo vai passando e vai chegando a sua vez, a tensão começa a crescer, não só por causa do presente qualquer coisa que você comprou, mas também pelo medo de receber um presente tão qualquer coisa quanto. Sua vez chega antes, o cara que ia receber o presente acabou faltando rompendo a ordem da brincadeira, você começa a descrever seu amigo com o máximo de acurácia possível, vendo que ninguém vai acertar você diz logo quem é o fulano, entrega o presente e pela cara do sujeito se abrem duas possibilidades: ou você não errou o presente ou o cara merece o Oscar de melhor ator. Você volta pro seu lugar, aliviado, torcendo pra que o seu presente seja pelo menos o vale presente de uma loja legal.

Contos de Segunda #25

“Preciso de férias”.

    Foi a primeira coisa que Ribeiro pensou quando abriu os olhos naquela segunda-feira ensolarada. Dezembro mal começara e ele já contava os dias para o início das suas férias. Apenas catorze dias… Catorze ansiosos e impacientes quadradinhos no calendário que se recusavam a passar. Dias piores do que qualquer segunda-feira.

    Ribeiro chegou na hora. Empilhou os volumes do relatório do controle de qualidade do fornecedor em cima da mesa. A gerente passaria por ali em uns dez minutos e pela primeira vez em meses ela não teria do que reclamar. Estava tudo em dia, afinal tudo deveria ficar pronto antes das férias.

    “Preciso de férias”.

    Disse Ribeiro em voz baixa para si mesmo depois de passar cerca de um minuto encarando a tela do computador.  Esse minuto foi tempo suficiente para esperança de que isso o fizesse lembrar do que deveria ser feito em seguida evaporasse. Nessa hora apareceu uma notificação na tela, um email acabava de chegar avisando de uma reunião do departamento no início da tarde. Naquele dia uma pancada no joelho seria muito melhor.

    “Preciso de férias”.

    Foi a única coisa que passou pela cabeça do pobre Ribeiro durante toda a reunião. Principalmente por que nada de importante foi dito ou resolvido. De todas as reuniões do ano, com certeza aquela tinha sido a mais inútil de todas. Não que Ribeiro tivesse uma opinião diferente caso ela fosse uma reunião útil, ele só queria que aquele dia passasse logo. Pelo menos já passava da metade da tarde quando o pobre homem voltou para sua mesa. Ele encarou mais uma vez o calendário. Contou os dias novamente, olhou para o relógio e ficou ligeiramente animado. Mais um dia passou, faltavam treze.

    “Pessoal, vou passar na mesa de cada um pra sortear os nomes do amigo secreto”, disse alguém que passava no corredor. Depois de ouvir aquilo a pouca animação de Ribeiro virou pó. O rosto se enterrou nas mãos e ele grunhiu entre os dentes cerrados.

    “Eu preciso de férias… Muito mesmo”.

Dezembro

Eis que chegamos à ultima página do calendário. Finalmente caiu a ficha de que 2015 está nos deixando, levando consigo uma quantidade incontável de mazelas. Porém ainda não é dessa vez que comentarei sobre esse ano tão cabuloso, o texto de hoje tem como protagonista o décimo segundo mês do ano, mais conhecido como Dezembro.

Dezembro é um dos meus meses preferidos, muito disso vem dos tempos de escola, onde Dezembro sinalizava o final de mais um ano e o início de mais um período de férias. Os filmes de natal começavam a passar na televisão, a decoração das lojas mudava e o clima de fim de ano era tão presente que era quase palpável. Hoje em dia esse mês tão cabalístico não tem o mesmo gosto de antigamente, a vida adulta acabou me roubando um pouco daquilo que me contagiava nessa época. Isso acabou me permitindo observar os curiosos ritos presentes nessa época.

Quando você fica adulto os sinais do final de ano ficam um pouco diferentes. No lugar das provas finais nós temos trabalho pra terminar antes do recesso, no lugar do presente de natal nós temos o bom e velho amigo secreto, mas não tem arauto maior do final do ano do que a confraternização. Quando a gente é criança essa palavra passa um pouco longe do nosso radar, mas quando envelhecemos é praticamente uma lei do final do ano. Seja da turma do trabalho, da faculdade, amigos do tempo do colégio, pessoal da academia, aula de inglês, pessoal da trilha, do grupo de corrida, do grupo de ciclismo ou qualquer derivado, nessa época “confraternização” é uma palavra de ordem, tudo é desculpa pra se confraternizar. Afinal é disso que as festas de ano se tratam, todo mundo junto de mão dada celebrando o amor e a união entre os povos. O lance é que em boa parte das vezes você não vê muito motivo pra se confraternizar. Em boa parte das vezes você não quer quebrar a cabeça pra achar um presente de amigo secreto que não seja uma bosta. Por isso entramos na parte mais interessante do final do ano: você não quer parecer chato.

Essa época induz um comportamento muito curioso nas pessoas, não estou falando do desejo frenético de confraternizar como se não houvesse amanhã, me refiro à aversão que você desperta nessas pessoas quando não quer participar. Isso é tratado como um crime social,  talvez o único que não tem perdão e que realmente é visto com péssimos olhos pelos demais. Afinal que tipo de pessoa se negaria a dividir momentos preciosos com essas pessoas que fizeram o seu ano uma parada tão especial?

Hoje em dia eu não vejo mais filmes de natal na tv, não sinto muito o clima de fim de ano e não me empolgo muito com a decoração natalina. Hoje em dia o fim do ano é uma linha de chegada, não só por que minhas férias começam depois do natal, mas também por que dificilmente algo fica pro ano que vem. No final do ano realmente acaba e a sensação desse término é o barato do meu dezembro.

Contos de Segunda #24

Fernanda parou na frente do computador e apertou o botão de ligar. O humor dela não podia estar melhor, a noite de domingo tinha sido incrivelmente produtiva e o relatório seria entregue sem problemas na metade da tarde… Mas o computador não ligou. Ela apertou o botão novamente… Nada, nem um apito, bip ou ruído de espécie alguma. O humor dela começou a piorar. O botão foi apertado mais três vezes antes de Fernanda entrar em um frenesi e apertar a pobre peça plástica mais rápido do que os olhos podiam ver. Nada. Nesse ponto Fernanda já estava trincando os dentes e esmurrando a mesa. “Maldito computador”, pensava ela. O rosto estava quente de raiva, a respiração estava acelerada. Ela levantou e começou a dar voltas pelo quarto, quando a paciência chegou a um nível abaixo de zero um chute atingiu a mesa. Miraculosamente o computador ligou.

Pouco tempo depois a tela de login apareceu. Oito letras e um enter depois o humor de Fernanda começava a dar sinais de melhora. “Senha Incorreta”. “É o quê?”, pensou a pobre moça enquanto digitava a senha novamente. “Senha Incorreta”. Um punho cerrado caiu pesadamente sobre a mesa. “Senha Incorreta”. “Filho da …”, a moça quase explodiu de fúria. Depois de respirar fundo três vezes ela digitou a senha novamente, pouco antes de teclar enter ela notou que a tela não exibia o seu usuário. Depois de inserir o seu nome de usuário e a senha correta a tela exibiu um “Bem Vindo”. E foi só isso que a tela mostrou por mais de cinco minutos.

Nesse ponto Fernanda já estava cega de ódio. O tempo estava correndo e o relatório não estava ficando pronto. Quando o computador finalmente exibiu a área de trabalho a pobre moça foi direto na pasta de documentos. A pasta não abriu. Mais alguns cliques frenéticos e nada. Fernanda estava à beira de um infarte quando a pasta finalmente abriu, o arquivo do relatório também e o trabalho pôde ser concluído. Agora bastava enviar o arquivo por email e tudo terminaria bem. Foi quando a internet resolveu cair.

Naquele inicio de tarde um laptop saiu voando pela janela. Fernanda estava com seu relatório são e salvo na nuvem. Ela sabia bem disso, tudo tinha dado certo, mas o computador não podia sair ileso.

Contos de Segunda #23

O despertador tocou outra vez. Era o segundo alarme. Marcelo estava acordado desde o primeiro e só levantaria da cama depois do terceiro alarme tocar. Era segunda-feira e Marcelo não tinha a menor pressa de levantar da cama, afinal hoje teoricamente seria seu ultimo dia no estágio. Mesmo decidido em trabalhar tão bem quanto nos outros dias, seu nível de empolgação era comparável a de uma pia de cozinha. O terceiro alarme tocou e ele pulou da cama.

O tempo estava meio nublado, mas fazia um calor dos infernos. A época do ano em que o sol do meio-dia ficava durante dez horas no céu. Marcelo tinha conseguido a façanha de subir no ônibus em movimento e não chegaria atrasado. Apesar dessa não ser a sua intenção, meia hora de atraso significaria meia hora a menos naquele ultimo dia. Ele passou pela recepção e entrou sozinho no elevador, refletiu sobre todas as outras vezes em que aquilo acontecera e em como esta era a ultima vez em que estava acontecendo. Quando o elevador chegou ao seu destino, Marcelo respirou fundo e saiu para encarar o último dia de sua rotina.

O final do seu contrato de estágio era desconhecido pelos demais colegas, qualquer evento de despedida só deixaria tudo pior, até por que boa parte daquelas pessoas não sentiriam falta dele. Marcelo sentou na frente do computador, enquanto esperava a máquina iniciar as funções reparou que havia um bilhete preso no teclado. “Vá na minha sala assim que chegar”, dizia o recado do seu supervisor que também era um dos gerentes do setor onde ele trabalhava. Mais uma vez ele respirou fundo, tentou colocar no rosto todo o ânimo que não tinha e seguiu para a sala do chefe.

Cinco minutos depois Marcelo saiu de lá. Pegou suas coisas e foi em direção ao elevador. Enquanto descia para a recepção lembrou das últimas palavras do chefe: “…vou te dar o resto do dia pra pegar os documentos e fazer o exame admissional. A partir de amanhã vou te explicar as suas novas funções”. Ele pensou na rotina que continuaria, na luta que seria acordar todas as manhãs, principalmente nas segundas, pensou em como os seus planos de vagabundagem foram frustrados e em como a função de estagiário tinha muito menos responsabilidade… Apesar de tudo isso o ânimo que estava no seu rosto era genuíno.

Tocou O Alarme

    “Tocou o alarme”. Talvez não seja algo que você pensa com frequência, mas com certeza é algo que você sente de vez em quando. Mesmo sendo seres, na maioria das vezes,  racionais, nós ainda temos instintos que dirigem muitas das nossas ações. Normalmente esses instintos são discretos, mas alguns deles funcionam como verdadeiros alarmes mentais e como todo bom alarme acabam nos deixando meio malucos.

    Não importa a situação, nem onde você esteja, em algum momento aleatório vai soar um alerta na sua cabeça avisando da necessidade urgente de fazer determinada coisa. Seja a vontade repentina de voltar pra casa ou um desejo irresistível de pegar um caminho diferente na ida pro trabalho. Em algum momento toca um alerta vermelho dentro da sua cabeça e ele não vai parar até você fazer aquela determinada coisa, e todos nós sabemos que agir contra alguns instintos básicos demanda um esforço mental cabuloso que normalmente gera uma série de sensações desagradáveis. Provando que de nada vale ser uma criatura racional quando o alarme inventa de tocar. O senso de urgência nos atinge sem aviso, nosso corpo entra em sintonia com o campo magnético da Terra e nos empurra para a direção que devemos seguir quase às cegas em um movimento quase involuntário, tudo para que o alarme pare de tocar.

    No meu caso acontece algo muito parecido com o instinto migratório de outros animais. Em dada época do ano toca um alarme na minha cabeça pra me avisar de que eu preciso tirar minhas férias. Acho que nem preciso dizer que ele tocou um dia desses e me motivou a escrever esse pequeno relato do cotidiano, na tentativa de diminuir a minha ansiedade pelos dias de folga. Ainda preciso encarar 30 dias na rotina pesada do fim do ano antes de ser temporariamente alforriado. Enquanto isso o alarme soa cada vez mais alto.

Contos de Segunda #22

O conto de hoje é uma continuação direta da história de Maurício, protagonista do Contos de Segunda #2.

    O mundo acabou. A essa altura do campeonato isso já não era mais novidade, o apocalipse chegou meses atrás e , ao contrário do que era esperado, muita gente sobreviveu. Maurício é um desses sobreviventes e ele estava profundamente decepcionado com o fim dos tempos.

    A primeira coisa que Maurício fez foi arrumar um emprego. Ele trabalhava com uma atividade bastante curiosa: ele era chefe do departamento de coleta de pilhas. Pilhas eram um item muito importante no mundo pós-apocalipse, por algum motivo inexplicável a radiação das armas nucleares utilizadas na guerra transformara as pilhas alcalinas em uma fonte de energia inesgotável. Maurício detestava ficar catando pilhas e por isso todas as segundas ele acordava de manhã e pensava: “Bem que o mundo podia ter acabado direito”. Esse pensamento se repetia no caminho para o trabalho quando ele passava pelos religiosos que continuavam protestando contra Deus por tê-los abandonado num mundo destruído, e quando ele precisava encarar a fila da tirolesa para atravessar o abismo deixado pela ponte que ruiu na semana passada. O pensamento continuava quando ele via o tanto que as pessoas continuavam reclamando, principalmente por motivos que não tinham nenhuma relação com a situação desgraçada que era viver no fim do mundo. Ultimamente as pessoas começaram a reclamar da reclamação alheia. Era quase uma epidemia, chegava a ser pior do que as doenças do tempo do fim do mundo. Maurício precisava mudar de vida, mas as opções estavam bastante restritas. Ele precisava fazer algo radical.

    Na hora do almoço ele parou para contemplar uma pilha palito que havia sido encontrada num controle remoto quebrado. Ela emitia uma luz verde e tinha um cheiro esquisito. “E se eu engolir uma pilha dessas, só pra ver qual é?”, pensou Maurício. Ele não precisou de muita reflexão antes da pilha descer pela sua garganta. Depois de uma azia de quinze minutos, Maurício começou a enxergar as coisas meio esverdeadas, as unhas ficaram pretas e o cabelo começou a pesar na cabeça. A eletricidade começou a fluir pelo seu corpo e ele começou a sentir os dedos formigando. Ele não sabia ao certo o que estava acontecendo, mas o fim do mundo estava ficando mais interessante do que ele esperava.

Page 3 of 5

Desenvolvido em WordPress & Tema por Anders Norén